"Nesses primeiros dois meses, meu computador foi invadido quatro vezes. Minha sala foi grampeada"

O ministro brigão

Abraham Weintraub diz que o MEC é até hoje um centro ideológico da oposição. Ele afirma que foi grampeado dentro do gabinete e que ganhou uma cusparada na cara em seu primeiro dia de trabalho
16.08.19

O paulistano Abraham Weintraub é um dos ministros mais polêmicos de Jair Bolsonaro. Desde que assumiu a Educação, no dia 8 de abril, protagonizou episódios inusitados. Gravou um vídeo em que, segurando um guarda-chuva como Gene Kelly em Cantando na Chuva, dizia estar chovendo fake news em Brasília. Apareceu tocando gaita no térreo do prédio que abriga seu gabinete, na Esplanada dos Ministérios. E, em poucos meses, soltou frases polêmicas – muitas frases polêmicas. Em uma das mais célebres, afirmou que universidades que promovem “balbúrdia” terão recursos cortados. Há poucas semanas, ele teve problemas com manifestantes durante as férias com a família em Alter do Chão, no Pará. Cercado, não hesitou em tomar o microfone para confrontá-los. O vídeo viralizou na internet.

Nesta entrevista a Crusoé, concedida há duas semanas em Brasília, Weintraub diz que uma das principais diferenças do governo de Jair Bolsonaro em relação aos demais é que, pela primeira vez, chegou ao poder um grupo que responde à altura os ataques da esquerda. Weintraub aderiu ao projeto bolsonarista ainda em 2017. Foi um dos coordenadores do programa de governo e, depois, ajudou a chefiar a equipe de transição. Em janeiro, tornou-se secretário-executivo da Casa Civil. Deixou o posto para substituir Ricardo Vélez no Ministério da Educação. Na função atual, vive às voltas com remanescentes da era petista. Ele afirma que o MEC é até hoje um centro ideológico da oposição, diz que tomou uma cusparada no rosto em seu primeiro dias de trabalho e revela que teve de desbaratar um esquema montado para espioná-lo dentro do gabinete. Eis os principais trechos da entrevista.

Como foi sua chegada ao MEC?
No meu primeiro dia, cheguei lá embaixo e juntou um monte de funcionários do MEC para me cumprimentar. Lá pelas tantas, me deram uma cusparada na orelha. Cusparada, não. Era ranho mesmo. Esse era o ambiente. Cheguei aqui, entrei na sala, o cara me serviu café. Um cara mal-encarado. Pensei: “Quem é esse cara?”. Mandei checar. Era líder da Juventude do PSOL no Distrito Federal. Serviu café para o (ex-ministro Ricardo) Vélez durante 100 dias. Além disso, nesses primeiros dois meses, meu computador foi invadido quatro vezes. Minha sala foi grampeada. Na primeira semana, uma conversa minha com o (Carlos) Nadalim (secretário de Alfabetização) foi inteiramente gravada.

O sr. atribui todas essas invasões e vazamentos a servidores do MEC?
Não são servidores do MEC. Muitos são terceirizados. A verdade é que o Brasil está sendo governado pelo PT há 16 anos e antes disso era pelo PSDB, Fernando Henrique Cardoso. Não é um cara de centro. Ele mesmo vai falar: “Sou de centro-esquerda”. E aqui no MEC é o centro ideológico disso. Talvez aqui e a Cultura (que no governo Bolsonaro virou uma secretaria).

Centro ideológico do quê?
O centro ideológico desse movimento. Não tem como negar isso. Mas tem também muito funcionário de carreira que está aqui fazendo o trabalho normalmente. Mas tem muita gente que foi….

O sr. descobriu quem invadiu seu computador?
A gente vai cercando, né? A gente vai cercando.

Mas descobriu?
Estou aqui conversando no meu gabinete e tal, 15 minutos depois a conversa vazou. Já peguei o cara e mandei embora na hora. Outro falou, eu mando embora de novo. Vocês têm que entender de onde eu vim. A minha vivência é em banco e mercado de capitais. Em operações de mercado de capitais, você não vaza informação. Não se vaza nada. Então a gente tem formas de descobrir quem vaza. Não é com tecnologia, é com técnica. Você vai passando as informações e vai mudando. Daí vazou, você descobre quem é. Chega na pessoa.

E como está agora? Já conseguiu afastar os tais espiões?
Aqui no meu gabinete, sim: 100%. No andar, também já estou seguro. No prédio, me sinto bem seguro, mas ainda não estou 100%. O MEC é um mundo. São mil pessoas no prédio e 300 mil funcionários no país. É um colosso.

O sr. encontrou muitos problemas deixados por seu antecessor, Ricardo Vélez?
O Vélez é uma pessoa muito afável, muito tranquila. É um acadêmico. Não que eu não seja. Sou um professor federal concursado, mas essa minha entrada na vida acadêmica é mais recente. A minha vida era muito mais dura, de mercado, de reunião, de conflito. Ele (Vélez) foi engolido. Volto ao primeiro exemplo que dei. Sendo um ministro do governo de Jair Bolsonaro, você beberia o café e água servidos pelo cara da liderança da juventude psolista do Distrito Federal? Qual é a chance de a água ter sido zoada?

O sr. vive uma guerra ideológica?
Não. Acho que o país está dividido de uma forma como poucas vezes esteve, ideologicamente falando. Há um grupo que não aceita o resultado das eleições, que não está aberto ao diálogo. Está aberto apenas se você falar: sim, vocês estão certos, e nós nos rendemos. Era isso o que o PSDB fazia. Mas vamos conversar, vamos sentar para negociar? Traz os números para me mostrar, abre a tela. Tem muita gente que vem e mostra, muitos reitores estão vindo e mostrando, mas tem alguns que se recusam. Então, não é guerra. Mas há um cenário de não aceitação do resultado da eleição. Tanto que o nome disso é resistência, e eles falam abertamente: estamos na resistência.

E o que o sr. pensa dessa “resistência”?
Eu aceito. Enquanto não houver violência física, acho que estão no direito democrático de fazer um movimento que, particularmente, acho que é equivocado. É como esses jornais mais engajados, que mentem, que difamam. Eles estão no direito de mentir e difamar. Eu estou no meu direito de pedir direito de resposta e falar que eles são mentirosos. Isso é democracia. Eu vejo da seguinte forma: havia uma alternativa, entre aspas, ao poder, que era o PSDB. E o PSDB não é uma oposição ao PT. É muito mais uma transição ao PT. Hoje há uma oposição de fato (ao PT). São duas visões antagônicas do que a gente quer para o futuro do Brasil. Uma é totalitária, a favor do coletivismo, isto é, os interesses coletivos são mais importantes do que as liberdades individuais e das famílias. E, do outro lado, existem as liberdades individuais e das famílias. Existe a soberania nacional. De um lado, você ainda tem aquela visão do bom selvagem, a de que o ser humano é bom na sua essência e é essa sociedade capitalista malvadona que faz ele se comportar mal. No outro, não: existem pessoas com coisas boas e ruins dentro delas e a gente tem que conduzir essa realidade do ser humano, dando liberdade para cada um fazer as suas escolhas para elas tentarem ser felizes.

“O MEC é o centro ideológico disso (da esquerda). Talvez aqui e a Cultura”
O sr. parece descrever um cenário de guerra.
Não. Quando a gente prega a morte de alguém, aí você está indo para a guerra. Da nossa parte, que eu saiba, nunca houve desejo que as pessoas da esquerda fossem mortas. Que eu saiba, não há. Do lado de cá, em momento algum se diz que tem que exterminar, tem que matar, tem que destruir. Nunca vi, por exemplo, alguém do PT sentado no restaurante com filho pequeno ser agredido por um grupo organizado que bolou um ato três dias antes, com dinheiro pago por uma fundação, planejou e foi executar do jeito que sofri. Nunca ouvi falar.

Mas o próprio governo tensiona também, não?
Ideologicamente, acho que a gente responde, pela primeira vez, à altura. Quando a gente escuta que o (líder da Revolução Cubana) Che Guevara é bacana, pela primeira vez a gente responde: olha, o Che Guevara era um racista. Matou uma criança de 10 anos. A história é horrorosa. O Che Guevara botava as pessoas que iam ser decapitadas em gaiolas, né? Pela primeira vez há um grupo que fala na lata: o Che Guevara é um assassino. Há feministas que não falam nada que tem 300 milhões de mulheres em países árabes tratados como aliados que têm a genitália mutilada por razões, sei lá, bárbaras. Essas feministas são incapazes de falar contra mutilação de genitália feminina. Ou contra a lapidação, que é o apedrejamento de mulher por adultério. Quando falamos uma coisa dessas, eles espanam. Aí se insere até o que houve em Alter do Chão (refere-se à discussão com manifestantes que o cercaram enquanto jantava com a família em um restaurante do balneário paraense, durante suas férias).

Por quê?
Foram muito sacanas. Pegaram o microfone do músico e começaram a me xingar. Daí me cercaram e começaram a filmar. Quando eles começaram a filmar, já tinham parado de me xingar no microfone. Daí eu saio, pego o microfone e começo a conversar. Eles estavam preparados para dois cenários. Que eu saísse de lá com o rabo entre as pernas, como os tucanos faziam. Ou como um bárbaro, dando uma bica na mesa e indo para a frente deles. Tinha uns quatro caras que dava para ver que eram violentos.

Eles se apresentavam como indígenas protestando contra medidas do governo.
Nada. Tudo vagabundo com o cocar de plástico na cabeça. Cara normal. Todo mundo ali era gente normal. Não tinha ninguém que come tapioca no café, almoço e jantar e vive no cafundó do Judas. Tudo habitante de cidade. E aí o que aconteceu? Os quatro caras mais violentos estavam preparados para os dois cenários. Mas não estavam preparados para que eu fosse conversar. E, na hora que eu comecei a falar “E aí, o que eu fiz de errado? Fala para mim, o que eu tenho?”, isso os deixou transtornados. Eles começaram a gritar, xingar e a me ameaçar fisicamente. A população local e os turistas vieram me defender. A dona do restaurante estava sentada numa praça, saiu lá de dentro para me defender. E depois teve tudo pichado.

O sr. identificou a origem da manifestação?
É dinheiro da Fundação Ford. A família Ford tem interesse na região. A Fordlândia (uma referência o projeto que Henry Ford tentou implementar na Amazônia) está lá há mais de 100 anos.

O sr. falou que tem mira laser na sua cabeça. Por quê? 
Tem um monte. Estou com 58 processos. Teve um lá que são sete promotores do Rio Grande do Norte que estão me processando. Pedem 5 milhões de reais por dano moral aos alunos de lá porque eu falei “balbúrdia” (o ministro disse em uma entrevista que havia muita balbúrdia nas universidades federais).

O que o sr. tem a apresentar até agora em resultados?
A gente já soltou muita coisa. Mandamos para o Congresso a proposta do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que é muito boa. Aumenta e distribui melhor o recurso, não estoura a responsabilidade fiscal, coloca critérios de desempenho. Tem a Política Nacional de Alfabetização, que já tem 100 dias que a gente mandou. E o programa que o Jânio (Carlos Macedo, secretário de Educação Básica) apresentou, que é para educação fundamental. Se você notar, os parlamentares mais próximos da educação que no começo falaram para eu mostrar as propostas agora estão quietos. As críticas de que a gente não tem proposta nenhuma sumiram.

A deputada Tabata Amaral, por exemplo, continua a criticá-lo.
Não queria falar dela, porque a vejo não como uma agente final, mas como um veículo das pessoas que a criaram. Então, não queria polemizar com a Tabata. Acho que vocês têm que trazer para a sociedade que existem, assim como a Fundação Ford, outras fundações que foram criadas no Brasil, nos últimos anos, com estratégias de médio e longo prazo, para chegar ao poder e fazer com que o estado vá na direção dos seus interesses. A Tabata é uma de cinco parlamentares que estão lá (para defender esses interesses).

Como o sr. define a direita brasileira que chegou ao poder com a eleição de Jair Bolsonaro? 
Não houve ainda uma leitura adequada sobre ela. Existe uma linha, uma espinha dorsal ideológica muito mais sólida do que aquela que o pessoal tenta o tempo todo desmerecer. Por exemplo, se você for pelos grandes veículos de comunicação, o que passam da minha imagem? Que sou um burro. É a primeira vez na vida que estou sendo chamado de burro, despreparado e louco. A minha vida toda é o oposto disso. Sou formado pelas melhores faculdades do Brasil e do exterior, tenho MBA internacional, que é reconhecido em cinco universidades tops. Fui o melhor aluno do MBA. Tenho uma vida de sucesso profissional forte — senão, nem teria recursos para estar aqui. Tenho uma vida estável, casado com minha esposa há muito tempo, filhos pequenos. As minhas relações pessoais e profissionais são de longo prazo. O que ocorre comigo também ocorre com esse movimento de direita que chegou ao poder. O tempo inteiro tentam desqualificar. Essa desqualificação acaba fazendo com que as pessoas não percebam a solidez do movimento. Pela primeira vez no Brasil, tem um movimento de direita com uma linha ideológica.

“O Carlos, dos três (filhos do presidente), é o mais sensível. Ele é muito sensível, por isso ele tem essa habilidade com comunicação nas redes. Ele se magoa muito”
O próprio presidente por vezes mostra que não se preparou muito para o cargo.
O presidente se preparou. E ele fala: comecei a minha jornada muito antes. O presidente Jair Bolsonaro tem um papel muito importante: ele é uma bandeira. Quando a gente olha esse movimento conservador liberal, existem vários grupos. O pessoal vai dar risada (pega chocolates sob sua mesa para explicar): tem o grupo monarquista, mas é um movimento importante. Existe o pessoal ligado à área militar e policial, que é importante. Existe o movimento ruralista, existe o movimento evangélico. E existem os liberais não alinhados ao PSDB, esse liberal “fronhonhoen”, especial, que gosta de tomar vinho cabernet sauvignon. Eu também gosto de tomar vinho, mas não fico cheirando rolha. Esses liberais também estão aqui. Então tem vários grupos e o presidente Jair Bolsonaro conseguiu ser a bandeira que amalgamou todos eles.

Os grupos não conflitam muito?
Olha, quando cheguei aqui no MEC, estava tendo briga interna. Quem brigou internamente, eu raquetei. E fui respeitado por todos os grupos por ter feito isso. Por quê? Porque não se pode brigar internamente por razões pessoais. Tem um propósito maior que é colocar o país de volta nos eixos. E não é por razões pessoais, interesses particulares ou falta de controle emocional que você pode pôr tudo a perder.

Entre os vários grupos que apoiam Bolsonaro, o sr. se considera parte de qual?
Então, essa é uma das vantagens… Se você notar, eu, meu irmão (Arthur Weintraub, assessor especial da Casa Civil), o (ministro da Casa Civil) Onyx (Lorenzoni), a gente é aceito em todos os grupos. A gente transita bem do liberal ao evangélico. Do militar à bancada da bala, ao ruralista, ao monarquista.

O que pensa de Carlos Bolsonaro?
Gosto do Carlos. Acho o Carlos brilhante. O Carlos não atrapalha. Qual o problema? Os filhos viram o pai ser esfaqueado. Esse cara não tem um minuto de paz na vida dele. O Carlos, dos três, é o mais sensível. Ele é muito sensível, por isso ele tem essa habilidade com comunicação nas redes. Ele se magoa muito. Aquilo que ele foi lá para defender o pai (refere-se à posse, quando Carlos sentou atrás do pai no carro presidencial) é verdade. Ele fisicamente levaria uma bala pelo pai. O que procuro ver é o saldo. Se você não tiver nenhum defeito que te inviabilize, como ser ladrão por exemplo, eventualmente vai cometer erros. O saldo do Carlos é amplamente positivo. O saldo do Flávio e do Eduardo também. O Eduardo é um político com futuro brilhante.

Não há muita interferência dos filhos no governo?
Vocês precisam entender que não haveria um movimento sem o presidente Jair Bolsonaro e os três filhos. Os filhos tiveram um papel fundamental. Até fisicamente, na proteção física do pai. Há ameaças o tempo inteiro.

O sr. se considera integrante da chamada ala ideológica?
Como assim? Todos eles têm ideologias. O presidente Jair Bolsonaro é o ponto comum. Mas todo mundo é ideológico. Vai falar que o movimento evangélico não é ideológico? Eles têm uma ideologia muito clara: resgatar os valores judaico-cristãos. Vai falar que o Paulo Guedes não é da área ideológica? Lógico que é. Ele defende o liberalismo na medula.

O que o senhor acha do Olavo de Carvalho?
Acho o Olavo de Carvalho um homem brilhante. Ponto.

Por quê?
O Olavo de Carvalho acertou muito. Demais. Em tudo. Ele foi o cara que conseguiu ler todo o movimento de esquerda, descrever e traçar uma estratégia de enfrentamento (contra a esquerda) que, hoje, se você pegar os movimentos americanos (de direita), eles não conseguem ter o resultado que a gente aqui no Brasil tem. Ele inventou uma coisa nova, sem ser um movimento totalitário. Nós não somos um movimento totalitário. Então, quando você pega movimentos ditos de direita na Europa, onde você tem o flerte com movimentos supremacistas brancos, aqui não existe isso. Aqui é um movimento conservador liberal na essência. Ele (Olavo) desenvolveu primeiro a leitura perfeita e, segundo, a estratégia de enfrentamento, que dá certo. Acho o Olavo brilhante. É a pessoa perfeita e nunca diz uma bobagem. Ele é santo? Não, lógico que não. Ele está cheio de defeitos.

Mais ajuda ou mais atrapalha?
Mais ajuda. Ele nunca esteve no governo. O papel dele é ser um pensador. Ele é a espinha dorsal, filosófica, do movimento liberal conservador. O Paulo Guedes é a espinha dorsal econômica do pensamento liberal conservador. A junção do Olavo de Carvalho com o Paulo Guedes é a ideologia do nosso movimento. A gente está aqui para realmente ter um país.

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