Adriano Machado/CrusoéO presidente Jair Bolsonaro em evento em Brasília: sob ataque de correligionários, ele também se arma

Fuzis apontados

A crise na relação entre Jair Bolsonaro e o PSL chega ao ápice com ameaças no ar: correligionários do presidente ameaçam alvejá-lo com gravações bombásticas
18.10.19

“Eu vou implodir o presidente. Aí eu mostro a gravação dele. Eu tenho a gravação. Não tem conversa, não tem conversa. Eu implodo o presidente. Acabou o cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo. Eu votei nessa porra. Eu andei, no sol, 246 cidades gritando o nome desse vagabundo.” Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, estava em uma reunião na Câmara com correligionários quando foi gravado por um colega deputado na quarta-feira, 16, à noite, fazendo uma ameaça e um xingamento ao presidente Jair Bolsonaro. O áudio foi publicado por O Antagonista.

Quase que simultaneamente, vazariam outros áudios, revelados pelo Diário de Crusoé, nos quais Bolsonaro pedia a deputados do partido apoio para destituir Waldir da liderança. “Olha só, nós estamos com 26, falta uma assinatura para a gente tirar o líder e botar o outro. E a gente acerta que, entrando o outro agora, em dezembro, tem eleições para o futuro líder a partir do ano que vem”, afirmou Bolsonaro em um dos áudios. “Da maneira como está, que poder tem na mão atualmente o líder aí? O poder de indicar pessoas, de arranjar cargo no partido, é promessa para fundo eleitoral por causa das eleições. É isso que os caras têm. Mas vocês sabem que o humor desses caras muda de uma hora para outra”, emendou.

A guerra dos áudios e das listas era o ponto alto da crise envolvendo Bolsonaro e seu partido, o PSL. O governo acabou não conseguindo as assinaturas necessárias para destituir Waldir porque o grupo liderado pelo presidente do PSL, deputado Luciano Bivar, conseguiu manter a maioria para sustentá-lo no cargo. Mas as feridas estavam todas expostas, e com potencial de serem ampliadas. Fontes do partido disseram que as informações explosivas de que Waldir dispõe envolvem o senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente, e supostos esquemas no Rio de Janeiro. Indagado por Crusoé sobre essa informação, ele não negou. “Não sei. Não posso falar nada nesse momento. Não posso falar nada a esse respeito. Você joga baralho? Se eu trucar eu vou estar com a carta. No momento certo.”

CrusoéCrusoéReunião de Luciano Bivar em um restaurante da capital, nesta quinta: expectativa de guerra intensa
A rigor, tudo não passa de uma disputa por dinheiro e poder em um momento em que as eleições municipais de 2020 se aproximam e são essenciais para o governo e para a legenda. Com o fim do financiamento privado, os recursos públicos oriundos do fundo partidário e do fundo eleitoral são essenciais para um bom desempenho na urna. E a consolidação de uma base municipal é vista como fundamental para que o resultado em 2022 seja novamente positivo. Tudo está interligado.

A dúvida que surge, porém, é se o PSL é forte com dinheiro e sem Bolsonaro. E se Bolsonaro sem um partido dessa monta (é a segunda grande bancada da Câmara) consegue sobreviver sem maiores sobressaltos no Congresso. Os dois lados garantem que saem ganhando com o divórcio. No Palácio do Planalto, a avaliação é que, sim, o presidente é muito maior do que o partido. No PSL, o que se diz é que os estimados milhões de reais que devem irrigar as contas do partido no ano que vem serão suficientes para um bom resultado eleitoral. O único problema é que a separação litigiosa pode ter resultados catastróficos.

Bolsonaro e Bivar nunca tiveram uma relação muito calorosa. Os atritos, contudo, se intensificaram no início de setembro, quando o presidente da República passou a cobrar uma espécie de refundação do partido. A ideia inicial de Bolsonaro não era afastar Bivar, mas promover mudanças, com a elaboração de um novo estatuto e código de ética e a indicação de mais aliados do Planalto em postos chaves da direção da legenda. Com o aumento da temperatura, porém, passou a incentivar movimentos de seus aliados para afastar o grupo de Bivar da estrutura partidária e da liderança do partido na Câmara.

Delegado Waldir: ameaça de implodir o presidente seguida de recuo
Na semana passada, a crise foi deflagrada depois que Bolsonaro disse a um candidato a vereador, que tentava tirar uma foto com ele na porta do Palácio da Alvorada, para esquecer o PSL e que Bivar estava “queimado pra caramba”. Desde então, os grupos dos dois passaram a trocar insultos e a se articular para minar um ao outro. De um lado, bolsonaristas passaram a cobrar do presidente da legenda uma auditoria nas contas partidárias. O grupo de Bivar, por sua vez, recusou-se a abrir as contas e avisou que os parlamentares poderiam deixar a legenda se assim quisessem, desde que abrissem mão de sua parte dos fundos partidário e eleitoral – o valor que cada sigla recebe é proporcional ao tamanho da bancada na Câmara.

Mas o clima esquentou mesmo nesta semana. Na terça-feira, 15, Bivar foi alvo de uma operação da Polícia Federal, que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a ele no Recife, seu reduto eleitoral, com base na investigação que apura candidaturas laranjas de mulheres pelo PSL nas eleições de 2018, para desvio de recursos públicos do fundo eleitoral. Deputados aliados de Bolsonaro viram a operação como um argumento de que havia “justa causa” para que deixassem o partido sem correr o risco de ter o mandato questionado. Já o grupo de Bivar passou a levantar suspeitas sobre a influência do presidente da República no timing da operação, com objetivo de desgastar o dirigente e, assim, justificar a saída dos parlamentares bolsonaristas. No dia seguinte, veio a guerra de áudios e de listas. E surgiu a ameaça explícita de um deputado de que pode “implodir” o presidente.

Os feridos da semana dão uma ideia de que o jogo todo tem potencial de atingir figuras expressivas do PSL. Uma delas é ninguém menos que o deputado Eduardo Bolsonaro, o filho 02 do presidente, cuja indicação para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos subiu no telhado em meio à crise. Outra é a líder do governo, Joice Hasselmann. A deputada federal mais votada da história foi deposta da posição depois que o Palácio do Planalto identificou sua voz no áudio em que Waldir ameaça e xinga o presidente da República. Ela foi substituída pelo senador Eduardo Gomes, do MDB de Tocantins.

A expectativa é de que a crise continue por mais tempo, com resultados imprevisíveis, a despeito de sinais de distensão emitidos pelo grupo de Bivar já na noite desta quinta-feira, 17. O deputado Delegado Waldir, que havia afirmado ter na manga as tais gravações capazes de atingir o presidente, passou a dizer, não sem sinais de ironia, que havia exagerado na afirmação. Nos bastidores, o ambiente segue envenenado. O presidente nacional do PSL já deixou assinada a destituição de Flávio e Eduardo Bolsonaro do comando da legenda no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para a decisão vigorar, ele só precisa mandar notificar oficialmente os filhos do presidente. A ideia é usar essa cartada no momento certo. Os aliados de Bolsonaro, por sua vez, não baixaram a guarda nem publicamente. Anunciaram que continuarão em busca de apoio para destituir Waldir nas próximas semanas. Em paralelo, há o debate em torno das auditorias nas contas do partido. Dos dois lados, as armas estão municiadas à espera do próximo tiro.

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