Adriano Machado/Crusoé

Um bom ano

26.12.19
Sergio Fernando Moro

Finais de ano favorecem artigos com retrospectivas. Faço o alerta no início, pois, às vezes, eles são cansativos. O leitor fica, portanto, advertido de que prossegue por sua conta e risco.

Foi um ano de profunda mudança profissional.

Ingressei na magistratura federal em 1996. Por 22 anos, não fiz outra coisa senão audiências, despachos e sentenças na vida profissional. Não posso reclamar do que fazia, mas admito que mudar hábitos, após tanto tempo, não foi fácil. Teorias da conspiração à parte, aceitei o convite do presidente Jair Bolsonaro, em 1º de novembro de 2018, para ocupar o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública após sondagem, feita uma semana antes, pelo então economista Paulo Guedes.

Aceitei – e é até cansativo repetir, mas é verdadeiro – para consolidar os avanços anticorrupção e estendê-los contra o crime organizado e os crimes violentos. Nada mais do que isso. A explicação mais simples é usualmente a verdadeira e, não, a Operação Lava Jato não foi uma conspiração da CIA para eleger ninguém.

Foi um ano de grandes desafios. Primeiro, encontrar nomes aptos a ocupar os postos chave no ministério. O presidente Jair Bolsonaro fez algo inédito na política brasileira: deu aos ministros a responsabilidade da escolha dos seus subordinados, nas respectivas pastas, com base em critérios técnicos. Por sorte, as mais de duas décadas de magistratura permitiram-me conhecer muita gente competente nas polícias, no Ministério Público, no serviço público em geral e na advocacia.

A dificuldade não estava na escolha dos nomes, mas sim nos péssimos números da Justiça e Segurança Pública. Reduzir os recordes de homicídios era o grande desafio. Em 2016 e 2017, foram registrados 51.518 e 56.235 homicídios, respectivamente, com taxas relativas de 25 e 27 assassinatos por 100 mil habitantes. Outros problemas eram corrupção desenfreada, tráfico de drogas crescente e organizações criminosas cada vez mais poderosas.

Decidimos, em equipe, que seríamos firmes e duros, dentro da lei, contra a criminalidade. Esvaziar presídios e soltar criminosos, como alguns propõem, só funcionam em mundos nos quais as leis da lógica possam ser invertidas. Para reduzir a criminalidade é preciso diminuir a impunidade e passar a mensagem de que o crime não compensa.

Várias políticas públicas chaves foram iniciadas, como medidas de transferência de lideranças criminosas para presídios federais, melhor direcionamento das atuações da Polícia Federal contra o crime organizado e a corrupção, incremento de medidas de confisco de bens criminosos, melhoria da utilização de recursos confiscados pela Justiça e Segurança Pública, retomada do controle de presídios estaduais pelas Forças de intervenção penitenciária, entre outros.

Nem sempre os desafios foram previsíveis. No dia 4 de janeiro de 2019, estourou a crise de segurança no Ceará. Anos de leniência com organizações criminosas deixaram-nas fortes e audaciosas. Diante de endurecimento da política carcerária pelo governo estadual, criminosos saíram às ruas para aterrorizar, provocando incêndios, explosões e destruição. Naquele momento, ainda estávamos cuidando da burocracia da nomeação dos cargos do ministério. Queríamos mais tempo para nos organizarmos, mas faltou combinar com os criminosos. Agimos com rapidez, enviando a Força Nacional e a Força de Intervenção Penitenciária. Também solicitamos que a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal intensificassem ações na região. Com os esforços conjuntos com o governo do estado, a crise foi debelada em menos de 30 dias.

Interessante destacar que o Ceará vivenciou, na sequência, uma abrupta queda dos principais indicadores criminais, mérito do estado, mas a parceria de intervenção durante a crise teve o seu papel.

Foi um ano de aprendizado. Encaminhamos, ainda em fevereiro, um projeto de lei anticrime ao Congresso. Ações executivas são importantes, mas um projeto de lei inovador pode ter um impacto significativo contra o mundo do crime. Esperávamos, dada a importância do conteúdo, que a tramitação seria rápida, mas a expectativa foi frustrada. Tivemos que aprender a lidar com o Legislativo. Não foi fácil para um ex-juiz. Diálogo, paciência, diálogo, paciência, espera. O positivo é que, no final do ano, o projeto foi aprovado nas duas Casas do Congresso e, por isso, merecem todos os elogios.

Algumas propostas ficaram de fora, mas isso faz parte do debate democrático. Posso dizer que, nas relações com o Congresso, conheci parlamentares incríveis e dedicados, e que é fundamental compreender que eventuais resistências às propostas do Executivo fazem parte do jogo.

Foi um ano de resultados. Como disse, fomos incisivos contra o crime. Melhoramos também políticas voltadas ao consumidor e à Justiça. Enumerar todos os avanços da nossa pasta seria cansativo, mas sugiro que você leia o balanço publicado no site do MJSP (https://www.novo.justica.gov.br/balanco/). E para falar de resultados, nada melhor do que os fatos: números dos principais indicadores criminais caíram em 2019 em percentuais sem precedentes históricos. Os dados oficiais foram consolidados e estão disponíveis até agosto de 2019. Em comparação com o mesmo período do ano anterior, homicídios caíram 22,23%, com 6.684 vidas poupadas; roubos a banco, menos 36,4%; latrocínios menos 23,06% e roubos a cargas, menos 22,9%, entre outros.

Já disse publicamente que as forças de segurança pública estaduais e municipais também estão trabalhando e têm grande mérito. Mas, como se trata de queda no país inteiro, ouso dizer que parte dela, talvez significativa, está relacionada às políticas de Justiça e Segurança Pública do governo federal. Corremos o saudável risco – se a tendência se confirmar até o final do ano – de termos uma taxa relativa de homicídios menor do que 20 por 100 mil habitantes.

Agora precisamos olhar para frente. Bons resultados nos motivam a perseguir melhores. Sim, os crimes caíram, mas os números remanescentes ainda são muito ruins. Há muito que se fazer, como prosseguir no desmantelamento das organizações criminosas brasileiras, aprofundar o combate à violência urbana, melhorar as investigações contra corrupção. Precisamos, no campo legislativo, retomar a execução da condenação criminal em segunda instância.

A maior integração das forças de segurança, por meio de centros integrados e forças-tarefas permanentes, e o fortalecimento da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, por meio de concursos, nos deram condições de continuar sonhando e melhorando, cada vez mais.

Se o leitor chegou até aqui é porque desconsiderou a advertência inicial. O que posso dizer de alento, para recompensar a confiança, é que a missão está longe do fim. Ainda precisamos consolidar os avanços anticorrupção e estendê-los ao combate do crime organizado e dos crimes violentos. A explicação mais simples continua sendo a verdadeira.

Sergio Fernando Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato, é ministro da Justiça e Segurança Pública.

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