DiogoMainardina ilha do desespero

A imbecilidade é contagiosa

10.01.20

Alguns dias atrás, a TV Brasil censurou uma reportagem sobre o Pasquim. A reportagem citava um episódio ocorrido em 1970, durante a ditadura militar. O jornal carioca, impedido pelos censores da época de noticiar a prisão de nove de seus integrantes, havia debochado do regime, atribuindo o desaparecimento de sua equipe a um misterioso surto de “gripe do Pasquim”.

Sou grato à epidemia que acometeu o Pasquim. Os espirros totalitários acabaram empurrando Ivan Lessa e Paulo Francis para fora do Brasil. No ambiente menos insalubre de Londres e de Nova York, tornei-me uma espécie de pupilo abastardado dos dois.

Paulo Francis foi preso pelo AI-5. Ivan Lessa se livrou da cadeia, mas todas as semanas, como editor do Pasquim, ele tinha de negociar o conteúdo do jornal com os militares encarregados de fazer a censura prévia. Ele se aproveitava da imbecilidade dos censores para tapeá-los, publicando um monte de notícias proibidas. Meio século mais tarde, eu me sinto tão imbecil quanto os censores, porque não anotei as histórias que Ivan Lessa me contou. Estão perdidas para sempre. Quer um conselho? Anote, anote sempre.

A censura da TV Brasil, de 2020, não tem nada a ver com a censura do Pasquim, de 1970. Não há mais ditadura militar nem AI-5. Além disso, ninguém assiste àquela porcaria de TV estatal, que só continua existindo porque Jair Bolsonaro descumpriu uma promessa de campanha. Mas o fato é que a imbecilidade é contagiosa. E os perdigotos aloprados podem contaminar organismos mais suscetíveis, como ocorreu no caso da censura à Crusoé, no ano passado, ou da censura ao Porta dos Fundos, na última quarta-feira. A gripe do Brasil é persistente. Atchim.

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