FarsDocumento de uma das vítimas: Irã não fechou o espaço aéreo, deixando que aviões decolassem em meio ao perigo

O míssil da irresponsabilidade

Guerra com os EUA? Não. O episódio que mais deixou mortos na semana foi a derrubada de um avião de passageiros por um míssil iraniano
10.01.20

O voo da Ukraine International Airlines decolou do aeroporto Imã Khomeini, em Teerã, na manhã da quarta-feira, 6h12, horário local, com destino a Kiev, na Ucrânia. A maior parte dos passageiros era composta por estudantes universitários que voavam para o Canadá após passar alguns dias com suas famílias e amigos no Irã.

Dois minutos depois, um míssil lançado pela Guarda Revolucionária do Irã atingiu o avião, que caiu em uma zona agrícola. Ninguém sobreviveu. Entre os 176 mortos, havia 63 canadenses, onze ucranianos, dez suecos, quatro afegãos e quatro britânicos.

O desastre ocorreu quatro horas depois de o Irã disparar 22 mísseis contra bases militares iraquianas que abrigavam soldados americanos em resposta à morte do general Qassem Soleimani. Se a preocupação inicial era com a quantidade de mortos que uma guerra com os Estados Unidos provocaria no Oriente Médio, o episódio mais letal da semana foi aquele provocado pelo regime dos aiatolás contra sua própria população — para não falar das dezenas de pisoteados durante o funeral de Qassem Soleimani.

FarsFarsLocal da tragédia: governo enviou escavadeira para enterrar evidências
De maneira inexplicável, aviões comerciais continuaram partindo do aeroporto de Teerã após o Irã ter desferido o ataque a bases iraquianas. “O mais adequado para preservar a segurança dos voos civis é fechar o espaço aéreo. Se eles não queriam dizer o motivo para tanto, poderiam ter inventado qualquer desculpa”, diz o analista militar Andrei Serbin Pont, de Buenos Aires.

Agências de outros países foram mais responsáveis. Minutos após o ataque contra as bases, a Agência Americana de Aviação emitiu um comunicado proibindo aviões americanos de sobrevoar o Irã, o Iraque, o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã. Companhias aéreas do mundo inteiro seguiram o exemplo e desviaram suas aeronaves. As autoridades iranianas não tiveram a mesma preocupação.

Depois do episódio, os iranianos ainda fizeram o possível para não ser culpabilizados. A primeira notícia publicada na agência iraniana dizia que o avião caiu devido a problemas técnicos. Foi a perícia mais rápida da história. O chefe da agência de aviação civil do Irã, Ali Abedzadeh, ainda disse que o país não entregaria a caixa-preta do avião para a Boeing, a fabricante, ou para os Estados Unidos.

Na quinta-feira, 9, Bedzadeh tentou desacreditar as declarações e as reportagens — inclusive com vídeo (assista acima) verificado pelo jornal New York Times  — sobre o avião abatido em pleno ar. O porta-voz das Forças Armadas iranianas, general Abolfazl Shekarchi, disse que elas eram ridículas e que faziam parte de uma guerra psicológica dos Estados Unidos. No local da tragédia, uma escavadeira foi enviada para remover pedaços da fuselagem do avião, em uma clara tentativa de enterrar possíveis vestígios do míssil.

Daniel LoboDaniel LoboPropaganda iraniana lembra a morte de passageiros em 1988
As evidências, no entanto, não pararam de surgir, para além do vídeo. Satélites americanos registraram o lançamento do míssil e uma explosão em pleno ar. Três fotos da ponta de um míssil russo Tor-M1 (a arma disparada contra o avião) apareceram nas redes sociais. E imagens da fuselagem mostravam buracos que indicam o impacto de um projétil.

Antes do desastre, na segunda, 6, o presidente do Irã, Hassan Rouhani, publicou no Twitter uma mensagem lembrando que, em 1988, um navio americano abatera um avião comercial iraniano, matando 290 pessoas. Naquele ano, a Guerra Irã-Iraque estava no seu final, com os Estados Unidos do lado dos iraquianos. Quando estava sendo atacado por duas lanchas iranianas nas águas do Estreito de Ormuz, o navio USS Vincennes avistou uma aeronave no radar. Os marinheiros enviaram repetidos avisos, mas não receberam resposta. Entendendo que podia tratar-se de um caça F-14, eles derrubaram o avião. O episódio acabou sendo esquecido pelo resto do mundo por estar inserido no meio de uma guerra que deixou 500 mil mortos, mas desde então tem sido um dos eixos da retórica antiamericana iraniana.

Ainda em 1988, uma investigação do Departamento de Defesa americano concluiu que o Irã deveria compartilhar a responsabilidade pela tragédia, por permitir que o avião de passageiros decolasse de um aeroporto que também era usado por militares e voasse na direção de onde ocorria um conflito armado. Agora foram os próprios iranianos que dispararam o míssil.

Atualização: na madrugada do sábado, 11, o Irã admitiu ter derrubado o avião ucraniano

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