Dida Sampaio/Estadão ConteúdoCarlos Bolsonaro reivindica o controle da Secom desde o início do governo. Recentemente, ele ampliou a pressão

Carluxo vai levar?

Problema para um, oportunidade para outro: denúncia contra chefe da Secom dá a Carlos Bolsonaro nova chance de se apoderar, de corpo e alma, da comunicação do governo
17.01.20

Desde o primeiro dia da gestão do pai, Carlos Bolsonaro – o filho “02” do presidente da República – move-se para controlar uma das áreas mais estratégicas do governo: a comunicação. Carluxo, como é conhecido, já exercia indisfarçável influência sobre o setor desde a campanha eleitoral. No terceiro andar do Planalto, com o beneplácito de Jair Bolsonaro, Carlos ampliou seu raio de ação. Instalou uma espécie de bunker ideológico, a poucos passos do gabinete presidencial, no que ficou pejorativamente conhecido como “gabinete do ódio”, e passou a tutelar servidores de confiança que militavam na guerrilha digital em favor do governo nas redes sociais. “Não esqueçam jamais. A prioridade é ganhar a guerra da comunicação”, costumava afirmar Carlos aos seus subordinados nos dias inaugurais dos Bolsonaro no poder.

Para o 02, no entanto, comandar apenas um naco de uma miríade de possibilidades na comunicação governamental sempre foi motivo de frustração -– e o pomo da discórdia dele com o pai, com quem mantém uma relação emocional e conflituosa, entre altos e baixos. No primeiro ano de governo, Carluxo investiu contra tudo e todos os que na Secretaria de Comunicação Social da Presidência, a Secom, tentaram fincar bandeira. E eis que na quarta-feira, 15, foi escancarado um imenso umbral para Carluxo, finalmente, alcançar o que sempre cobiçou. Uma reportagem publicada pela Folha de S.Paulo revelou que o atual chefe da Secom, Fabio Wajngarten, recebe, por meio de uma empresa da qual é sócio, a FW Comunicação LTDA, dinheiro de emissoras de TV e agências de publicidade que recebem verbas da secretaria. A FW mantém contratos com ao menos cinco empresas beneficiadas com publicidade oficial, entre elas a Band e a Record. Wajngarten é dono de 95% das cotas da FW. O caso é praticamente a definição lexicográfica da expressão “conflito de interesses”, vedada pela lei e enquadrada como improbidade administrativa.

No mesmo dia do petardo lançado contra Wajngarten, Crusoé revelou que o secretário de Comunicação colocou o irmão do seu adjunto, Samy Liberman, para comandar a empresa. Uma das justificativas usadas na defesa de Wajngarten era de que ele havia se afastado da empresa e colocado um “administrador” no lugar assim que assumiu o cargo no governo de Jair Bolsonaro, em abril de 2019. A partir da revelação de Crusoé, soube-se que o administrador em questão era justamente o irmão do seu número 2 na Secom.

Marcos Oliveira/Agência SenadoMarcos Oliveira/Agência SenadoWajngarten: a sua empresa recebe pagamentos de emissoras com contratos com a Secom
Bem antes de a denúncia vir a público, Carlos Bolsonaro já operava nos bastidores para tentar fragilizar Wajngarten. No dia 25 de dezembro, mandou às favas o espírito natalino e foi às redes sociais desqualificar o trabalho do chefe da Secom. “É lamentável somente nós lutarmos para mostrar o que tem sido feito de bom 24h ao dia, enquanto se vê uma comunicação do governo que nada faz”, disparou Carlos. Dias antes, já havia chamado a Secom de “bela porcaria”. Como noticiou Crusoé ainda na noite de quarta-feira, 15, interlocutores do secretário acreditam que a intenção do filho 02 do presidente é emplacar o blogueiro Allan dos Santos, o “Allan Terça Livre”, no cargo.

Discípulo de Olavo de Carvalho, Allan dos Santos se notabilizou pelo empenho em disseminar notícias falsas e pela virulência dos ataques a adversários. Pelo Twitter, Allan reagiu à sua maneira elegante à publicação de Crusoé. “Blogueiro é o cu da sua mãe”, escreveu. “Tua mãe”, acrescentou Carlos Bolsonaro. Acuado pelas denúncias, Wajngarten ameaçou “explodir” a ponte de diálogo entre o governo e a imprensa. Se Allan Terça Livre for alçado ao cargo, reconhecem auxiliares do próprio presidente da República, não haverá técnica de engenharia capaz de reconstruí-la.

Jair Bolsonaro, por ora, defende o chefe da Secom, mas abre brecha para  eventual futura troca. “Se for ilegal, a gente vê lá na frente”, afirmou o presidente. O titular da Comunicação e o próprio Bolsonaro conheceram-se em um jantar na casa do empresário Meyer Nigri, dono da incorporadora Tecnisa, em São Paulo. Quem levou o então presidenciável ao encontro foi o advogado Frederick Wassef, advogado do senador Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Os laços foram estreitados no momento mais crucial da vida de Bolsonaro: quando sofreu um atentado a faca durante a campanha eleitoral. Filho de um renomado cardiologista do hospital Albert Einstein, Wajngarten foi quem intermediou a transferência do então candidato de Juiz de Fora para São Paulo e convenceu a família de Bolsonaro a levá-lo para o Einstein, a despeito do lobby do maior concorrente, o Sírio-Libanês. Fabio começou a ser cotado para integrar o governo já na transição. A nomeação, entretanto, só ocorreu em abril.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéPublicamente Bolsonaro tem bancado a permanência do secretário, mas nos bastidores a demissão vem sendo considerada
Se acabar abatido, Wajngarten colherá o que sempre plantou. O todo poderoso da Secretaria de Comunicação Social mergulhou de corpo e alma nas intrigas palacianas. Por obra e graça suas, as relações com empresas de comunicação, que — sabe-se agora – eram clientes da empresa da qual é sócio, eram conduzidas de maneira melíflua. Foi nesse contexto que Wajngarten conferiu poderes a um assessor do SBT. Trata-se de Edson Giusti, dono da Giusti Comunicação. Embora não tenha contrato com a Secretaria de Comunicação, Giusti é apontado com uma das pessoas com mais trânsito na área de comunicação do governo e do Palácio do Planalto. No papel, Giusti presta serviço como assessor do “01” Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro, embora seja visto com frequência no Planalto. O senador foi apresentado a Giusti por Wajngarten.

Assim como a FW do chefe da Secom, Giusti mantém contratos com grandes empresas, incluindo algumas investigadas pela Lava Jato. Segundo o site da Giusti Comunicação, além do SBT, ele atua para Camargo Corrêa, Alpargatas, Centauro e Banco BMG. A dupla Wajngarten-Giusti foi responsável por aproximar a TV de Silvio Santos do governo Bolsonaro. No início do governo, quando o caso Queiroz veio à tona, foi para a emissora que Fabrício de Queiroz e Flávio Bolsonaro concederam entrevistas. Desde que Wajngarten assumiu o cargo, a emissora viu sua parte da fatia do dinheiro destinado pela Secom à TV subir um pouco, de 22,5% para 24,7%. Procurado pela reportagem, Giusti afirmou que “presta serviço particular” a Flávio Bolsonaro e que “tem contrato de assessoria de imprensa com o SBT há dez anos”. Indagado sobre a relação com Wajngarten, disse que o trabalho com Flávio Bolsonaro o levou, “a pedido da imprensa, a ajudá-la a tentar contato com a Secom”. Ele negou, porém, qualquer relação com a FW.

Logo após fazer um pronunciamento à imprensa no Salão Leste do Planalto na quarta-feira, 15, Wajngarten participou de uma reunião no gabinete do ministro da Secretaria-Geral da Presidência e subchefe para Assuntos Jurídicos do Planalto, Jorge Oliveira, no quarto andar. Lá, encontrou outros dois ministros: o da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, e o da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, a quem responde diretamente. Na reunião, que não foi registrada na agenda de nenhum deles, e que não contou com a presença de Jair Bolsonaro, Wajngarten foi questionado sobre detalhes da atuação de sua empresa e instado a apresentar documentos mostrando que comunicou previamente à Comissão de Ética da Presidência que era dono da companhia, embora afastado da administração. O chefe da Secom saiu da reunião com a sensação de que conseguiu comprovar que não há conflito de interesses na relação. Fontes da área jurídica do governo, porém, ponderam que tudo pode mudar, caso fique comprovado que Wajngarten tomou alguma decisão para beneficiar a sua própria empresa.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO ministro Ramos, chefe imediato de Wajngarten: perguntas sobre os contratos
O fato é que a comunicação do governo sempre foi uma questão mal resolvida pelo presidente desde a proclamação do resultado da eleição. Na falta de uma estratégia sobre como agir em relação à imprensa, Bolsonaro preferiu o conflito. Quem tentou harmonizar a relação foi apeado, como o general Santos Cruz, até então amigo do peito do mandatário do país. O pano de fundo dessa instabilidade é justamente a relação de Bolsonaro com o filho 02. Ainda no período de transição, o então presidente eleito ensaiou entregar a chave da Comunicação para Carlos Bolsonaro. “O cara é uma fera nas mídias sociais. Tem tudo para dar certo”, argumentou, em entrevista a O Antagonista.

Dias depois, pressionado por setores do governo, recuou. As redes sociais, no entanto, permaneceram sob a batuta de Carlos. Seu poder, embora limitado à estratégia digital, nunca foi pouco. Carluxo, por exemplo, era detentor da senha dos perfis oficiais do presidente nas redes. Derivou daí a mais rumorosa crise na relação mercurial entre pai e filho. Foi quando Carlos manteve por 24 horas na conta oficial do presidente no YouTube um vídeo com pesados ataques ao vice-presidente Hamilton Mourão, e os dois discutiram ao telefone. Na manhã seguinte, um domingo, depois de obrigado pelo pai a excluir o vídeo, Carlos desapareceu de casa. Os detalhes da crise estão contados no livro Tormenta: O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, da jornalista Thaís Oyama. Jair Bolsonaro teria ficado transtornado. “Teclou para os amigos do filho perguntando sobre seu paradeiro. Telefonou para o próprio e lhe mandou seguidas mensagens de WhatsApp — todas sem acusação de recebimento. Naquele dia, o presidente não desgrudou do celular e mal conseguiu despachar”, escreveu a jornalista.

Não foi a primeira vez. Durante a campanha, Carlos ameaçou ir embora para nunca mais voltar, caso o pai insistisse em nomear Gustavo Bebianno como ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Como Bebianno acabou guindado ao cargo, Carluxo cortou a comunicação com o pai. Para refazer as pontes com “02”, conta a jornalista, Bolsonaro colocou Alexandre Ramagem na direção da Abin, contrariando o general Valério Stumpf, então secretário executivo do Gabinete de Segurança Institucional. Em contrapartida, ficou do lado do general Santos Cruz quando ele vetou a ida do primo Léo Índio para a Secom, onde ocuparia um cargo em comissão DAS 5, o segundo posto mais caro da estrutura federal. Tanto Santos Cruz quanto Bebianno cairiam em desgraça meses depois. Por trás das demissões, claro, lá estava ele, Carlos Bolsonaro.

O orçamento da Secretaria de Comunicação da Presidência para campanhas publicitárias foi de quase 200 milhões de reais em 2019. Além da verba milionária, a pasta conta com estrutura e funcionários para uma atuação coordenada e estruturada na internet. A Secom tem, ao todo, 180 servidores, dos quais 138 em cargos comissionados. Entre as áreas montadas na secretaria, estão coordenações de foto, áudio, vídeo, conteúdo, gestão de canais digitais, logística, publicidade, eventos e imprensa. Um aparato que faz reluzirem os olhos do filho 02 do presidente. Para Carlos, é a grande trincheira da “guerra ideológica”. A saber se Bolsonaro entregará ao filho, ou a alguém por ele escolhido, o figurino de comandante.

Com reportagem de Fabio Serapião

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