(Marcelo Camargo/Agência Brasil)Ives Gandra da Silva Martins Filho: alvo do sindicalismo de toga (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O senhor da reforma

Um dos entusiastas da reforma trabalhista, o ministro Ives Gandra Martins Filho tem sido atacado por colegas por defender as mudanças na legislação que, acredita, ainda vão ajudar a diminuir o desemprego
15.06.18

O ministro Ives Gandra Martins Filho, de 59 anos, presidiu o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entre fevereiro de 2016 e fevereiro deste ano. Cotado para assumir a vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF), ele foi bombardeado por suas posições em relação ao divórcio, à homossexualidade e à posição da mulher no casamento. Acabou preterido. A vaga ficou com Alexandre de Moraes. Depois, Ives voltou a ser alvo por causa da sua defesa da reforma trabalhista, da qual foi um dos articuladores. Em maio deste ano, após uma entrevista em que disse que a Justiça do Trabalho pode acabar em razão da resistência de magistrados à reforma, viu-se declarado “persona non grata” durante um congresso de juízes trabalhistas. Foi defendido por centenas de outros magistrados que não pertencem ao chamado “sindicalismo de toga”. Em entrevista a Crusoé, no seu gabinete repleto de imagens de Jesus Cristo e com remissões a símbolos medievais (ele é estudioso da época e autor de um livro sobre a trilogia “O Senhor dos Anéis”), o ministro discorre sobre a reforma e diz que ela ajudará a baixar o desemprego depois que o STF julgar as ações que questionam a sua constitucionalidade.

O senhor foi declarado “persona non grata” em um congresso de direito do trabalho. Por que tanta revolta?
A impressão que tenho é de que se levou para o campo pessoal aquilo que está no campo das ideias. Sempre procurei ser muito cordial na defesa das minhas posições, deixando claro que não falava como presidente do Tribunal Superior do Trabalho, mas como um técnico que trabalhava na área havia 30 anos. E sempre respeitei as visões contrárias.

O que o senhor defende exatamente?
Defendo um menor intervencionismo do Estado nas relações de trabalho. Seja pelo legislador, seja pelo juiz. Entendo que, como a própria Organização Internacional do Trabalho tem sinalizado, deve-se privilegiar mais as negociações coletivas e os acordos em convenções, porque essa talvez seja a melhor forma de proteger o trabalhador e dar segurança às empresas. Sempre que defendi essas ideias, o fiz com muita cordialidade e cortesia. E deixando claro que minha posição não era como presidente do TST. Mas se fui mal interpretado, ou se pelo fato de eu defender essas ideias decidiram atacar a pessoa, quem acaba se desmerecendo é quem faz o ataque.

No que os críticos divergem do senhor?
Temos no direito do trabalho duas grandes visões de como devem ser encaradas as relações entre empregados e empregadores. Uma é a de que a imensa maioria dos direitos são indisponíveis — ou inegociáveis. A outra, mais liberal, é a de que o universo dos direitos indisponíveis é mais limitado e considera que a própria Constituição estabeleceu as válvulas de regulação. De acordo com essa segunda visão, é possível reduzir salário e jornada mediante negociação coletiva. As duas visões foram contempladas na reforma. Há 15 pontos que são passíveis de negociação e 30 pontos que não são passíveis de negociação. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, defende maior autonomia negocial. A reforma aprovada também. Eu idem. Mas parte da Justiça do Trabalho se mostra refratária a isso. Tende a ser mais redutora dessa autonomia.

Não acha legítimo que se questione a reforma trabalhista?
No meu modo de ver, se a ampla maioria do Congresso Nacional, que representa o povo, aprovou a reforma, por que começaram a questionar a sua legitimidade? Para outras matérias o Congresso é legítimo e para essa não? Da mesma forma que fui aos parlamentares e ofereci minhas sugestões ao relator da reforma (deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte), outros ministros e associações também o fizeram. Agora, depois que os parlamentares a aprovaram, cabe a cada um de nós, como operadores do direito, aplicar a nova lei. Aquilo que que era um debate político na sua confecção não existe mais. Temos apenas debate jurídico. Eventualmente, uma inconstitucionalidade pode ser apontada, mas dizer que tudo afronta a Constituição, como alguns pretendem, já é um claro exagero.

J. Batista/Câmara dos DeputadosA votação da reforma trabalhista na Câmara: os protestos continuariam (J. Batista/Câmara dos Deputados)
Passados sete meses da aprovação da reforma, o desemprego aumentou. Qual é o balanço?
Façamos uma análise fria. Coloque-se na posição de um empresário. Quando começou a tramitar a reforma trabalhista e ele viu que seria aprovada, começou a cair a taxa de desemprego. Modestamente, mas começou a cair. No entanto, não demorou a haver contestação à reforma, com manifestações de juízes procuradores e associações. Nesse contexto, você, como empregador, se sentiria seguro em contratar? Resultado: o desemprego parou de cair. Apesar de a lei existir, há quem defenda que ela não é para ser aplicada, o que causa insegurança jurídica.

Na sua visão, então, a insegurança jurídica ajudou a aumentar o desemprego?
O que vimos em todos os países que fizeram reforma trabalhista é que houve efetiva redução do desemprego depois da aprovação. Mas a taxa de desemprego começou mesmo a cair depois que as respectivas supremas cortes deram sinal positivo às reformas. E o mais interessante é que duas cortes, a da Espanha e a de Portugal, foram contundentes ao dizer que, quando o desemprego é alto, é preciso flexibilizar a legislação. Em Portugal, mesmo quem tinha uma visão mais socialista mudou de posicionamento ao constatar que alguma coisa precisava ser feita para combater o desemprego. No caso do Brasil, continuo achando que não era possível seguir com o mesmo modelo de intervencionismo, tanto do ponto de vista legislativo quanto do ponto de vista da atividade jurisdicional.

Qual a situação da reforma hoje no STF?
Há 22 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) no STF contra a reforma. Dessas, 16 questionam o fim da contribuição sindical. Três questionam as regras de trabalho intermitente (nova modalidade em vigor com a reforma). Ou seja, muito pouco da reforma foi parar no Supremo.

A maioria das ações questiona o fim do imposto sindical.
No fundo, a preocupação dos sindicatos é com a sua fonte de renda — ou melhor, a sua razão de existir. Veja se não é uma distorção o que o país vive: os Estados Unidos têm 190 sindicatos. A Argentina, 90. O Brasil, por sua vez, tem 17 mil.

Por que tantos sindicatos?
Porque todo mundo queria pegar um pouco do bolo da contribuição sindical. Não era preciso fazer nada para isso. Bastava dizer que “meu sindicato é especializado nessa área ou representa tal município” e pronto.

Mas o enfraquecimento dos sindicatos não pode prejudicar o trabalhador, ao eliminar quem representa os seus interesses nas negociações?
Vejo um modelo em transformação. Como houve uma redução substancial dessa fonte fácil de renda que era a contribuição sindical obrigatória, os sindicatos estão se aglutinando e devem se fortalecer nessa aglutinação. Para isso, terão que prestar serviço efetivo aos seus associados.

O plenário do Tribunal Superior do Trabalho: Ives Gandra presidiu a corte até fevereiro deste ano (Giovanna Bembom/TST)
O senhor poderia apontar outros efeitos positivos da reforma?
Não havia, por exemplo, normas para terceirização e danos morais. Usávamos o Código Civil. Agora há regras claras. Do ponto de vista processual, ela resultou também em ações mais responsáveis. Antes, quem entrava com reclamação podia pedir tudo o que já havia recebido. Na pior das hipóteses, não ganhava nada. A empresa tinha que pagar advogado e arcava com uma série de ônus processuais que aumentavam o chamado Custo Brasil. Nós concentrávamos 80%, 90% das ações trabalhistas do mundo inteiro. Com a reforma, houve redução de 50%, 60% no número de processos, porque o trabalhador passou a pensar duas vezes antes de entrar com uma ação. Ele só vai pedir aquilo que realmente não recebeu, porque, se perder, arcará com os honorários da outra parte e com multa por ter tentado obter um benefício ou indenização duplos. O processo trabalhista não era responsável antes da reforma. Havia muito do que nós chamávamos de aventura judicial. Isso fez com que a Justiça do Trabalho crescesse mais do que Justiça Federal. Tanto que, quando alguém vem com essa ideia de extinguir a Justiça do Trabalho e fundi-la com outras justiças, eu brinco: “É como querer colocar um Boeing na fuselagem de um jatinho”.

Há uma proposta de emenda constitucional que estabelece o fim da Justiça do Trabalho.
Sou contrário. Um dos únicos momentos em que senti que fui especialmente mal compreendido foi quando disse que os contrários à reforma trabalhista dariam munição àqueles que são contrários à existência da Justiça do Trabalho. Interpretaram que eu era pelo fim da Justiça do Trabalho, quando na verdade sou o seu maior defensor. Sou funcionário dela há 35 anos. Almoço e janto agravo de instrumento e recurso de revista (recursos trabalhistas). Seria atirar no meu próprio pé defender qualquer coisa que não fosse a justiça que amo e acredito ser essencial ao país.

Qual é sua visão sobre o Judiciário em geral?
A minha visão é a do (ex-ministro do STF) Moreira Alves, que foi meu orientador de mestrado. Ele dizia que Judiciário pode ser um legislador negativo. Pode dizer que uma norma é inconstitucional e afastar a sua aplicação. Mas não pode ser um legislador positivo, não pode substituir quem faz as leis. Tenho muita restrição ao chamado ativismo judicial, porque gera insegurança. E acho que ele nos pega a todos — do STF até o juiz de primeira instância que acredita que o seu papel é na promoção de políticas públicas. Não é esse o papel do Judiciário. Quando começamos a querer assumir outro papel que não o de juiz, ao invés de contribuir para resolver os problemas, nós criamos mais problemas.

O que acha da Lava Jato?
Área penal é muito específica. Como cidadão, acho positiva. Tanto que parabenizei os procuradores e entreguei um prêmio para a equipe da Lava Jato. Estão fazendo um trabalho fantástico. Mas não tenho dúvida de que há excessos que precisam ser corrigidos.

O senhor já havia sido criticado por suas posições quando seu nome foi ventilado para o STF. Como encara hoje aquele episódio?
Não existe candidato ao STF. A escolha é do presidente. O fato de ser lembrado já é uma homenagem. Não nego que dói ser criticado injustamente, mas relevo. Ao final, foi uma ótima oportunidade para esclarecer muita coisa do que penso.

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