ReproduçãoOs russos estariam, de novo, interferindo na campanha presidencial americana

Efeito reverso

Avanço do impeachment no Congresso dos EUA acaba aumentando o apoio a Trump e pode fragilizar democratas na próxima eleição
20.12.19

O então presidente democrata Bill Clinton alcançou um dos seus picos de popularidade, 67%, em dezembro de 1998. Naquele mês, a Câmara dos Deputados havia aprovado duas acusações contra ele em um processo de impeachment: perjúrio e obstrução de Justiça. O escândalo era aquele do caso extraconjugal de Clinton com Monica Lewinsky, na época estagiária na Casa Branca.

Fenômeno semelhante ocorreu na última quarta-feira, 18. Quando a Câmara dos Deputados aprovou o impeachment de Donald Trump, por abuso de poder e obstrução do Congresso, o presidente também comemorou um incremento em seu apoio. Embora Trump nunca tenha alcançado índices de popularidade como os de Clinton, ele teve motivos para festejar. Sua aprovação chegou a 45%, seis pontos percentuais a mais do que em setembro, quando o Partido Democrata iniciou o processo de impeachment no Congresso.

O efeito reverso do impeachment na popularidade de Trump decorre de um raciocínio pragmático por parte do eleitorado. Como praticamente não existe a chance de o presidente ser deposto, uma vez que os republicanos são maioria no Senado, a interminável sequência de reuniões, audiências, votações e deliberações passou a ser enxergada por grande parte da população como um desperdício de tempo e dinheiro. Segundo o instituto Gallup, a rejeição ao impeachment subiu de 46% para 51% em três meses.

Outra explicação é que, com o passar dos dias, a retórica presidencial de que o processo não passa de manobra política da oposição torna-se mais consistente. Em carta de seis páginas à presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, Trump disse que o processo era “uma tentativa ilegal e partidária de promover um golpe”. A mesma estratégia foi adotada pelos democratas na década de 90. No julgamento de Bill Clinton, eles insistiram que as denúncias dos republicanos tinham motivação puramente partidária. “Mesmo que o presidente sofra impeachment, a história vai questionar se foi apenas um linchamento partidário ou se foi algo que de fato atendeu a um padrão elevado estabelecido pelos fundadores do país”, disse, em 1998, o então senador democrata Joe Biden, hoje pré-candidato democrata à presidência.

ReproduçãoBill Clinton: em 1998, sua popularidade chegou a 67% com o impeachment
Nos dois processos de impeachment, tanto no de Clinton como no de Trump, a oposição acreditou que poderia convencer eleitores sobre seus nobres princípios à medida que novas evidências apareciam. O impacto sempre foi limitado. Este ano, jornais noticiaram a todo momento o surgimento de um “depoimento divisor de águas” ou de uma “evidência bombástica” para incriminar definitivamente o presidente. Apesar da tentativa de produzir barulho, o desinteresse pelo tema foi crescendo. As interações virtuais com as matérias sobre o impeachment caíram para quase a metade, de outubro para cá.

Pouquíssima gente mudou de opinião com as notícias. Até porque, atualmente, o público escolhe informar-se pelo meio de comunicação que mais se aproxima de suas crenças e visão de mundo. “A imprensa americana está muito segmentada. Os telespectadores só assistem aos veículos alinhados com suas escolhas. Apoiadores de Trump assistem à Fox. Seus críticos, à CNN MSNBC”, diz o cientista político Paul Brace, da Universidade Rice. Uma mudança de posicionamento só poderia vir da pequena parcela dos americanos que ainda não demonstra inclinação por um ou outro partido. “Pelo que vimos até agora, a influência do impeachment nessa parte da população não tem sido muito grande”, diz Brace.

Com Clinton, esse fenômeno, chamado de “viés de confirmação”, também aconteceu. Na década de 90, o público já se informava por meio de sites, como o Drudge Report, e canais a cabo. A Fox tinha acabado de ser lançada. O que não existia eram as redes sociais, que acabaram potencializando essa divisão.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisA líder democrata Nancy Pelosi comanda votação na Câmara dos EUA
Sem conseguir arranhar a imagem do presidente e sem influenciar como gostaria a opinião pública, quem pode sair no prejuízo é a oposição. Os acontecimentos de 1998 ensinam. Em meio ao processo de impeachment de Bill Clinton, os Estados Unidos tiveram uma eleição legislativa. Os que estavam lutando por sua deposição, no caso os republicanos, sofreram um revés considerável: perderam cinco cadeiras na Câmara para os democratas.

Hoje, os deputados democratas é que estão preocupados com o pleito do ano que vem. Entre os que foram eleitos em distritos moderados ou onde Donald Trump venceu as eleições de 2016, há o receio de o apoio ao impeachment espantar ou desanimar eleitores. Um sintoma disso é que, durante a votação na Câmara da quarta-feira, 18, três deputados democratas contrariaram o partido e colocaram-se contra o impeachment: Jeff Van Drew, de Nova Jersey; Collin C. Peterson, de Minnesota; e Jared Golden, do Maine (Golden votou contra apenas o artigo sobre obstrução do Congresso). Drew, inclusive, tomou uma decisão mais radical. Mandou avisar que vai se transferir para o Partido Republicano. “O impeachment é uma catástrofe para os democratas moderados, e todo esse fiasco ainda pode acabar ajudando o presidente a ganhar sua reeleição”, diz o cientista político americano Michael Munger, da Universidade Duke.

Após as defecções na Câmara, os democratas ficaram mais titubeantes. Logo após a votação, em uma coletiva de imprensa, Nancy Pelosi disse que não saberia dizer quando mandaria o impeachment para o Senado. Na atual conjuntura, um prolongamento do processo nem seria uma ameaça para Trump. Uma semana antes, o presidente foi claro: ele não vê muito problema se a confusão no Congresso demorar mais alguns meses. A julgar pelos seus índices de popularidade, não é para ver mesmo.

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