Reprodução/redes sociaisApós Trump publicar um tuíte ameaçando uma sobretaxa ao aço e alumínio, brasileiros buscaram o diálogo

Campo minado

Concessões feitas aos Estados Unidos não foram prejudiciais ao Brasil, pelo contrário, mas é preciso saber lidar com Donald Trump
06.12.19

Duas mensagens breves do presidente americano, Donald Trump, no Twitter, na segunda-feira, 2, atiçaram uma avalanche de críticas à diplomacia brasileira. Trump ameaçou aplicar sobretaxas ao aço do Brasil e aço e alumínio da Argentina, acusando os dois países de desvalorizarem intencionalmente suas moedas — uma denúncia sem qualquer embasamento. No embalo das mensagens do presidente americano, a diplomacia brasileira foi atacada por fazer concessões demais aos Estados Unidos. Além de não receber contrapartidas no mesmo nível, o Brasil estaria apanhando desnecessariamente do seu aliado mais vistoso.

Para os críticos que dizem não existir reciprocidade na relação entre Brasil e Estados Unidos, Trump demonstrou má vontade ao não indicar o país para integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao não aumentar a cota de importação de açúcar brasileiro e ao não permitir a entrada no mercado americano de carne bovina in natura brasileira.

Na lista das concessões ingênuas feitas pelo Brasil estariam a isenção de vistos para americanos, a renúncia do status especial na Organização Mundial do Comércio (OMC), o acordo de salvaguardas tecnológicas para a Base de Lançamento de Alcântara e o aumento da cota de etanol americano que entra no Brasil sem o pagamento de impostos.

A tese de falta de reciprocidade, no entanto, não se sustenta quando esses itens são analisados um a um. A isenção de vistos não foi apenas para americanos, mas também destinada a japoneses, canadenses e australianos. Em um ano, a entrada no Brasil de turistas desses quatro países aumentou 25%. Os gastos deles no país subiram 43%.

Instituto Aço BrasilInstituto Aço BrasilAço brasileiro: indústria espera reverter tuíte de Trump
O acordo de salvaguardas tecnológicas para a Base de Lançamento de Alcântara não gerou nenhum negócio até agora. Mas, graças a ele, outros países e empresas privadas começaram a pensar, pela primeira vez, no Maranhão como possível local para lançamentos de satélites pequenos. “Antes, nós éramos um outsider no mercado. O que o acordo fez foi nos dar um certificado de confiabilidade, que podemos usar para oferecer serviços para qualquer um”, diz Carlos Augusto Teixeira de Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira. “Nossa agenda está aberta para quem quiser.”

Já o aumento da cota de importação de etanol dos Estados Unidos passou de 600 milhões de litros para 750 milhões de litros. Até esse volume, o combustível entra sem pagar taxa. A partir desse limiar, importadores brasileiros precisam pagar impostos ao governo. Para as empresas americanas, a elevação da cota não faz diferença. Para o consumidor brasileiro faz muita: é combustível mais barato na bomba.

A renúncia ao status especial na OMC também não merece as críticas. Na verdade, ela tem pouca aplicação prática, uma vez que o Brasil já não se utilizava desse expediente para se beneficiar em negociações internacionais. A decisão ocorreu como parte de uma troca, em que os americanos se comprometeram a apoiar a entrada do Brasil na OCDE. Em outubro, Trump afirmou que só apoiaria a Argentina e a Romênia, deixando o Brasil de fora. Mas o anúncio não significou o fim do apoio ao pleito brasileiro — algo que os americanos se preocuparam em deixar muito claro —, apenas que a entrada do Brasil na OCDE não será para agora. A Casa Branca já tinha feito a promessa de chancelar a Argentina.

No caso do não aumento da cota para exportar açúcar para os Estados Unidos, a questão envolve outros países. Como não produzem açúcar suficiente para abastecer o mercado interno, os americanos importam do mundo todo. Mas, ao escolher seus fornecedores, eles optaram por beneficiar países e regiões mais pobres. No Brasil, só o Nordeste pode enviar açúcar do tipo demerara (com grânulos grandes e considerado mais saudável do que o açúcar branco) aos Estados Unidos sem pagar imposto. Ampliar a cota de uma nação implicaria  tirar de outra, o que provocaria uma chiadeira planetária. O volume de açúcar demerara que o Nordeste pode mandar sem taxas não mudou. Apesar disso, o Brasil aumentou em 13,5% a exportação de outro tipo de açúcar, o orgânico, para mercado americano. Como se trata de outra categoria, não é preciso se submeter a cotas. “Nós estamos aumentando muito a venda de açúcar orgânico para a Califórnia”, diz Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana de Açúcar, Unica. “Essa é uma área em que as regras estão estabelecidas, e todos estão jogando dentro delas.”

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéPaulo Guedes: “Todo mundo vai querer dançar conosco”
Para os detratores da diplomacia brasileira, os americanos também nos desprezaram ao não liberar a importação de carne bovina in natura. Mas foi apenas em 2017, no primeiro ano do governo de Trump, que eles finalmente abriram o mercado aos frigoríficos brasileiros. Os Estados Unidos são o maior produtor mundial de carne e, por isso, sempre hesitaram em deixar que outros entrassem em seu próprio terreno. Eles também são o país mais rigoroso com normas sanitárias. Assim que as porteiras americanas se abriram, o Brasil tropeçou em questões técnicas, como o caso de pequenos abcessos na carne (a marca da vacina da febre aftosa) e a Operação Carne Fraca. Assustados, os americanos retrocederam. “Não me parece que tenha sido uma questão política, em que a Casa Branca tenha alguma ingerência. Foi uma questão técnica que o Brasil conseguirá atender com o tempo”, diz Aldo Barrigosse, consultor da indústria de carnes em Mato Grosso do Sul.

O ponto em que, sim, há uma questão política envolvida é o recente anúncio da sobretaxa ao aço. A motivação de Trump é eleitoral. Para o pleito do ano que vem, ele quer contar com os votos dos trabalhadores desse setor, que está em decadência — e precisa fazer frente ao desgaste que o processo de impeachment em andamento na Câmara está lhe causando. Em vez de revidar na mesma medida e escalar o conflito, representantes do governo brasileiro, liderados pelo encarregado de negócios da Embaixada do Brasil em Washington, Nestor Forster, procuraram as autoridades americanas para evitar que o tuíte de Trump se transformasse em medida prática. Na equipe econômica em Brasília, segundo apurou o Diário da Crusoé, o plano era dar a Trump “munição eleitoral”, algo que ele pudesse usar para desistir da ideia, sem arranhar sua imagem com o eleitorado fiel.

No campo das relações internacionais, amizades são um ativo valioso. A proximidade ideológica entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump é evidente e pode ser usada para obter ganhos diversos. Nessa relação, os tuítes bombásticos do americano, mesmo aqueles que não se concretizam, podem facilmente ser interpretados como um gesto de traição ao Brasil e suscitar reações raivosas. Ao evitar atritos e buscar resolver tudo na conversa, os diplomatas brasileiros ganharam o apoio dos empresários. “O governo brasileiro foi correto em não tomar qualquer posição oficial. Ainda temos esperança em reverter esse tuíte”, disse o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes.

Um canal eficiente de diálogo pode ajudar a cicatrizar feridas, mas não impedirá que Trump siga adiante nas suas ameaças ou tome outras medidas que afetem o Brasil. Para se precaver contra as idiossincrasias do presidente americano, a melhor a fazer é abrir-se para o mundo inteiro. “Logo no início, quando nós nos aproximamos e declaramos a nossa aliança geopolítica com os Estados Unidos, nós tivemos o cuidado de dizer o seguinte: ‘Nós vamos dançar com todo o mundo’”, disse o ministro da Economia Paulo Guedes em entrevista exclusiva a O Antagonista. “O Brasil é uma economia que ficou fechada, de costas para o mundo, por quarenta anos. Então todo mundo vai querer dançar conosco. Se os americanos ficarem cansados e quiserem parar para descansar, a gente dança com os chineses. A gente dança com os europeus.” O Brasil só não pode dançar no sentido negativo, colocando todos os ovos em apenas um cesto.

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  1. O Brasil é um grande bailarino e dança qualquer ritmo e tempo e com qualquer parceiro. Sabemos nos adaptar a todos, felizmente. É isso. Nada perdido, muito ao contrário. E vamos "invadir" o mundo com nossas empresas, produtos, serviços e tecnologia. Abertura e intercâmbio total, de tudo.

    1. Exatamente isso. E o Brasil mostra que com a economia aberta, não está atrelado só a um país ou outro. Daí, o que vier da China, dos EEUU ou das Arábias é lucro.

  2. Excelente reportagem! Esmiuçou as delicadas relações envolvidas na nossa política externa, que aliás está sendo muito bem conduzida. As declarações de Trump têm mais a ver com o problema do câmbio. Ele já percebeu que o fenômeno conhecido como “strong Dollar “ está dificultando as exportações dos E U A .

  3. Excelente reportagem, muito esclarecedora. Paulo Guedes eh uma capacidade. Bolsonaro fez ótimas escolhas. Estamos no caminho certo. Melhorando a cada dia.

  4. Paulo Guedes é tudo de bom neste governo é de uma credibilidade necessária para os fins desejados,que são crescimento,estabilidade financeira e a queda do desemprego. A maneira como ele expõe seu incansável trabalho,nossas conquistas e esperança nos dá a certeza que estamos no caminho certo.

  5. Excelente a sua esclarecedora reportagem Duda Mendonça! Nada melhor do que o entendimento, o diálogo, a sensatez, o bom senso e a certeza de que o nosso País possui produtos de excelente qualidade, com aprimoramentos e melhorias constantes! Que a nossa economia agora, após 40 anos, está aberta ao mundo, com infindáveis possibilidades de excelentes negócios! Parabéns Governo Brasileiro! Parabéns Brasil!

    1. Nao Paulo, ele eh um negociador, que expoe a realidade. Excelente materia. Voce deveria ler novamente, creio que nao soube interpretar o texto.

  6. A aproximação ideológica entre e boso e pato trump, em que ganhos teremos? Somente 'Tuitando" ameaças, a diferença e que lá eles tem bala na agulha, o de câ, tem agulha sem bala, alias só o 38 do Boso, ai sim "nós vamos dançar com todo mundo", nê Guedes!

    1. José me faz lembrar um personagem que desmascarou os mágicos e morreu sem descobrir verdades.

    2. todos os números mostram o Brasil entrando nos trilhos, mas, para os que gritam "lula livre" e chamam o presidente de boso, vão sempre usar a máxima de Guevara "se és situação, sou contra", aí prevalece a forma incoerente e insana de fazer política!

  7. É preciso compreender que países não têm amigos, têm interesses. Cabe ao Brasil negociar com todas as nações. Simples assim.

    1. Clara e objetiva materia. Xadrez é a palavra para a diplomacia e comercio internacional. Todo dia se analisa o tabuleiro e se movem as peças. É jogo jogado. China ficou 30 anos fora do jogo e não fez falta. Faz 30 ou 35 anos atrás entrou no jogo, vemos o resultado. É isso.

  8. Parabéns pela matéria, muito esclarecedora para os leigos no assunto. temos um Ministro de primeira linha na Economia. E a matéria, isenta e técnica. Parabéns

    1. Um ótimo texto, mas eu acho que o Trump também não gostou do nosso comércio com a China e com os Arabes, inimigo deles!

    1. Nem desenhando ele entenderia. Esse faz parte da seita q tem em Lula seu único deus

    2. devia ler a reportagem ao invés de criticar por criticar.

    1. José não é um perfeito idiota, porque ninguém é perfeito.

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