RuyGoiaba

Seu otimismo me enoja

26.07.19

Acordei meio Schopenhauer hoje, bem pessimistão – como na letra do Ira Gershwin para Isn’t It a Pity?, música do irmão George, my nights were sour, spent with Schopenhauer. Saí à rua e lembrei que minha casa estava cercada de Brasil por todos os lados, o que só piorou as coisas. E, como é chato se aborrecer sozinho, decidi irritar vocês também escrevendo sobre o pessimismo (única atitude possível, a não ser que se esteja mal informado).

Pensei na Eneida: no comecinho da obra, Eneias e sua turma estão na pior. O herói levou uma surra dos gregos na Guerra de Troia, vagou por aí durante sete anos e sobreviveu à destruição da sua frota por uma tempestade. É o momento em que ele, otimista incorrigível, vira-se para seus seguidores e diz “talvez um dia vocês gostem de se lembrar até disto” (forsan et haec olim meminisse juvabit). A essa altura, eu, vocês e qualquer estudante de latim que tenha sido obrigado a atravessar a Eneida gostaríamos de mandar Eneias tomar banho na soda – mas todos sabemos que Virgílio, o autor do poema épico sobre a fundação mítica de Roma, tinha em mente a cidade triunfante do futuro, na qual ele vivia.

O que seria o equivalente brasileiro disso? Talvez Martinho da Vila e seu “canta, canta, minha gente, deixa a tristeza pra lá/ canta alto, canta forte, que a vida vai melhorar”. Mas você, brasileirinho teimoso, sabe que NÃO vai, a não ser por algum acidente de percurso, e que continuaremos sendo passageiros deste ônibus circular entre barbárie e decadência que não passa nunca pela civilização. Ser pessimista no Brasil é sempre apostar no cavalo certo: aquele que vai refugar como Baloubet du Rouet, deixar um montinho de cocô no chão, trotar resolutamente na direção do abismo. “Nóis kapota, mais num breka.”

(Outro dia, um amigo e colega de profissão me disse que o único modo de dar um reset no Bananão era o Deus do Velho Testamento voltar a se manifestar e lançar a sua ira divina sobre o Brasil. Eu respondi algo como “considere a hipótese de ele JÁ ESTAR fazendo isso nos últimos anos”.)

Não há muito o que fazer, a não ser torcer para que o apocalipse chegue logo e seja relativamente indolor. Falando em fim do mundo, uma das charges mais profundamente brasileiras que vi nos últimos anos foi publicada em 2016 por uma americana, a cartunista Hilary B. Price. Dois profetas, de túnica e barba, seguram tabuletas. A do primeiro diz “O fim está próximo”; a do segundo, “Isto não vai acabar nunca”. E o Profeta 2 diz ao Profeta 1: “Seu otimismo me enoja”.

Mais brasileira que isso, só a charge recente do brasileiro Pietro Soldi, que mostra um casal diante de um jumento com uma venda nos olhos. O homem diz à mulher: “Veja, querida, o jumento vendado vai nos servir um café”. É óbvio que o jumento zurra, dá um coice na mesa do café e derruba tudo. O homem, então, vira-se para a mulher e fala: “Aposto que você torceu contra, né, Alice?”.

No Brasil, otimismo é basicamente acreditar que o jumento vendado vai servir o café. Fiquem à vontade para crer nisso – mas cuidado com o coice.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Tenho a impressão de que a maior merecedora do prêmio nos últimos dias é a turma do site do Verdevaldo que disse ter recebido de um whistleblower as mensagens roubadas da Lava Jato – ou seja, de alguém de dentro da operação, descontente com os rumos dela; talvez um novo Edward Snowden, charmosamente exilado na Rússia do grande democrata Putin. Aí a PF vai investigar e descobre que o líder dos hackers é um estelionatário pé-de-chinelo de Araraquara. O Brasil esculhamba tudo mesmo: aqui o único whistleblower que funciona é o soprador de apito literal da escola de samba, e olhe lá.

Aliás, “spoofing” — nome da operação da PF que prendeu os hackers — parece alguma prática sexual heterodoxa. Pensando bem, talvez seja.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisEdward Snowden, soprador de apito e versão gringa do hacker de Araraquara

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