"Bolsonaro percebeu em segundos o que os outros demoraram anos: a força dos evangélicos"

‘Um projeto para 20 anos’

O deputado Marco Feliciano admite a existência de uma disputa de poder entre militares e evangélicos no governo, critica os generais que não respeitariam a figura do presidente e diz que o bolsonarismo é um projeto para dominar a cena política por duas décadas
27.09.19

O deputado federal Pastor Marco Feliciano, do Podemos de São Paulo, foi recentemente bloqueado no WhatsApp por ninguém menos do que o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, chefe da articulação política do Palácio do Planalto e amigo de longa data do presidente Jair Bolsonaro. O motivo, segundo o próprio Feliciano, foi uma discussão acalorada. Primeiro, o general teria deixado de atender dois pedidos do deputado. Feliciano não gostou e subiu o tom ao reclamar. Ramos, em resposta, cortou relações — ao menos no aplicativo de mensagens.

O ministro-general não é o único que tem sofrido bombardeios do deputado. Nos últimos tempos, Feliciano escalou o tom das críticas à ala militar do governo. Isso, curiosamente, não foi suficiente para que o presidente o deixasse de lado, o que leva os militares a considerarem a hipótese de os ataques serem autorizados. O parlamentar tem frequentado cada vez mais o Planalto. Ele é, hoje, um dos congressistas mais próximos de Jair Bolsonaro.

A relação dos dois é antiga. Vem do tempo em que ambos encampavam juntos pautas conservadoras no Congresso Nacional. Neste ano, porém, depois que Feliciano virou vice-líder do governo e passou a aproximar Bolsonaro dos vários grupos de evangélicos na política, levando-o a eventos pelo país afora e garantindo a fidelidade das igrejas ao presidente, os laços se estreitaram. Nesta semana, Marco Feliciano falou a Crusoé sobre suas rusgas com os militares, incluindo o vice-presidente Hamilton Mourão, e sobre o seu entusiasmo com o projeto bolsonarista — que, diz, é para durar “uns 20 anos”. A seguir, os principais trechos.

O sr. virou um dos principais críticos da ala militar do governo. Por quê?
A minha crítica não é contra a ala militar. Ela é, pontualmente, contra pessoas. Pessoas que deixam de fazer aquilo que deveriam, que é ter interlocução e proteger o governo. Quando um deles não faz o que deve, isso acaba respingando no presidente. E como sou bolsonarista e governista, não aceito que nada atrapalhe o governo, principalmente os palacianos.

O que está errado no Palácio do Planalto, em sua visão?
Tivemos alguns generais que esqueceram que o Palácio não é a caserna. O (ex-ministro da Secretaria de Governo, general) Santos Cruz, por exemplo, foi um dos que critiquei muito. O próprio Mourão, que me recuso a chamar de general, porque sobe para a cabeça dele, é outro. Essas pessoas esqueceram que não estão na caserna, onde o general manda e desmanda no comandante, no capitão. Ali é o palácio. O presidente da República é a maior autoridade.

O general Ramos também passou a ser um dos seus alvos. O que ele fez?   
Ingratidão. Sou pastor e, como pastor, às vezes prego sobre pecados. Todo tipo de pecado tem uma explicação. O ingrato não tem desculpa. Porque o ingrato é aquele para quem você abre as portas, coloca um tapete vermelho, tira da sua boca e dá para ele e, de repente, ele te vira as costas do nada, ou pior, apunhala pelas costas. O general Ramos, para chegar aqui, veio com o carimbo de evangélico. A pedido do presidente, formei um grupo de deputados e fomos lá prestigiar a passagem do comando dele (refere-se ao Comando Militar do Sudeste, onde Ramos era comandante antes de assumir o ministério em Brasília) para outro general. Lá tiramos uma foto, ele disse: sou evangélico, sou isso, sou aquilo, vamos trabalhar juntos. Na posse dele, falou: “Você pode me dar uma mão lá?”. Falei: “Posso”. Chamei o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara. Acho que foi o único ministro que teve, na posse, mais de 100 parlamentares. Desses 100, 80, no mínimo, eram da bancada evangélica, entre senadores e deputados. Porque nós arregimentamos o povo. Então, fizemos esses gestos. Isso fortaleceu muito ele.

E o que ocorreu depois?
O Ramos, infelizmente, ao assumir a pasta, não correspondeu àquilo que prometeu. Recebeu mais de 240 deputados. Mas de que adianta receber e não fazer acontecer, não executar? A função dele é criar uma base governista. E, para criar a base governista, não basta ter lábia, tem que ter caneta. Não basta ter caneta, tem que ter tinta na caneta. E, quando ele se viu acuado, simplesmente parou de responder mensagem, parou de atender. E não só a mim. Parou de atender o próprio Silas Câmara. Como é que você forma uma base? Você forma uma base prestigiando aqueles deputados que trabalham ao lado do governo, aqueles que, na hora do “pega para capar” aqui, vão dar a cara a tapa, que vão dar os votos. Então, nada mais justo do que você atender pedidos dos deputados. Atender pedidos republicanos, pedidos simples.

Que tipo de pedidos ele não atendeu?
Foram dois pedidos. Um para o (ex-assessor da casa Civil demitido neste ano por suspeitas de corrupção) Pablo Tatim. Foi um pedido da frente evangélica.

Mas ele não era suspeito de corrupção?
Foi tudo ilação. Não teve nada. O cara é limpo. Eu queria trazê-lo para cá, para qualquer espaço em Brasília.

E o segundo pedido?
Foi um pedido para o (ex-deputado federal evangélico) Takayama, que foi presidente da frente evangélica por vários mandatos, tem influência aqui dentro do Congresso. Queria colocá-lo lá no estado dele. Não pedi nada para mim. Não tenho cargo, não pedi cargo. Não preciso disso.

“Todas as vezes que os militares assumem qualquer coisa, a estratégia é eliminar qualquer tipo de grupo que possa fazer sombra ao pensamento deles”
E o general Ramos negou esses cargos?
Não negou. Esse é o problema. Se chegasse e falasse que não ia dar certo, tudo bem. A gente parte para outra. O problema é falar “já estou conseguindo, já estou pronto, já está quase lá”. É uma coisa tão insignificante… Se fosse para alocar uma pessoa dentro de uma hiper, uma mega estatal, um cargo de presidente do Banco do Brasil, eu entenderia. O Ramos tem uma estratégia: você vai conversar com ele e ele não deixa ninguém falar. Só ele fala. Isso pode funcionar com qualquer deputado inexperiente. Comigo, não.

Por que não pediu esses cargos ao presidente, já que tem relação direta?
Você tem uma empresa na mão e precisa de cafezinho, você vai pedir para o dono da empresa? Não. Tem pessoas aqui que foram oficializadas para isso. As pessoas são responsáveis para fazer o cafezinho estar pronto na hora.

Esse loteamento de cargos não contraria o discurso de campanha do próprio presidente?
Não. Até porque os postos estratégicos do primeiro e segundo escalões foram ocupados pelo próprio presidente. Então, o presidente já fez um trabalho hercúleo. Em outros governos, isso nem sequer era pensado. O presidente conseguiu fazer o que queria. Ele montou um time com 22 ministros, sem interferência de partido nenhum.

No fundo, não há uma disputa de espaço e poder entre militares e evangélicos?
Hoje começo a pensar que sim. Veja só: os militares não são ideológicos e nem conservadores, eles são positivistas. Uma vez sendo positivistas, todas as vezes que assumem qualquer coisa, parece que a estratégia é eliminar qualquer tipo de grupo que possa fazer sombra ao pensamento deles. A bancada evangélica contribuiu demais para que o presidente fosse eleito e, hoje, a própria mídia diz que é o grupo mais fiel ao presidente. Em todos os grupos bolsonaristas houve debandada. As pessoas deixaram de ser bolsonaristas, começaram a criticar. Os evangélicos, não. São 100% ligados ao presidente. E é a única base que não é atendida. Sinto que os militares têm um pé atrás com os evangélicos. Porque os evangélicos não conseguem espaço. E quando você fala isso, eles vão dizer que a (ministra dos Direitos Humanos) Damares Alves é evangélica, que o (ministro da Advocacia-Geral da União) André Mendonça é evangélico, que o (ministro da Casa Civil) Onyx Lorenzoni é evangélico. Mas não foram indicações da frente evangélica. A frente, como frente evangélica, com mais de 100 deputados e senadores, não indicou ninguém.

Já chegou a levar essa reclamação a respeito dos militares diretamente ao presidente?
Do Mourão, cheguei a levar. Acho que é muito pequeno para levar ao presidente. O presidente tem uma nação para cuidar. Levei a questão do Mourão porque ele é vice-presidente. O restante pode ser mexido a qualquer momento. São peões.

No limite, o que a bancada evangélica pode fazer? Pode romper com o governo?
Não. Deixei bem claro: minha última briga com o Ramos foi porque ele agiu de maneira infantil. Ele é ministro da interlocução do governo com a Câmara. Aí ele tem um vice-líder do Congresso Nacional que representa pelo menos 100 deputados, um quinto do parlamento, e ele não vai me ouvir? Ele é maluco? Além de não me ouvir, ainda age como criança: estou birrento, agora vou te bloquear no WhatsApp. Ele me bloqueou no WhatsApp!

O sr. recebe orientação do presidente ou de alguém do entorno dele para vocalizar essas críticas?
Não.

Nem do (escritor) Olavo de Carvalho ou do (filho do presidente) Carlos Bolsonaro, que são também críticos aos militares?
Não. É que eu, Olavo, Carlos, nós temos o mesmo pensamento. A nossa visão é crítica a um certo setor dos militares. Porque sabemos como eles funcionam. A gente estuda história. Nunca combinamos nada. Parece que é por osmose. Um posta uma coisa nas redes sociais, outro posta outra, daqui a pouco todo mundo está falando a mesma coisa. Tanto que eu fui falar com o professor Olavo uma vez apenas.

Fala com ele frequentemente?
Sim. Fui aluno dele. Fiz o curso de filosofia. Mas nem é ele que fala no WhatsApp, é a esposa dele, porque ele não tem habilidade com WhatsApp, com essas coisas. O Olavo é um senhor de 80 anos de idade.

E com o Mourão, qual foi o problema? O sr. acredita que ele tem ou tinha desejo de derrubar Bolsonaro?
Mourão deu indícios disso nos primeiros seis meses de governo. Até que eu brequei ele. Quem brecou o Mourão fui eu. Ele pode não admitir. Eu pedi o impeachment dele. Quando protocolei (o pedido de impeachment do vice), disse: “Isso daqui não é um tiro para matar, é um tiro para o alto, é um aviso”.

Mas o senhor viu uma ação orquestrada de militares para chegar ao poder?
Ele, com o Santos Cruz, sim. Ele é vice-presidente, e vice-presidente não pode sair por aí dando pitaco, falando a opinião dele, contrariando o presidente. Porque o Mourão é um camaleão, né? Temos um Mourão antes da eleição e outro depois da eleição. Antes, Mourão era um felino. Gritava, queria acabar com o 13º salário, falou de negro, falou de índio, falou de todo mundo. Aí o Mourão vice-presidente agora é paz e amor. A favor do aborto, porque a mulher tem o direito sobre o corpo dela. Como ele diz isso, se durante a campanha presidencial toda, o presidente Jair Bolsonaro falou que era contra o aborto? O presidente falou: vamos transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Isso é uma pauta que aquece muito o coração da comunidade evangélica nacional. Aí vem o Mourão e diz: “Não, não podemos transferir, porque isso dará um problema”. Tudo que o presidente fala, ele vem e desfala.

“Sinto que os militares têm um pé atrás com os evangélicos”

Avalia que hoje ainda está assim?
Não. O Mourão se converteu. O Mourão agora é paz e amor.

Os evangélicos se consideram hoje parte do poder?
Não. Nós nem temos essa intenção. Isso é fábula, falar que nós queremos chegar ao poder. Primeiro porque o evangélico… Isso é fé, é transcendental, não tem a ver com essa Terra aqui. Jesus disse: “Meu reino não é deste mundo”. Então não existe isso. Tanto que o presidente é católico. Se ele tem três ministros evangélicos, ele tem 19 ministros católicos. Você tem aqui 100 evangélicos e tem 400 e poucos católicos.

Mas agora há um presidente mais alinhado aos evangélicos, não?
É reciprocidade. Ele teve o apoio dos evangélicos na campanha, e os evangélicos são, no mínimo, 30% da população brasileira. E nós somos fiéis. Quando olhamos para um alvo, vamos todos para lá. Claro, temos exceções. Mas a grande maioria vai. Bolsonaro percebeu em segundos o que os outros demoraram anos: a força dos evangélicos. Ele me trouxe para perto e veja o que recebeu em troca. Coloquei neste ano o presidente nos maiores eventos evangélicos do país. Ele percebeu esse universo.

Os evangélicos têm conquistado algumas coisas no governo. Demandas na área tributária, por exemplo.
Conseguimos aí alguma proeza, avançando nas questões tributárias, que são questões caríssimas a nós, antigas, que não beneficiam somente as igrejas evangélicas. Beneficiam a igrejas católica e todas as religiões. O candomblé, se ele tem o templo dele, ele também vai ter imunidade tributária no templo dele. Mas só.

Como vê a aproximação entre Bolsonaro e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli?

No amor e na guerra vale tudo (risos). Não sei. Não posso responder pelo presidente.

Mas qual é a sua avaliação pessoal?

Olha só, o ministro Dias Toffoli se mostrou um político hábil. Embora ele seja apenas ministro do Supremo. Conheci outros presidentes antes dele. Nenhum tem a habilidade que o Dias Toffoli tem. O Dias Toffoli recebeu, por exemplo, a bancada evangélica por duas vezes. Ele já esteve em reuniões nossas, a convite, esteve em dois jantares conosco. Nenhum outro ministro fez isso. Então, ele tem uma habilidade que os outros não têm. Então, talvez, por essa habilidade, ele se revelou para o presidente muito mais do que as pessoas dizem ou pensam.

O projeto de Bolsonaro é de quantos anos no poder?
É um projeto para uns 20 anos. É um projeto de esperança. Sabemos o que o tal do progressismo fez com o Brasil. O socialismo destruiu nosso país. É o pêndulo da política. Tem um milagre em andamento e ninguém está vendo. E nós, cristãos, acreditamos em milagres. Temos um presidente que não era para ser eleito. Para nós isso é um milagre. Esse camarada tem valores cristão que são caros a 88% da população brasileira que são católicos e evangélicos. Esse camarada vem na contramão de tudo. Fala o que queríamos falar e não podemos. Briga com as questões de ideologia de gênero, se declara a favor dos valores de família. Esse camarada é do povo. Com tudo isso, consegue manter um ministério de 22 ministros sem entregar ministério fechado para ninguém. No segundo escalão é a mesma coisa. As pessoas dizem que ele não conversa com o Parlamento e o Parlamento aprova todas as reformas?

O ministro Sergio Moro é um adversário interno de Bolsonaro em 2022?
Não basta você ser um ícone da população se você não sabe conversar com ela. O ministro Moro é técnico, mas não é povão. Ele não é de rua. O político é de rua. O Bolsonaro é um político. Sai carregado nos braços.

O sr. não enxerga Moro como adversário do Bolsonaro em 2022?
De jeito nenhum.

E Bolsonaro depende do Moro?
Não. Bolsonaro depende do povo. Enquanto Bolsonaro tiver a base social dele, pronto, acabou. Ele só pode sofrer impeachment se perder a base social e o povo for para a rua.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO