Uma manobra arriscada
A presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, anunciou na terça-feira, 24, que pretende abrir um processo de impeachment contra o presidente americano, Donald Trump. Dois dias depois, sua proposta já tinha votos suficientes na Câmara para ser aprovada. Em breve, um longo processo pode ter início, com a formação de uma comissão para convocar pessoas e colher testemunhos. Uma vez estabelecidas as acusações contra o presidente, o caso subiria para o Senado. Nessa casa, o impeachment precisaria de dois terços dos votos. Mas os republicanos são maioria no Senado e estão fechados com o presidente. A chance de Trump ser tirado da Casa Branca por um processo político no Congresso é ínfima neste momento.
Além da matemática legislativa, outro fator que reforça a perspectiva de que Trump ficará no cargo é a investigação no Congresso. Nos dois dias que se sucederam ao anúncio de Pelosi, dois documentos que poderiam incriminar Trump vieram à tona. Nenhum deles trouxe evidências cabais para tirá-lo da Casa Branca. Pode mudar? Pode, claro.
Os democratas fundamentam o pedido de impeachment sob o argumento de que Trump abusou de seu cargo para influenciar um governo estrangeiro e, assim, obter uma vantagem pessoal na campanha para as eleições presidenciais do ano que vem. No centro do debate está uma ligação telefônica que ocorreu no dia 25 de julho deste ano. Nela, Trump pede que o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, eleito em abril, investigue por corrupção o pré-candidato democrata Joe Biden e seu filho Hunter, que trabalhou como conselheiro da maior empresa de energia privada da Ucrânia, a Burisma. Os opositores sustentam que Trump teria cancelado uma ajuda militar para os ucranianos no valor de 391 milhões de dólares, a fim de pressionar Zelensky a investigar o rival Joe Biden. Trump teria, assim, direcionado a política externa americana pensando na sua própria reeleição.
Até o momento, quem pode sair perdendo nessa história são os democratas. Menos de 40% dos americanos são favoráveis a um processo de impeachment. A maioria é contra. “Sem o apoio da opinião pública, a chance de os americanos entenderem que se trata de uma jogada político-partidária dos democratas é grande”, diz o especialista em relações internacionais Carlos Gustavo Poggio. Ao final, Trump poderia emergir do processo ainda mais fortalecido. “Se Richard Nixon tivesse apoio popular, o Congresso o teria poupado e ele provavelmente não renunciaria em 1974”, diz Poggio.
Em 2016, Biden foi uma das vozes que pediram a demissão de Viktor Shokin, então procurador-geral ucraniano. Shokin era uma das figuras mais impopulares do país por engavetar denúncias de corrupção. “Não há como saber se o procurador estava ou não apurando algo relacionado ao filho de Biden. O problema é que, com essa confusão, fica praticamente inviável que uma investigação sobre isso ocorra”, diz Ishchenko.
Biden já vinha perdendo a preferência dos democratas. Na última pesquisa feita pela Universidade Quinniapac, na semana passada, ele pela primeira vez ficou atrás da senadora Elizabeth Warren. Ela teve 27% das intenções de voto e ele, 25%. Pesam contra Biden seus 76 anos, suas gafes e denúncias de abuso contra mulheres. O caso do filho na Ucrânia deve piorar a sua situação. “Um processo de impeachment não apenas não irá tirar Trump da presidência, como deve unificar os republicanos e dividir os democratas”, acredita o cientista político americano Michael Munger, da Universidade Duke. A ver.
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