FelipeMoura Brasil

O conselheiro Toffoli no establishment de Bolsonaro

03.01.20

Dias Toffoli fechou 2019 com duas confissões que, na prática, confirmam a subserviência da família Bolsonaro ao presidente do Supremo Tribunal Federal.

A primeira foi sobre a escolha do momento oportuno para mandar soltar – com seu voto de desempate, claro – o padrinho Lula e o ex-chefe José Dirceu, além de outros milhares de criminosos condenados em segunda instância.

Para Toffoli, “o tempo de pautar o julgamento foi importante”. “No início do ano, em que havia aqueles embates mais fortes, momento de acomodação, novo Congresso, novo Palácio do Planalto, nova Esplanada dos Ministérios, se julgasse aquilo naquele momento, por abril, talvez tivesse um tipo de reação diferente”, disse o presidente do STF ao Estadão, sem mencionar que uma das razões específicas de ter adiado a rediscussão do tema havia sido o desgaste do STF com a decisão, tomada em 14 de março, de que crimes eleitorais como o caixa 2, cometidos em conexão com outros crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, devem ser enviados à Justiça Eleitoral – aquela que absolveu a chapa Dilma-Temer por excesso de provas.

“Com o passar do ano, as questões vão se acomodando, ficou um momento mais adequado. Tanto que aqui na frente não havia manifestações. Eram cinco pessoas de um lado e cinco pessoas do outro. Não houve nenhum tipo de reunião que fosse de algum modo expressivo. Foi zero. A escolha do momento foi correta. É uma sintonia muito fina”, concluiu Toffoli, vangloriando-se, na prática, do seu próprio oportunismo.

Como apontei em uma porção de artigos publicados desde a decisão do ministro, tomada em julho, no recesso judiciário, de suspender todas as investigações do país baseadas em dados da Receita e do Coaf, incluindo a de Flávio Bolsonaro: a direita flaviana não apenas se calou por pavor de melindrar o companheiro Toffoli, mas também blindou o presidente do STF contra a CPI da Lava Toga, boicotou manifestações a favor da prisão em segunda instância marcadas para antes do término do julgamento e, depois de abertas as portas da cadeia, ajudou, em parte, a convocar ato exclusivamente pelo impeachment de Gilmar Mendes, embora manifestantes alheios ao berrante tenham ousado nas ruas, felizmente, cobrar o impeachment de Toffoli também.

Pautar a prisão em segunda instância antes do julgamento sobre o compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público garantiu ao presidente do STF o “momento mais adequado” de silêncio da família Bolsonaro e dos movimentos mais bolsonaristas, independentemente de ter havido ou não um “acordão” verbalizado entre as partes.

Publicamente, o “acordo” com Toffoli que o governo Bolsonaro verbalizou foi o “acordo de percepção, de engajamento em temas maiores”, descrito pelo ministro Jorge Oliveira a Crusoé em setembro como “um propósito” comum entre eles de “salvar o país da crise econômica”. Considerando o entendimento declarado pelo presidente do STF de que a “Lava Jato destruiu empresas”, nota-se que seu remédio para a economia passa pela contenção da Lava Jato, não só com a soltura de condenados em segunda instância, mas também, entre outras medidas, com a invenção da regra de que réus não colaboradores têm de apresentar alegações finais somente depois de réus colaboradores.

A segunda confissão de Toffoli, sobre seu aval a Jair Bolsonaro para sancionar a criação do “juiz de garantias” – jabuti inserido no pacote originalmente anticrime de Sergio Moro –, escancara que o presidente da República prefere o conselheiro Toffoli ao ministro Moro (cuja potencial indicação ao Supremo também passou a enfrentar ressalvas de Jair: “Você tem que indicar alguém com chances de ser aprovado” pelo Senado).

A segunda confissão indica ainda a função de intermediário de Jorge Oliveira, nomeado à Secretaria-Geral da Presidência justamente porque é camarada do presidente do STF, ex-assessor de Eduardo Bolsonaro, doador de campanha de Flávio e filho do falecido capitão Jorge Francisco, que atuou por 20 anos como assessor de Jair na Câmara e repassou, entre 2004 e 2016, 81 mil reais para campanhas do então deputado e seus filhos, segundo o TSE (o que lhe rende, no atual PSL, o apelido de “Queiroz do Jair”).

“Fiz chegar que era factível e era possível implementá-la. Não me lembro se foi direto (com Jair Bolsonaro) ou através do Jorge (Oliveira)”, disse Toffoli, com intimidade.

Além de nota oficial do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro publicou três tuítes mostrando-se desde “sempre” contra a criação do “juiz de garantias”, sancionado por Jair Bolsonaro, e chamando de “mistério” o modo como será feito, nas comarcas com apenas um juiz (40% do total), um “rodízio de magistrados” para resolver a necessidade de outro juiz. “Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta”, comentou o ministro. Em parecer ao presidente da República, como foi revelado em seguida, a sua pasta ainda havia alertado que a sanção “dificultaria ou, até mesmo, inviabilizaria a elucidação de casos complexos” como os de corrupção e lavagem de dinheiro.

Este Jair Bolsonaro – que cogita indicar ao STF Jorge Oliveira ou outro amigo de Toffoli no governo, o advogado-geral da União, André Mendonça, que organizou até livro em homenagem ao presidente do Supremo e legitimou seu inquérito ilegal – vem trocando o discurso anti-establishment que o elegeu pelas atitudes pró-establishment no poder, contando inclusive com dois membros do Centrão como líderes governistas no Congresso: os emedebistas Fernando Bezerra Coelho, acusado pela Polícia Federal de ter recebido milhões de reais de propina quando era ministro do governo Dilma, e Eduardo Gomes, que chegou ao partido a convite de Renan Calheiros. Isto sem falar no ex-advogado de campanha do PT Admar Gonzaga, que agora dá as cartas no partido bolsonarista em formação, Aliança pelo Brasil.

Com auxílio de seus filhos, blogueiros de crachá, militantes de gabinete, jornalistas de emissoras favorecidas pela Secom e influenciadores dispostos a ignorar todas as imoralidades e conivências dessa turma em nome de qualquer melhora econômica, como faziam os petistas quando o alto preço das commodities turbinava a economia, Jair Bolsonaro tenta “preparar a opinião pública” – expressão que ele próprio usou ao indicar que sancionaria também o fundão eleitoral de 2 bilhões de reais – antes e depois de cada escolha comprometedora que faz. O problema é que as narrativas preparadas ficam cada vez mais distantes da realidade, como já notou um monte de seus eleitores no Twitter, que agora emplacam hashtags como #BolsonaroTraidor e #Moro2022.

É nisso que dá virar “Toffoli Futebol Clube”.

* Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.

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