MarioSabino

Ainda dá para corrigir, Bolsonaro

17.05.19

Uma das minhas funções em O Antagonista é, de vez em quando, emprestar um tom editorial ao site. Função que exerço com naturalidade, dado o meu histórico profissional. É só fruto de treino, não de talento. Escrevi um monte de cartas ao leitor quando estava na Veja. No caso do site, são editoriais muito curtos, de acordo com a nossa fórmula jornalística. O objetivo é esclarecer o leitor sobre o que pensamos como publicação a respeito de temas relevantes. Isso se faz necessário porque, dadas a velocidade dos acontecimentos políticos e a profusão de notas que publicamos por dia, não raro o leitor fica desorientado sobre qual é, afinal de contas, a nossa linha.

Ontem, escrevi o seguinte sobre as passeatas organizadas em dezenas de cidades:

A esta altura, dada a magnitude das manifestações de hoje, está claro que os protestos não são apenas contra os cortes – ou, mais precisamente, bloqueios temporários — na educação.

São — ainda de maneira pouco clara — contra um governo que, em quatro meses e meio, vem se mostrando inepto para enfrentar os enormes desafios que o país impõe. Um governo que conspira contra os seus melhores integrantes, desnorteia o seu próprio partido no Congresso, confunde realidade com redes sociais e tem um desequilibrado como guru. Um governo no qual reina a cacofonia mais absoluta.

Um governo que abre caminho, enfim, para que o pior da política brasileira atue cinicamente em reação ao descalabro geral. Inclusive organizando protestos que podem avolumar-se.

Não adianta xingar quem faz o diagnóstico. É preciso corrigir rumos urgentemente.

Choveram xingamentos, como se estivéssemos – eu estivesse — justificando os oportunistas que se aproveitaram do contigenciamento de verbas das universidades federais, para colocar a rapaziada na rua em protestos contra a reforma da Previdência e pedir liberdade para o corrupto e lavador de dinheiro que está preso em Curitiba.

O que ululei foi o óbvio: o governo cria armadilhas para si próprio, ao estimular um clima de conspiração interna, desautorizar ministros como Paulo Guedes, da Economia, e Sergio Moro, da Justiça, dedicar-se a fazer tumulto nas redes sociais quando deveria empenhar-se em gerar melhores expectativas para milhões de desempregados e, por fim, meter os pés pelas mãos na hora de comunicar-se. A história do contingenciamento das verbas para universidades federais é um exemplo desse último ponto. Começou com o ministro da Educação dizendo que iria bloquear verbas de universidades federais que fazem “balbúrdia”, versão que não se sustentou porque todas seriam atingidas, e continuou com uma confusão de barras de chocolate em live no Facebook, o presidente afirmando que cancelaria o contingenciamento a deputados, ministro negando o que o presidente dissera (“puta telefone sem fio”) e Jair Bolsonaro, ao final, chamando os estudantes que foram para a rua de “idiotas úteis”– o que só fez açular a raiva da moçada contra ele, para alegria dos espertalhões inúteis que adoraram ver um mero contingenciamento ser politizado pelo ministro da Educação e, em seguida, pelo presidente.

É tanta balbúrdia sem aspas que quatro meses e meio já deram ao governo rugas de anos inconfessáveis. A impressão não é só minha. Nessa toada, os impasses dessa síndrome de Hutchinson-Gilford talvez se tornem intransponíveis. Aí é que entra o alerta sobre a abertura de caminho para que o pior da política brasileira atue cinicamente e apresente-se como opção. Algo que já está ocorrendo tanto do lado do Centrão como do PT. Essa gente nunca perdeu dinheiro ao subestimar a capacidade dos eleitores de lembrar-se do que políticos fizeram no verão passado.

Ainda dá tempo para o governo corrigir rumos, como escrevi. Basta conter ímpetos suicidas (e homicidas), aposentar personagens deletérios e valorizar os bons quadros de que Bolsonaro dispõe – e eles incluem, além de Paulo Guedes e Sergio Moro,  a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e vários nomes do segundo escalão. Construir alianças também é essencial. É óbvio que não se trata de ceder ao fisiologismo, embora isso esteja cada vez mais difícil, uma vez que o governo enfraqueceu-se graças às armadilhas que criou para si próprio. Trata-se de encontrar rapidamente articuladores políticos capazes de reverter os danos autoinfligidos — e não de ficar gritando, como fez Bolsonaro ontem no Twitter, que “se há algo que jamais abrirei mão, são os princípios fundamentais que sempre defendi e com os quais a maioria dos brasileiros se identificou. O Brasil pediu uma nova forma de se relacionar com os poderes da República, e assim seguirei, em respeito máximo à população”. Daqui a pouco, com o Centrão mantendo o governo acuado no Congresso, Bolsonaro não terá mais nem mãos para segurar princípios.

Se os rumos não forem corrigidos, Jair Bolsonaro repetirá o roteiro de que falava Benjamin Constant, não o brasileiro, mas o francês de origem suíça: “Os depositários do poder têm uma disposição desagradável para considerar tudo o que não é eles como uma facção. Eles colocam às vezes a nação nessa categoria”. Isso nunca dá certo. Por último, mas não menos importante, o governo e adjacências têm de ser menos figadais quando recebem críticas. O poder não é tanto uma questão de punhos como de nádegas. A frase é do pensador espanhol Ortega y Gasset. Endureçam os traseiros que é mais produtivo e também uma boa forma de evitar o envelhecimento precoce.

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