O mundo de Adélio
A cidade de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, registrava um movimento atípico em sua região central naquela tarde de quinta-feira, 6 de setembro de 2018. Nos calçadões do comércio local, centenas de pessoas se aglomeravam na véspera do feriado da Independência para ver o líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente. Jair Bolsonaro chegara à cidade para mais um ato de campanha. Driblando as orientações de sua segurança, ele logo se jogaria nos braços de seus apoiadores. Com a característica camisa amarela onde se lia “Meu partido é o Brasil” em letras verdes garrafais, ele era carregado nas costas por um grupo quando, de repente, veio a facada. Bolsonaro tinha se tornado o primeiro candidato a presidente alvo de um atentado durante a campanha desde a redemocratização.
Um ano depois, o episódio que acabou por tirar Bolsonaro dos debates e de todos os demais compromissos até a data da eleição caminha para um desfecho definitivo. A Polícia Federal está a dias de concluir o segundo inquérito aberto para apurar se o autor da facada, o ex-pedreiro Adélio Bispo de Oliveira, agiu a mando ou sob o patrocínio de terceiros. A tendência, como Crusoé já mostrou, é que os policiais concluam que ele agiu por conta própria, movido por sua doença mental – ele foi diagnosticado com transtorno delirante persistente. Prestes a completar um ano detido na Penitenciária Federal de Campo Grande, o agressor de Bolsonaro passa seus dias isolado – e sob vigilância permanente – em uma cela no segundo andar do estabelecimento. Gasta parte do tempo escrevendo cartas. Crusoé teve acesso a algumas delas, que foram anexadas ao processo. As paranoias e os delírios de Adélio parecem cada vez mais fortes.
“Estou tendo alguns problemas aqui, pois este presídio é um lugar terrivelmente diabólico, um lugar de mandingas maçônicas, se que (sic) imaginadas por muitos aí fora”, escreveu o esfaqueador do presidente em abril deste ano. A carta, juntada depois aos autos, foi destinada ao advogado de Adélio, Zanone Manuel de Oliveira Júnior. Nela, o ex-pedreiro pedia para ser transferido de volta para Minas Gerais – de preferência para Montes Claros, sua cidade natal. Em garranchos, ele segue explicando por que não deseja permanecer no presídio federal: “Este predio foi construido com contornos maçônicos, onde o diabo é cultuado, as magias satanicas estão por todos os lados, sentidas e vistas (sic)”.
Afora o formato retangular de seus prédios e a ausência de janelas, o presídio obviamente não guarda qualquer semelhança com lojas maçônicas. Também não há, evidentemente, sinais de cultos satânicos por lá, como Adélio diz. Destino de alguns dos presos mais perigosos do país, o estabelecimento tem 12,6 mil metros quadrados de área construída divididos entre quatro blocos interligados por uma estrutura central com áreas para banho de sol e espaços para receber visitas. Duzentas câmeras monitoram todos os movimentos, em todas as alas, que hoje abrigam 148 presos. Adélio ocupa sozinho uma das 220 celas. Desde maio, ele não tem nem sequer vizinhos de cela. É o único detento do andar em que está. Sua rotina diária é igual à dos demais presos: 22 horas dentro da cela e duas horas de banho de sol. O cubículo de sete metros quadrados tem uma cama, uma escrivaninha e um banco de concreto, um vaso sanitário, pia, chuveiro e uma bica d’água. A iluminação e o chuveiro são controlados pelos agentes penitenciários. Há seis refeições diárias, mas nem sempre Adélio come o que lhe é oferecido – não raro ele costuma rejeitar a comida alegando que teme morrer envenenado.
A convicção do agressor de Bolsonaro de que precisa combater o que ele chama de “ameaça maçom” representada pelo presidente é irremovível. Embora a sentença que recebeu deixe em aberto quanto tempo ele ficará privado de liberdade, Adélio repete sempre que pretende concluir sua “missão”. E que pretende matar não apenas Bolsonaro, mas também o ex-presidente Michel Temer. Filiado ao PSOL de 2007 a 2014, Adélio reverbera, de forma desorganizada, parte da retórica de esquerda. Em seus delírios, ele diz que Temer e Bolsonaro fazem parte de uma conspiração para tomar as riquezas do Brasil e entregá-las ao Fundo Monetário Internacional, à maçonaria e à máfia italiana.
O extremismo e a paranoia de Adélio se misturam o tempo todo. E se refletem até nos parcos momentos em que ele pode interagir com outros presos. Desde o dia em que chegou à penitenciária até ser transferido para o lugar em que onde está agora, o ex-pedreiro teve como vizinho de cela um dos presos da Operação Hashtag, que mirou suspeitos de integrar uma célula do Estado Islâmico no Brasil. O convívio foi tranquilo porque o companheiro era muçulmano. Mas não é sempre assim. Quando põe na cabeça que os que se aproximam são judeus ou maçons, o comportamento é outro. Ele fecha cara e para de falar.
“É um detento disciplinado, nunca teve ocorrências e fica na dele. Age com a certeza de que vai sair da prisão em algum momento”, disse a Crusoé um agente que pediu para não ser identificado. Desde que chegou a Campo Grande, Adélio não recebeu a visita de nenhum familiar. Nos próximos dias, o juiz encarregado de acompanhar a execução da sentença terá que decidir se ele permanecerá no presídio de segurança máxima, onde, por norma, presos devem ficar por, no máximo, um ano. Exceções são permitidas de acordo com a avaliação da Justiça. Ao que tudo indica, ele permanecerá por lá, apesar de achar o lugar “terrivelmente diabólico”.
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