Os pais da reforma
Em 30 de junho, a residência oficial do presidente da Câmara, em Brasília, teve movimento atípico para um domingo. Ao longo do dia, Rodrigo Maia recebeu líderes partidários, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e representantes da equipe econômica para definir o futuro da reforma da Previdência, a principal pauta do governo — e do próprio Maia. A proposta havia sido aprovada na comissão especial na quinta-feira anterior. Passados cinco meses desde o início da tramitação, parlamentares ainda resistiam a votar as mudanças nas regras de aposentadoria em plenário. Fiel da balança, o afamado Centrão não confiava muito na promessa do governo de que cumpriria os “compromissos” firmados, especialmente a liberação de emendas e recursos extra orçamentários para suas bases eleitorais. Foi aí que o presidente da Câmara levou a Onyx uma espécie de ultimato: ou o governo começava a atender os pedidos dos deputados ou a reforma simplesmente não seria votada.
O turning point veio na segunda-feira, 8, quando deputados começaram a ser informados sobre o empenho de emendas e o Diário Oficial da União trouxe a liberação das tais verbas extras. Na área da saúde, logo no início da semana, em um só dia o governo liberou quase 1 bilhão de reais. Em emendas, nada menos que 2,6 bilhões de reais foram empenhados nos nove primeiros dias do mês. É o quarto maior repasse mensal desde 2016, de acordo com balanço da ONG Contas Abertas. A liberação seguiu nos dias seguintes, aumentando a disposição de parlamentares do Centrão e de outros partidos da base para votar a proposta. Maia, então, passou a se concentrar na negociação de pontos do texto que ainda emperravam a aprovação da proposta. O impasse estava nas regras de aposentadoria de policiais, professores e das mulheres. O presidente da Câmara sabia que era preciso aproveitar a onda favorável e levar o texto a votação antes do recesso de julho.
O sucesso na primeira rodada de votação no plenário trouxe consigo, nos bastidores, uma disputa silenciosa, típica desses momentos em que o Congresso aprova medidas de impacto: quem, afinal, ficará com os louros e será reconhecido como grande artífice de uma reforma que o país tentava fazer há anos, sem sucesso? Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, não tem dúvidas de que merece o reconhecimento. Mas há outros personagens querendo ver sua parcela de contribuição reconhecida. Paulo Guedes, o ministro da Economia, é um deles. Responsável por estruturar a proposta original levada pelo governo ao Congresso, ele acabou vendo seu papel no processo de aprovação do texto esmaecer à medida que os próprios parlamentares, Maia à frente, foram impondo suas próprias marcas à proposta. O presidente da Câmara aproveitou o vácuo na articulação política deixada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo próprio ministro da Economia e, aos poucos, tentou se firmar como o principal fiador da reforma. As negociações passaram a ser feitas com o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, e com Onyx, que acabou virando uma espécie de garantidor do acordo para a liberação de emendas parlamentares para os deputados que votassem a favor da proposta – o governo, em uma espécie de negação da realidade, jura que isso nada tem a ver com o histórico toma lá dá cá condenado por Bolsonaro.
As rusgas se tornariam explícitas no discurso que o presidente da Câmara fez em plenário minutos antes de anunciar o resultado da votação do texto-base. Maia deixou a cadeira de presidente e subiu à tribuna para falar sobre as dificuldades enfrentadas até ali no processo de tramitação da reforma. Não citou Guedes, e ainda deu estocadas no governo, exaltando o papel do Parlamento (e dele próprio). “Nosso papel é recuperar a força do Congresso Nacional, porque estamos fortalecendo a nossa democracia. Não haverá investimento privado se nós não tivermos uma democracia forte. Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as instituições”, disse. Foi homenageado pelos colegas — entre eles, o deputado Delegado Waldir, líder do PSL, partido de Bolsonaro. O próprio presidente, por sinal, havia reconhecido seu empenho. Horas antes, chegou a dizer que Maia era o “general” da reforma.
Embora Maia tente puxar só para si os louros da reforma, que pode ser impopular mas o cacifa junto ao mercado e aos eleitores mais esclarecidos, ele sabe que o governo e o próprio Bolsonaro poderão ser os maiores beneficiários, na prática. Especialmente pelos resultados econômicos. Ao final da votação, com todas as alterações previstas, a reforma deve gerar uma economia de 744 bilhões de reais em 10 anos, segundo cálculos de um grupo de analistas a serviço do Senado. O montante é menor do que o mágico 1 trilhão de reais projetado inicialmente pela equipe econômica, mas pode ser suficiente para destravar as finanças do governo – e dar fôlego para investimentos capazes de gerar ganhos políticos para o presidente. Depois de concluída a tramitação na Câmara, a reforma ainda precisará passar pelo Senado. O presidente da casa, Davi Alcolumbre, calcula que a tramitação, por lá, vá levar 45 dias. É tempo suficiente para que ele próprio também entre para o disputado consórcio de pais da reforma.
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