Adriano Machado/CrusoéTramas envolvendo funcionários fantasmas, milicianos e transações financeiras sem lastro: Flávio Bolsonaro no olho do furacão

01 sem blindagem

Operação do MP-RJ lança mais luz sobre o caso Queiroz e complica a situação do senador Flávio Bolsonaro, considerado o líder do esquema criminoso. Investigação nunca chegou tão perto do filho do presidente
20.12.19

Em busca de vestígios dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, os promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção do Ministério Público do Rio de Janeiro, o Gaecc, realizaram na quarta-feira, 18, operações de busca e apreensão em 24 endereços de ex-assessores e pessoas próximas ao senador Flávio Bolsonaro, entre eles, Fabrício Queiroz. Todos são suspeitos de participação no esquema popularmente chamado de “rachid” operado dentro do gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro, quando ele era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Uma análise minuciosa sobre o material reunido pelos investigadores clareia o caminho para entender o quanto os desdobramentos do caso Queiroz podem afetar a família Bolsonaro. As informações contidas no pedido do MP, reveladas com exclusividade por Crusoé, são nitroglicerina pura. Pela primeira vez, Flávio Bolsonaro, o primogênito do presidente da República, é alçado à condição de líder de uma organização criminosa em uma trama que, segundo o MP, envolve funcionários fantasmas e milicianos. De posse das informações bancárias dos alvos da operação, os investigadores conseguiram mapear o rastro do dinheiro. Desde os pagamentos realizados pela Alerj, os saques nas contas dos servidores, até os depósitos, no mesmo valor, em nome de Queiroz. Além de acusar o filho do presidente de comandar o esquema, uma vez que era ele quem nomeava os servidores que devolviam o dinheiro, o MP detalhou como suas declarações fiscais não param em pé. O relatório indica, por exemplo, a ausência de lastro para boa parte do dinheiro movimentado por Flávio. Por isso, para os promotores, os valores obtidos pelo “rachid” no gabinete do filho de Bolsonaro, cujo operador financeiro era Fabrício Queiroz, eram lavados por meio da compra de imóveis e na loja de chocolates de Flávio, também alvo das buscas do MP, situada na Barra da Tijuca.

Para chegar a essa conclusão, o Ministério Público elenca uma série de divergências entre transações financeiras do 01 de Jair Bolsonaro, de sua mulher, Fernanda Bolsonaro, e de seus sócios. Só na loja de chocolates, Flávio gastou 1 milhão de reais, em 2014, sem conseguir, no entanto, comprovar renda suficiente para o desembolso. No caso envolvendo a aquisição de ao menos dois imóveis, o MP também encontrou provas de que os valores declarados foram subfaturados. Ao rastrear os pagamentos, os promotores perceberam que, logo depois de receber 310 mil reais pelos apartamentos localizados no bairro de Copacabana, no Rio, o vendedor dos imóveis teve suas contas irrigadas com mais 638 mil reais. Para o MP foi o indício de que o valor pago ficou muito acima do declarado por Flávio. “A fim de dissimular a origem dos recursos, os depósitos em questão foram realizados com dinheiro em espécie, na mesma agência onde foram depositados os cheques do casal Bolsonaro”, diz o MP.

Reprodução/FacebookReprodução/FacebookFernanda, mulher de Flávio Bolsonaro, teve boleto de imóvel pago por PM
É no processo de compra de outro imóvel, desta vez em Laranjeiras, que emerge um novo personagem com potencial explosivo para Flávio Bolsonaro. Trata-se do sargento da PM Diego Sodré de Castro Ambrósio. A quebra de sigilo fiscal do senador mostrou que Diego quitou com recursos próprios um boleto bancário de 16,5 mil reais, equivalente a uma prestação do apartamento, emitido em nome de Fernanda Antunes Bolsonaro, mulher do senador. As ligações entre o PM e o filho do presidente não se encerram aí. Ambrósio também efetuou transferências bancárias para outros assessores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e para a conta corrente da loja de chocolates, da qual Flávio é sócio. Não é a primeira vez que Diego Ambrósio é alvo de investigação. Ele foi investigado pela corregedoria interna da PM, depois de reportagens denunciarem o assédio a moradores de Copacabana para contratarem os serviços de segurança privada de sua empresa, a Santa Clara Serviços, para a retirada de moradores de rua.

As consequências dessas descobertas para o primogênito do presidente da República podem ser graves. A citação à família da ex-mulher do próprio Jair, Ana Cristina Siqueira Valle, é outro indicativo de que dias piores se anunciam. As quebras de sigilo mostram que ela e parentes receberam 4,8 milhões de reais em salários da Alerj. Do total, 4 milhões foram sacados em espécie na boca do caixa, o equivalente a 83% da remuneração paga. Segundo o MP, à época dos fatos, eles moravam em Resende, no interior do estado, portanto longe da sede do Legislativo fluminense, no centro do Rio.

A semana que termina foi considerada a mais turbulenta para a família Bolsonaro desde a posse. Tanto que, na noite da operação, Flávio foi ao encontro do pai, no Palácio da Alvorada. A reunião, que incluiu o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03, durou quase duas horas. O presidente se pronunciaria sobre o assunto na manhã de quinta-feira, 19, na portaria do Palácio. Diante da insistência dos repórteres, afirmou não ter “nada a ver” com as suspeitas levantadas pelo MP.  Bolsonaro também insiste em dizer que Wilson Witzel, governador do Rio, está por trás de uma “armação” para implicá-lo com milicianos. E que surgirão diálogos comprometedores a respeito dessa suposta ligação, mas que tudo não passa de invenção contra ele.

A investigação sobre o “rachid” na Assembleia do Rio foi iniciada com base em relatórios do Conselho de Controle da Atividade Financeira, o Coaf. Quando o material estava pronto para embasar um pedido de busca e apreensão, em julho, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, determinou a suspensão das apurações sobre Flávio Bolsonaro e, por tabela, também blindou Queiroz. No fim de novembro, o Supremo reverteu a decisão autorizando o compartilhamento de informações de órgãos de fiscalização financeira, o que abriu caminho para a operação do Ministério Público do Rio. Os sete promotores do Gaecc assinaram as diligências dando início à fase mais ostensiva da investigação contra o filho 01 de Bolsonaro um dia depois de o plenário de o STF rechaçar as teses de Toffoli. Consumou-se, neste caso em particular, o fracasso do acordão destinado a impor travas ao combate à corrupção no país.

Na quinta-feira, 19, a defesa de Flávio entrou com pedido de habeas corpus no STF. O caso está com o ministro Gilmar Mendes, que determinou que lhe fossem enviadas com urgência informações sobre a investigação do MP do Rio. O Brasil, no entanto, não admite mais conchavos para blindar quem quer que seja.

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