Adriano Machado/CrusoéO plenário da Câmara na quarta: votos bem além do necessário

Os pais da reforma

A aprovação da reforma da Previdência representa um passo gigantesco para colocar em ordem as contas do país, mas nos bastidores deixa rusgas entre os artífices da proposta: quem, afinal, ficará com os louros?
12.07.19

Em 30 de junho, a residência oficial do presidente da Câmara, em Brasília, teve movimento atípico para um domingo. Ao longo do dia, Rodrigo Maia recebeu líderes partidários, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e representantes da equipe econômica para definir o futuro da reforma da Previdência, a principal pauta do governo — e do próprio Maia. A proposta havia sido aprovada na comissão especial na quinta-feira anterior. Passados cinco meses desde o início da tramitação, parlamentares ainda resistiam a votar as mudanças nas regras de aposentadoria em plenário. Fiel da balança, o afamado Centrão não confiava muito na promessa do governo de que cumpriria os “compromissos” firmados, especialmente a liberação de emendas e recursos extra orçamentários para suas bases eleitorais. Foi aí que o presidente da Câmara levou a  Onyx uma espécie de ultimato: ou o governo começava a atender os pedidos dos deputados ou a reforma simplesmente não seria votada.

O turning point veio na segunda-feira, 8, quando deputados começaram a ser informados sobre o empenho de emendas e o Diário Oficial da União trouxe a liberação das tais verbas extras. Na área da saúde, logo no início da semana, em um só dia o governo liberou quase 1 bilhão de reais. Em emendas, nada menos que 2,6 bilhões de reais foram empenhados nos nove primeiros dias do mês. É o quarto maior repasse mensal desde 2016, de acordo com balanço da ONG Contas Abertas. A liberação seguiu nos dias seguintes, aumentando a disposição de parlamentares do Centrão e de outros partidos da base para votar a proposta. Maia, então, passou a se concentrar na negociação de pontos do texto que ainda emperravam a aprovação da proposta. O impasse estava nas regras de aposentadoria de policiais, professores e das mulheres. O presidente da Câmara sabia que era preciso aproveitar a onda favorável e levar o texto a votação antes do recesso de julho.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéMaia, mais uma vez emocionado no plenário: ele quer os louros da reforma
“Todo processo do Legislativo de relação com o Executivo é sempre de desconfiança, porque esse governo no início gerou uma desconfiança. Mas acho que isso vai caminhar para o leito normal do rio e a gente vai construir, daqui para frente, uma relação mais harmônica entre os poderes”, afirmou o presidente da Câmara na noite de terça-feira, minutos antes de entrar no plenário e finalmente abrir o processo de discussão e votação da reforma. Após idas e vindas na negociação, o processo de votação foi iniciado na quarta-feira e concluído no mesmo dia, com a aprovação do texto-base por um placar de 379 votos a favor e 131 contra. O resultado surpreendeu até os governistas mais otimistas, que esperavam ter, no máximo, 367 votos. Na noite desta quinta-feira, 11, ainda faltava votar os destaques e as emendas. Havia expectativa de concluir a votação do texto em segundo turno antes do fim de semana. Deixar para depois, na avaliação dos articuladores, seria arriscado pela possibilidade de os deputados, de volta às suas bases, serem pressionados pelos eleitores e acabarem mudando o voto no segundo turno.

O sucesso na primeira rodada de votação no plenário trouxe consigo, nos bastidores, uma disputa silenciosa, típica desses momentos em que o Congresso aprova medidas de impacto: quem, afinal, ficará com os louros e será reconhecido como grande artífice de uma reforma que o país tentava fazer há anos, sem sucesso? Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, não tem dúvidas de que merece o reconhecimento. Mas há outros personagens querendo ver sua parcela de contribuição reconhecida. Paulo Guedes, o ministro da Economia, é um deles. Responsável por estruturar a proposta original levada pelo governo ao Congresso, ele acabou vendo seu papel no processo de aprovação do texto esmaecer à medida que os próprios parlamentares, Maia à frente, foram impondo suas próprias marcas à proposta. O presidente da Câmara aproveitou o vácuo na articulação política deixada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo próprio ministro da Economia e, aos poucos, tentou se firmar como o principal fiador da reforma. As negociações passaram a ser feitas com o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, e com Onyx, que acabou virando uma espécie de garantidor do acordo para a liberação de emendas parlamentares para os deputados que votassem a favor da proposta – o governo, em uma espécie de negação da realidade, jura que isso nada tem a ver com o histórico toma lá dá cá condenado por Bolsonaro.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéPaulo Guedes: rusgas com o presidente da Câmara, de quem era muito próximo até recentemente
Paulo Guedes era informado à distância. O chefe da Economia, que assumidamente não gosta da negociação política, se afastou ainda mais do processo depois que os deputados modificaram o texto original da reforma ao longo da tramitação na comissão especial. A irritação maior dele foi com a retirada do sistema de capitalização, pelo qual cada trabalhador poupa, individualmente, para a própria aposentadoria – atualmente o sistema é solidário, ou seja, quem está na ativa banca o benefício dos aposentados. As críticas de Guedes levaram a uma troca pública de farpas entre o ministro e Maia, antes aliados de primeira hora. Os dois acabaram se afastando. Para Maia, foi um bom negócio. Guardar uma certa distância do ministro era algo importante em sua estratégia de tentar se consolidar como o pai da reforma.

As rusgas se tornariam explícitas no discurso que o presidente da Câmara fez em plenário minutos antes de anunciar o resultado da votação do texto-base. Maia deixou a cadeira de presidente e subiu à tribuna para falar sobre as dificuldades enfrentadas até ali no processo de tramitação da reforma. Não citou Guedes, e ainda deu estocadas no governo, exaltando o papel do Parlamento (e dele próprio). “Nosso papel é recuperar a força do Congresso Nacional, porque estamos fortalecendo a nossa democracia. Não haverá investimento privado se nós não tivermos uma democracia forte. Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as instituições”, disse. Foi homenageado pelos colegas — entre eles, o deputado Delegado Waldir, líder do PSL, partido de Bolsonaro. O próprio presidente, por sinal, havia reconhecido seu empenho. Horas antes, chegou a dizer que Maia era o “general” da reforma.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéBolsonaro não faz questão de faturar a decisão do Congresso, mas pode ser o maior beneficiário político da reforma
No tal discurso em que ignorou Guedes e Bolsonaro, Maia também fez um desagravo ao Centrão — “essa coisa que ninguém sabe o que é, mas é do mal”, disse, ironizando as críticas recorrentes que se faz ao ajuntamento de partidos sabidamente movidos a altas doses de fisiologismo. Fez questão de lembrar que, se não fosse o grupo, o fiel da balança nas votações no Congresso diante da tímida base de apoio ao governo e da falta de votos suficientes da oposição, a reforma não teria saído. Ainda defendeu uma reforma do serviço público. O discurso e a tentativa de se tornar o pai da reforma foram vistos por aliados de Maia e pelo entorno do presidente Jair Bolsonaro como uma tentativa do deputado de se cacifar como possível candidato à Presidência da República em 2022, ou até como vice de uma chapa encabeçada pelo governador de São Paulo, João Doria, do PSDB, ou pelo apresentador Luciano Huck, a quem costuma rasgar elogios. “Com a aprovação da reforma, ele consolida uma imagem de liderança e ocupa um espaço de estadista e de responsabilidade com o país”, diz o líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro, do PP, um dos principais aliados do deputado do DEM do Rio. Ribeiro, aliás, foi escolhido por Maia para relatar a proposta de reforma tributária, a nova prioridade do presidente da Câmara.

Embora Maia tente puxar só para si os louros da reforma, que pode ser impopular mas o cacifa junto ao mercado e aos eleitores mais esclarecidos, ele sabe que o governo e o próprio Bolsonaro poderão ser os maiores beneficiários, na prática. Especialmente pelos resultados econômicos. Ao final da votação, com todas as alterações previstas, a reforma deve gerar uma economia de 744 bilhões de reais em 10 anos, segundo cálculos de um grupo de analistas a serviço do Senado. O montante é menor do que o mágico 1 trilhão de reais projetado inicialmente pela equipe econômica, mas pode ser suficiente para destravar as finanças do governo – e dar fôlego para investimentos capazes de gerar ganhos políticos para o presidente. Depois de concluída a tramitação na Câmara, a reforma ainda precisará passar pelo Senado. O presidente da casa, Davi Alcolumbre, calcula que a tramitação, por lá, vá levar 45 dias. É tempo suficiente para que ele próprio também entre para o disputado consórcio de pais da reforma.

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