Vizinhança radioativa
Na madrugada da quarta-feira, 13, o encarregado de negócios da Embaixada da Venezuela em Brasília, Freddy Efrain Meregote Flores, mandou uma mensagem de áudio para seus contatos: “Informo a vocês que pessoas estranhas estão entrando e violentando o território da Venezuela. Precisamos de ajuda. Precisamos da ação imediata de todos os movimentos sociais e partidos políticos”.
Perto das 4 horas da manhã, um grupo de aliados do presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, ingressara na embaixada em cinco carros. Segundo a embaixadora de Guaidó, María Teresa Belandria, dois diplomatas de carreira da ditadura de Nicolás Maduro tinham reconhecido Guaidó como presidente legítimo e abriram as portas do local aos demais.
A mensagem de Meregote soou em celulares de integrantes do PT, PSOL e PCO e de movimentos como o MST e o MTST. Uma hora após a entrada do grupo de Guaidó, deputados federais desses partidos, militantes sem-terra e funcionários da Embaixada de Cuba chegaram ao prédio. Houve confronto. Aos socos e pontapés, eles expulsaram os seguidores do presidente interino para o jardim da embaixada. No final da tarde, um acordo permitiu a saída dos aliados de Guaidó pelos fundos e sob escolta. No caminho, eles foram xingados e ameaçados de morte. Não foram agredidos porque a Polícia Militar usou spray de pimenta.
Um punhado de atitudes poderiam ajudar o Brasil a blindar-se da desintegração dos vizinhos. Em uma mensagem no Twitter, o presidente Jair Bolsonaro começou falando em forças externas, mas sem dar nome aos bois. “Diante dos eventos ocorridos na Embaixada da Venezuela, repudiamos a interferência de atores externos”, escreveu o presidente. A acusação de que estrangeiros estão manobrando no jogo político nacional é grave e deve ser objeto de investigação. “O Brasil não pode permitir tal intromissão. Este é o momento de perguntar se a Polícia Federal, as Forças Armadas e a Agência Brasileira de Inteligência estão devidamente equipadas e fazendo o seu trabalho”, diz o advogado Luis Fernando Baracho, especialista em direito internacional.
Na mesma mensagem no Twitter, Bolsonaro pediu respeito às regras internacionais. “Estamos tomando as medidas necessárias para resguardar a ordem pública e evitar atos de violência, em conformidade com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas”, disse o presidente. A neutralidade da frase de Bolsonaro surpreendeu, uma vez que o presidente constantemente tem tomado posição em assuntos internos de outros países. Talvez o presidente não estivesse interessado em criar atritos justamente no dia em que começava em Brasília uma reunião do BRICS, o grupo que reúne Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul. Vladimir Putin, franco apoiador de Maduro, estava a caminho e um passo em falso poderia azedar o ambiente.
Araújo foi um dos que articularam o reconhecimento de Guaidó como presidente interino da Venezuela, em janeiro. A situação da presidente interina da Bolívia ao menos parece mais consolidada. Nesta semana, Jeanine trocou chefes militares e ministros, mas Evo Morales segue tentando disseminar o caos a partir do México, onde conseguiu asilo político. A Bolívia é mais foco de radioatividade na região. Assim como o Chile, que nas últimas semanas viu as ruas de Santiago serem tomadas por manifestantes. Do protesto contra o preço da passagem de metrô, as reivindicações foram ganhando corpo e chegaram à exigência de uma nova Constituição. O governo cedeu e uma nova Carta Magna deverá substituir a atual, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet. A esquerda, que comanda o espetáculo nas ruas, quer mais Estado na economia, ao contrário do previsto na Constituição em vigor, regida por princípios liberais — os mesmos que fizeram o sucesso econômico do país.
A situação chilena, aliás, fez acender sinais de alerta por aqui. Cresceu a preocupação de que o Brasil possa voltar a ter distúrbios como os de 2013, organizados via redes sociais. O risco, porém, é relativo. As chances de protestos massivos aumentam na mesma medida dos desfazimento das instituições e processos eleitorais. Na Bolívia, a representatividade foi para o ralo em 2016, quando Evo Morales passou por cima de um referendo em que a população disse não ao desejo dele de concorrer a um quarto mandato. No Chile, a introdução do voto facultativo em 2012 fez com que mais da metade dos cidadãos passassem a ignorar as eleições. “Os chilenos se deram conta agora de que, quando só metade da população sai para votar, fica mais difícil para o futuro presidente tocar seu programa de governo. Mesmo recebendo mais da metade dos votos válidos nas últimas duas eleições, Sebastián Piñera e Michelle Bachelet só conseguiram o apoio de cerca de 25% da população”, diz o cientista político chileno Roberto Izikson, gerente de assuntos públicos e estudos quantitativos da Cadem, em Santiago. No Brasil, há sinais explícitos da existência de um rearranjo das forças acostumadas aos maus hábitos que tanto descontentam os cidadãos. É preciso evitar imiscuir-se nos assuntos dos vizinhos, mas sem jamais deixar de tirar lições sobre o que acontece do lado de lá das nossas fronteiras.
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