RuyGoiaba

Me tira o tubo!

16.08.19

Certa vez, escrevendo sobre o governo de Silvio Berlusconi e suas festas “bunga-bunga”, o psicanalista Contardo Calligaris disse que comédia só é engraçada se você assiste a ela de uma certa distância — não se você mora, trabalha, paga seus impostos etc. dentro dela. É só imaginar uma claque gargalhando a cada vez que você se estabaca (Mel Brooks: “tragédia é quando corto meu dedo, comédia é quando você cai no bueiro e morre”).

O fato é que nós, brasileiros, somos os infelizes habitantes de um esquete de comédia no qual, em vez de cesta básica, todo mundo tem direito ao seu quinhão diário de torta na cara. Houve um tempo em que acreditei que morássemos no A Praça É Nossa — alguém já disse, em algum canto da internet, que o humor da “Praça” consegue ser atualíssimo fazendo as mesmas piadas ruins que fazia há 60 anos, desde que o pai do Cazalbé de Nóbrega se sentava naquele banco. (Claro: foi o país que andou para trás.)

Depois me toquei que, na verdade, nós estamos dentro de um quadro do Jô Soares do meio da década de 80. É aquele do general que sofre um acidente na posse do Figueiredo, fica em coma e só acorda seis anos depois — ainda no hospital, ligado a tubos e sondas. Quando explicam a ele que o Brasil passara a ser governado por um civil e que esse civil era o Sarney, o milico (interpretado por Jô com sotaque gaúcho) reage com um “me tira o tubo!”.

Nada é mais fácil de adaptar. E nem são necessários seis anos de coma, não, bastam cinco: a pessoa apaga em agosto de 2014 e acorda agora. Contam a ela que o presidente dos EUA é aquele bilionário alaranjado que dizia “you’re fired!” em O Aprendiz, que o do Brasil é aquele gênio que aparecia no programa da Luciana Gimenez e que Alexandre Frota, DAQUELES filmes da Brasileirinhas, é deputado federal — e está prestes a entrar no PSDB, que talvez passe a ser o Partido da Suruba Desenfreada do Brasil. O que alguém, de posse dessas informações e em seu juízo perfeito, poderia dizer senão “me tira o tubo!”?

A vida não imita a arte, imita um quadro meia-boca de programa humorístico velho. Isso quando não imita algum filme do Tarantino — sem a trilha sonora.

***

Deixei de fora do novo “me tira o tubo!” acontecimentos como a prisão de Sua Lulidade e o impeachment de Dilmãe de propósito — acho que eles ficariam melhor numa versão brasileira de Adeus, Lênin!, aquele filme em que uma militante acorda do coma depois da queda do Muro de Berlim e o filho faz de tudo para esconder dela que a Alemanha Oriental desmoronou.

O problema com o “Adeus, Lula!” é que os petistas nunca precisaram de ninguém tentando esconder ativamente a realidade: eles já vivem num mundo em que, nos governos do PT, ninguém passa fome, o filho do pobre vai de avião para a universidade e quem ganha 300 reais por mês — possivelmente incluindo os sem-teto que pedem troco no sinal — é “nova classe média”.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O glorioso Luciano Bivar, presidente do PSL, conseguiu produzir um samba do bolsonarista doido ao tentar justificar a indicação de Eduardo Bolsonaro, o 03, para a embaixada do Brasil em Washington: “A relação de embaixador é uma relação muito de confiança e apreço. Passando isso para a Idade Média, geralmente os reis entregavam suas filhas, seus filhos. Catarina de Aragão era filha do rei Filipe, foi casada com Henrique 8º para fazer uma aproximação entre Espanha e Inglaterra”, explicou o nosso erudito.

Nem é preciso lembrar que os dois reis são da Idade Moderna e que o casamento de Catarina, a primeira mulher de Henrique 8º, foi um desastre. Talvez Jair Bolsonaro até tenha gostado de ser comparado à Idade Média assim, na cara — mas tenho dúvidas se o 03 curtiu esse papel de princesa.

Mateus Bonomi/Agif/FolhapressMateus Bonomi/Agif/FolhapressBivar, deputado e especialista em comparações históricas

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO