Tia Dufour/The White HouseTrump com Bolsonaro, em março: Brasil pode seguir se preparando para OCDE mesmo sem aprovação do pedido

Ficamos para depois

O apoio para a entrada do Brasil na OCDE continua firme, mas a aprovação do pedido de ingresso não acontecerá neste ano. Havia um mexicano e um monte de europeus no meio do caminho
11.10.19

Ao ser noticiado, em março, o apoio americano à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), houve grande comemoração. Afinal de contas, com apenas três meses de mandato, o governo de Jair Bolsonaro conseguira uma vitória emblemática. Revertendo anos de diplomacia petista, mas contando com um empurrão do governo de Michel Temer, o Brasil obtinha o aval para integrar o grupo de países democráticos mais ricos do mundo – o que nos daria mais credibilidade, atrairia mais investimentos e reduziria os juros dos empréstimos externos. Na última quinta-feira, 10, outra notícia, divulgada pela agência Bloomberg, também foi recebida com festa. A reportagem intitulada “EUA recusam proposta brasileira para a OCDE após endossá-la publicamente” dizia que os americanos só iriam apoiar, em 2019, a entrada de Argentina e Romênia na OCDE. Dessa vez, a comemoração foi da oposição ao governo Bolsonaro.

A reportagem publicada pela Bloomberg citava uma carta enviada pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ao secretário-geral da OCDE, o economista mexicano Angel Gurría, no dia 28 de agosto. O artigo dizia que os Estados Unidos tinham se negado a discutir uma ampliação maior do número de países a ingressar na OCDE. Segundo a reportagem, os Estados Unidos “se recusaram a endossar a tentativa do Brasil de ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, marcando uma reversão após meses de apoio público de altas autoridades”.

A informação foi desmentida no mesmo dia no Twitter pela embaixada americana em Brasília, pelo secretário Pompeo e por Trump. “A carta que foi vazada não representa com precisão a posição americana em relação à ampliação da OCDE e os Estados Unidos farão um esforço intenso para apoiar a adesão do Brasil”, escreveu Pompeo. “A declaração conjunta divulgada com o presidente Bolsonaro em março deixa absolutamente claro que eu sou a favor de o Brasil começar o processo de adesão plena à OCDE. Os Estados Unidos defendem essa declaração e estão ao lado de Jair Bolsonaro. Esta matéria é fake news!”, tuitou Trump.

OMCOMCO mexicano Angel Gurría, da OCDE: ele se bandeou para o lado dos europeus
De concreto, o que a matéria da Bloomberg trouxe de novo é a informação de que os Estados Unidos neste ano só apoiarão a aprovação dos pedidos de Argentina e Romênia. Por trás da decisão, não há rejeição dos americanos em relação ao Brasil, e sim a disputa no interior da OCDE entre eles e os europeus. Angel Gurría, o mexicano que hoje comanda a instituição com sede em Paris, é odiado pelos americanos, que o acusam de ter se bandeado para o lado dos europeus. Há uma briga antiga sobre quais devem ser os critérios a ser empregados para convidar novos membros. Para os americanos, o importante é incluir países com economias grandes, populosos e com importância regional. Para os europeus, o que vale é priorizar nações periféricas que passaram a integrar a União Europeia, como Romênia, Croácia e Bulgária.

Os europeus queriam porque queriam que esses três países fossem convidados — e o mexicano Gurría ecoou o demanda. Fartos da insistência de seus rivais, os Estados Unidos decidiram dar um basta e limitaram o número de nações que terão o pedido aceito em 2019. Serão somente duas, Argentina e Romênia. “Provavelmente, o Brasil terá de ir para a fila de espera por causa desses desentendimentos entre europeus e americanos”, diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. “Na hora de os americanos decidirem quem seria o indicado, ficaram com a Argentina, porque ela foi convidada antes”.

Outro fator que também contou para a escolha dos Estados Unidos foram as eleições primárias na Argentina, realizadas no dia 11 de agosto. No pleito, que serve como uma grande pesquisa de opinião das eleições que acontecerão no final deste mês, o presidente Mauricio Macri ficou quinze pontos percentuais atrás da chapa de esquerda composta por Alberto Fernández e pela ex-presidente Cristina Kirchner. Assim, a carta de Pompeo, enviada duas semanas depois das primárias, pode ter levado em consideração a campanha de Macri pela reeleição. Os Estados Unidos querem vê-lo reeleito por motivos óbvios, para além da amizade de Trump com o atual presidente argentino.

Macri em campanha: aprovação de pedido na OCDE para ajudar na reeleição
O Brasil deve voltar a sua atenção para a próxima reunião geral da OCDE, que decidirá sobre os ingresso de novos membros. Marcada para maio, ela ocorre todos os anos. Como Trump ainda deverá estar na Casa Branca, o Brasil terá boa chance de ter o seu pedido de ingresso aprovado. Outros três países deverão estar no páreo. Já o cenário para 2021 poderá ser menos promissor, a depender do resultado das eleições americanas no final de 2020. Na eventualidade de um democrata passar a ocupar a Casa Branca, tudo ficará mais incerto. “Um presidente democrata poderia complicar muito as coisas”, diz Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais. “Em vez de buscar uma relação de estado com os Estados Unidos, o Brasil preferiu se aproximar de Donald Trump. É um erro básico, cujo preço poderá ser alto”.

Ao longo das negociações para entrar na OCDE, o Brasil fez diversas concessões aos Estados Unidos. Assinou um acordo de salvaguardas tecnológicas para permitir o uso do centro de lançamento de foguetes de Alcântara pelos Estados Unidos, dispensou os americanos de vistos para entrar no Brasil e comprometeu-se a abrir mão do tratamento diferenciado na Organização Mundial do Comércio, um privilégio reservado aos países em desenvolvimento. Mas nenhuma dessas concessões afeta negativamente o Brasil. O acordo de Alcântara deve atrair investimentos para o Maranhão. A dispensa de visto pode quadruplicar o número de turistas americanos. A mudança de status na OMC deve inviabilizar subsídios a setores agrícolas, mas essa prática já não existe no país.

Os efeitos da notícia de que o Brasil não terá seu pedido de ingresso aprovado ainda este ano devem ser sentidos principalmente na política. A quebra de expectativas tende a arranhar a imagem vendida pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro de que ele tem um canal especial com Donald Trump e os Estados Unidos. Na quinta-feira, 10, integrantes da Comissão de Relações Exteriores do Senado avaliavam que a carta de Pompeo à OCDE poderia atrapalhar a nomeação de Eduardo para a embaixada do Brasil em Washington. “Seguramente é um complicador. Quem poderia estar em dúvida agora deve votar mesmo contra”, disse o senador Marcos do Val, do Podemos, ao repórter Caio Junqueira, da Crusoé. “Isso mostra que, seja qual for a posição em que ele estiver lá, não vai dar para interferir em muita coisa”.

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