Operação abafa
Foi no amplo salão de tapetes azuis do Senado, em uma terça-feira de março, logo após a rotineira reunião de líderes da casa, que o senador Mecias de Jesus, com o seu 1,60 metro, abordou o corpulento líder do governo, Fernando Bezerra Coelho. “Se vai um, vão três”, disse. “Pois é, pois é, não vai ter isso, não”, respondeu Bezerra. O assunto do papo estranho era claro: a fraude na eleição para a presidência do Senado. Mecias estava incomodado por ter sido apontado, sozinho, como o responsável pelo escândalo, ocorrido diante das câmeras e com transmissão ao vivo para todo o país. E quis dar o recado diretamente a Bezerra: se o mandato dele estivesse ameaçado, outros personagens importantes daquela tarde circense no plenário também estariam complicados. Um deles é o próprio Bezerra, escalado na ocasião para ajudar no processo de votação. O outro é o senador José Maranhão, que presidia a sessão.
A ameaça de Mecias, presenciada por outros senadores, era um dos poucos lances aparentes de uma operação de bastidores que já estava em curso no Senado com o objetivo de abafar a confusão – e deixar sem punição os envolvidos. A articulação foi deflagrada no início de março, depois que os responsáveis pela apuração passaram a considerar, com base em um conjunto de imagens, a possível participação de Bezerra no episódio, juntamente com o protagonista Mecias de Jesus. Até ali, Mecias estava sozinho na história. E a expectativa era de que logo haveria uma resposta à cobrança, reverberada nas redes sociais, por punição exemplar. O corregedor, senador Roberto Rocha, falava quase diariamente sobre o andamento da investigação, embora evitasse citar nomes. Chegou a dizer que os principais suspeitos eram os últimos a terem votado, e que o responsável pela fraude teria sido um senador inexperiente.
Foi então que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, responsável pela escolha de Bezerra como líder do governo, intercedeu. Formou-se um consenso: todos deveriam submergir e se esforçar para deixar o assunto morrer por inanição. O próprio Rocha pararia de falar, e não se esforçaria para avançar na apuração. Para se ter uma ideia, até hoje não se concretizou a anunciada remessa para a Polícia Federal das imagens reunidas pela Corregedoria – as mesmas que colocavam Mecias como suspeito número um e deixavam Bezerra também em má situação. A ideia inicial era que peritos da PF fizessem uma análise mais detida do material. O próprio Bezerra chegou a falar com o ministro da Justiça, Sergio Moro, para ajustar o auxílio da polícia. Segundo a própria PF, até hoje as imagens não foram enviadas.
O acordão é bom para todos os envolvidos. Com ele, Davi Alcolumbre consegue evitar um levante da ala do MDB da qual Bezerra faz parte. O senador, ex-ministro de Dilma Rousseff, é ligado a Renan Calheiros, que foi derrotado por Alcolumbre na eleição para a presidência do Senado. Ficar bem com Bezerra significa acenar politicamente ao único grupo que pode ameaçar os dois anos que ele tem pela frente como presidente da Casa. Bezerra, por sua vez, se manteria na liderança do governo. Já Roberto Rocha, o corregedor, não se indisporia com ninguém e conseguiria pôr em curso, sem maiores entraves, seu projeto regional: tornar-se o principal líder de oposição ao governador do Maranhão, Flávio Dino, talvez com a ajuda do próprio MDB de Bezerra e do onipresente José Sarney. Mecias, o suspeito principal, manteria seu mandato tranquilamente.
A falta de transparência tem incomodado alguns senadores que tentam acompanhar o desenrolar do caso, como Cid Gomes. “A turma do deixa-disso prevaleceu”, diz o senador cearense. O baiano Otto Alencar também reclama: “A investigação não sendo concluída de forma transparente deixará o Senado em situação comprometedora”. Ele compara o episódio com outro igualmente rumoroso, o da violação do painel do Senado por seu conterrâneo Antonio Carlos Magalhães e por José Roberto Arruda, em 2001, durante a votação da cassação do então senador Luiz Estevão. ACM e Arruda acabaram renunciando. Entre a revelação do envolvimento dos dois e a renúncia de ambos, três meses se passaram. Agora, dois meses após a fraude, não há nenhuma resposta. Aliás, nem o Conselho de Ética – onde a investigação deveria desaguar – foi instalado ainda. Os tapetes azuis do Senado estão precisando, mais do que nunca, da prometida faxina.
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