Reprodução/redes sociaisAlberto Fernández, com Cristina Kirchner ao fundo: sem dizer o que eles pretendem fazer na economia

Um tango que se renova

Com inflação em 60%, Mauricio Macri se transforma em alvo fácil para Alberto Fernández e Cristina Kirchner, que podem ganhar as eleições presidenciais no primeiro turno no país vizinho
18.10.19

Depois da derrota por mais de quinze pontos percentuais nas eleições primárias, em agosto, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, mudou de estratégia para enfrentar o primeiro turno, que acontecerá no dia 27.

Até então, Macri só costumava aparecer nas campanhas dentro de estádios, com acesso controlado. Chegava em cima da hora e caminhava até um palco no centro do gramado. Rodeado por militantes partidários, falava frases genéricas por cerca de dez minutos. Desta vez, preferiu se aproximar do povo. Nos últimos meses, ele percorreu trinta cidades em uma caravana. Subiu em trator e em caminhão. Também ficou mais agressivo com as palavras. Critica abertamente sua antecessora, Cristina Kirchner, por ter gastado o que não tinha e por ter maquiado as estatísticas oficiais.

Além dos ataques diretos, Macri tem buscado ressaltar duas grandes conquistas de seu governo. A primeira é uma queda de 30% nos homicídios dolosos, uma consequência do combate ao narcotráfico e da presença mais ostensiva da polícia nas ruas. A segunda é a mudança de posição em relação à Venezuela. O presidente argentino foi o primeiro líder regional a expor os desmandos do ditador Nicolás Maduro. “Macri tem feito todo o possível para desviar o foco da economia. O problema dele é que não há como impedir que a inflação e o desemprego pesem na decisão dos eleitores”, diz Orlando D’Adamo, diretor do Centro de Opinião Pública da Universidade de Belgrano, na Argentina.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisEm campanha, Macri destaca queda nos homicídios e critica a Venezuela
Nos últimos doze meses, a inflação dos alimentos e bebidas não alcoólicas, itens que mais impactam na percepção do custo de vida, foi de quase 60%. Em agosto, Macri anunciou a retirada do imposto sobre valor agregado dos produtos da cesta básica. Em setembro, com uma inflação de 6% no mês, o efeito da medida já era nulo. O PIB este ano deve cair 3%.

Ao concentrar a campanha na economia, Alberto Fernández e Cristina Kirchner podem ganhar a eleição já no primeiro turno, com mais de 50% dos votos. Mas Cristina pouco deu as caras. Na Argentina, fala-se em uma “albertolização” da campanha. Em vez de comandar grandes atos públicos, bem ao gosto do peronismo, ela limita-se a participar de noites de autógrafos e palestras sobre seu livro recém-lançado, intitulado “Sinceramente”. Tem falado mais sobre sua vida do que sobre política.

Durante doze dias, Cristina esteve em Cuba cuidando de sua filha Florencia, de 29 anos. Quando a jovem viajou para Havana, levantaram-se suspeitas de que estaria só fugindo para não ter de explicar nos tribunais os mais de 5 milhões de dólares que brotaram em sua conta bancária. Mas, à medida que surgiram mais detalhes, o quadro de saúde de Florencia foi parecendo mais grave. Além de um linfedema, uma obstrução dos vasos linfáticos, ela também estaria sofrendo de estresse pós-traumático. Sua filha, neta de Cristina, vive com o pai em Buenos Aires. Muitos argentinos suspeitam que as questões familiares poderiam deixar Cristina menos devotada à política em um futuro governo.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisCristina em lançamento do seu livro “Sinceramente”: ausente na campanha
Apesar das andanças de Macri em meio ao povo, o presidente não ganhou mais apoiadores. Mas também não perdeu. “Quando saiu o anúncio das eleições primárias, em agosto, imaginou-se que o presidente sofreria uma sangria de eleitores, mas isso não aconteceu”, diz o cientista político argentino Julio Burdman. Macri se recusou a jogar a toalha e está muito dedicado à campanha. “É um sinal de que pretende atuar na oposição nos próximos anos”, emenda Burdman.

A questão econômica, contudo, não se resolverá tão cedo. Da ajuda de 56 bilhões de dólares combinada com o Fundo Monetário Internacional, o FMI, apenas 44 bilhões foram liberados. Os demais aportes, que estavam programados, foram suspensos até novo aviso. O FMI insiste que o governo deve reduzir os gastos e zerar o déficit fiscal. Macri até tentou, mas não conseguiu. “Alberto Fernández tem prometido aquecer a economia e reativar o consumo, mas há uma grande dúvida sobre como ele poderia conseguir isso”, diz o cientista político argentino Patricio Giusto. “Com uma inflação tão alta, ele teria de fazer um ajuste muito forte, algo que nem Macri conseguiu fazer”. A Argentina é a letra de um tango que pára de ser repetido.

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