Suamy Beydoun/Agif/FolhapressO ministro Ramos: parlamentares sustentam que ele foi quem ofereceu a verba

A guerra da comunicação

A ala ideológica do governo inicia uma nova batalha pelo controle das estratégias e das verbas de publicidade do Planalto
26.07.19

O novo ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, chegou a Brasília com sua mudança no último sábado, 20, após uma longa viagem de mais de mil quilômetros, de carro, entre a casa onde morava, em um quartel de São Paulo, e seu novo apartamento funcional, na Asa Sul da capital federal. Aproveitou o domingo com a família e na segunda, logo pela manhã,  baixou no Palácio do Planalto para a primeira grande missão de seu mandato: debelar mais uma crise na comunicação do governo. Na sexta-feira anterior, o presidente Jair Bolsonaro recebera jornalistas estrangeiros para um café da manhã e, em menos de duas horas de conversa, disse que a fome no Brasil é uma “grande mentira” e deixou escapar que, dos governadores de “paraíba”, em referência mal calculada ao Nordeste, não gostava especialmente do maranhense Flávio Dino, para o qual o governo federal não deveria liberar recursos. Também atacou a jornalista Miriam Leitão, retorcendo a história ao dizer que ela mente ao contar que foi torturada durante os anos de chumbo.

Pegou muito mal. As declarações provocaram uma saraivada de críticas a Bolsonaro. Ante a repercussão negativa, Carlos, seu filho 02, foi às redes sociais para atacar de forma indireta o porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros. “Por que o presidente insiste no tal café da manhã semanal com ‘jornalistas’? Absolutamente tudo que diz é tirado do contexto para prejudicá-lo. Sei exatamente o que acontece e por quem, mas não posso falar nada porque senão é ‘fogo amigo’. Então tá, né?! O sistema não parará!”, postou Carlos nas redes sociais. No dia seguinte, o deputado federal Marco Feliciano, próximo do filho 02 de Bolsonaro, nominou o alvo: chamou Rêgo Barros de “incompetente”, “mal-intencionado” e “usurpador”.

Estava aberta, assim, mais uma batalha na guerra entre a chamada ala ideológica do governo, liderada pelo escritor Olavo de Carvalho, com os militares – a mesma guerra que já alvejou o antecessor de Luiz Eduardo Ramos no posto, o também general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Desta vez, a bronca, no atacado, é com o protagonismo de Rêgo Barros no Palácio do Planalto e, no varejo, com o fato de ser ele o idealizador dos cafés da manhã de Bolsonaro com os jornalistas, que quase sempre têm acabado com danos à imagem do presidente. Alinhado às críticas de Carlos ao porta-voz, o secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, tenta diminuir o poder do general. Para começar, quer demover o presidente dos encontros. Para os críticos de Rêgo Barros, os cafés só comprovam a tese que sustentam desde o início do governo: a de que os militares querem expor o presidente para enfraquecê-lo, derrubá-lo e permitir que o vice, general Hamilton Mourão, assuma o poder. Os militares, claro, rechaçam veementemente essa leitura.

Marcos Oliveira/Agência SenadoMarcos Oliveira/Agência SenadoWajngarten, o chefe da Secom: para Olavo de Carvalho, ele é um gênio
Ramos, o general amigo de Bolsonaro a quem a comunicação do governo está subordinada (tanto o porta-voz quanto a secretaria de Wajngarten estão sob a estrutura da Secretaria de Governo), chegou ao posto com a obrigação de arbitrar a nova batalha. E logo descobriu que o problema é muito maior do que imaginava. As reclamações de Wajngarten e de toda a ala ideológica palaciana contra Rêgo Barros não se limitavam aos cafés da manhã, mas também à estrutura paralela de comunicação que, consideram, foi montada pelo general e estaria funcionando à revelia da própria Secom. Em suma, entendem que o porta-voz extrapola as suas funções. Até mesmo a possibilidade de tirar Rêgo Barros do cargo de porta-voz foi aventada – a ideia era reposicioná-lo na estrutura palaciana. O objetivo, ainda não alcançado, é enquadrá-lo. O porta-voz resiste como pode. Em uma conversa com Ramos, o novo chefe, ele disse que não se submeteria a Wajngarten. Sob ataque, Rêgo Barros ainda conseguiu mobilizar o próprio presidente a seu favor: Bolsonaro chegou a declarar publicamente que os cafés da manhã com jornalistas vão continuar a ocorrer.

A declaração do presidente pode ser uma pequena vitória no front, mas está longe de representar garantia de sucesso na batalha – menos ainda na guerra. Da última vez em que a ala ideológica avançou sobre um general, Santos Cruz, ele acabou demitido por Bolsonaro após um longo processo de fritura em praça pública. À diferença de Rêgo Barros, Santos Cruz tinha status de ministro de estado e gozava de uma amizade de três décadas com o presidente. Mas nem isso foi suficiente para segurá-lo. Wajngarten foi decisivo no episódio. Como Crusoé revelou, foi ele quem levou a Jair Bolsonaro a tela de uma suposta troca de mensagens de WhatsApp em que o militar criticava o presidente. Santos Cruz diz que o diálogo foi falsificado. O estrago, porém, foi feito.

Agora, o entorno do secretário Wajngarten garante que a ideia não é que Rêgo Barros tenha o mesmo fim que Santos Cruz. A intenção é apenas fazer com que ele se submeta às diretrizes de comunicação da Secom. Ramos é considerado peça-chave nessa operação. “Para não ter crise, depende do Ramos”, diz uma fonte. O novo ministro, de perfil conciliador, já recebeu do próprio Bolsonaro uma ordem para pôr fim à guerra na comunicação. Na cena ainda nebulosa, todos os lados tentam se posicionar estrategicamente.

Alan Santos/PRAlan Santos/PRRêgo Barros, o porta-voz: atacado pela ala ideológica
Wajngarten sabe que o apoio de Ramos é fundamental para que ele consiga ocupar definitivamente todas as estruturas de comunicação do governo e busca aproximar-se do novo ministro. Levou-o, por exemplo, ao SBT para conhecer Silvio Santos. Intermediou também um almoço dele com o Grupo de Líderes Empresariais, o Lide, o influente grupo de empresários sediado em São Paulo e fundado pelo governador João Doria. Ramos, por sua vez, sabe da relevância que Wajngarten ganhou desde que foi escolhido por Bolsonaro para o cargo. Oriundo da comunidade judaica paulistana, o secretário conheceu o presidente há dois anos em um jantar. Deu liga. A relação se estreitou após a facada que o então candidato levou durante a campanha eleitoral. O pai de Wajngarten é médico do hospital Albert Einstein, onde Bolsonaro foi operado. Foi o secretário quem intermediou a transferência de Juiz de Fora para São Paulo e a internação. No Planalto, ele chegou com a missão de azeitar as relações do governo especialmente com os grandes canais de televisão.

É na relação com as TVs, aliás, que está o maior ativo de Wajngarten na área de comunicação. Sua missão principal no palácio passa longe da tarefa de atender jornalistas. Ele tem procurado, cada vez mais, estreitar as relações do governo com emissoras, em especial aquelas que são vistas com mais simpatia pelo Planalto. Foi um dos fundadores do Controle de Concorrência, que faz a intermediação de interesses de agências de publicidade com os canais, principalmente os concorrentes da Rede Globo. É um crítico contumaz da forma como o grupo da família Marinho atua no mercado — outro ponto de divergência com os militares, que preferem não discriminar a emissora. “A gente tem uma emissora líder com 35% da audiência para um total investido nela entre 80% e 85% (dos recursos financeiros). É um ecossistema que o mercado precisa repactuar”, disse, em rara fala pública durante uma audiência em maio, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Dos 22 encontros registrados na agenda oficial de Wajngarten com representantes das principais TVs, 20 foram com Record, SBT, Band e RedeTV. Na maior parte das conversas, ele falou em aproximá-las do governo. O secretário também tem sinalizado que pretende rever o modelo de distribuição das verbas de publicidade. Um de seus planos é a criação de uma “central de mídia”, pela qual a gestão de todas as verbas publicitárias federais, incluindo as das estatais, seria unificada para dar à Secom mais condições de negociar descontos. Isso, diz, garantiria uma economia de algo em torno de 400 milhões de reais, que poderiam ser redistribuídos. A despeito das ressalvas que faz à Globo – no fim de semana, ele torpedeou a emissora nas redes sociais –, na última terça-feira o secretário almoçou no Rio de Janeiro com João Roberto Marinho para “reconstruir pontes”. Não significa muito, porém. Wajngarten goza de prestígio na ala ideológica do governo justamente por sua postura, digamos, anti-Globo. É o que faz ele ser querido, por exemplo, por Olavo de Carvalho, guru da turma e autor dos mais ferozes ataques aos generais do governo. “O Olavo acha o Fabio um gênio”, diz o deputado Pastor Marco Feliciano, amigo de Wajngarten e franco-atirador na campanha para diminuir o poder dos militares na comunicação palaciana. A guerra, tudo indica, ainda levará tempo para terminar. Se é que terminará.

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