Radares em novo round
Um dos grandes inimigos eleitos por Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de governo não tem ideologia, doutrina ou partido político, mas foi classificado pelo chefe do Palácio do Planalto como responsável por uma “grande roubalheira”. O sistema de fiscalização eletrônica das estradas que cortam o país virou o alvo de uma cruzada pessoal do presidente da República. Ao comprar briga contra esse oponente incomum, ele desagradou até parte de seus aliados, mas ganhou o apoio de influentes forças populares. Seis meses depois de Bolsonaro anunciar que o Brasil não teria mais radares móveis, o que motivou uma guerra política e judicial, o governo finalizou um trabalho de reavaliação de todo o sistema de monitoramento das rodovias. O estudo será apresentado na próxima terça-feira, 11, ao Conselho Nacional de Trânsito. Parlamentares e militantes em defesa do trânsito seguro já preparam a resistência para o segundo ato da campanha de Bolsonaro contra os radares.
Crusoé apurou que o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), vinculado ao Ministério da Infraestrutura, apresentará ao colegiado uma proposta de alteração da Resolução 396, em vigor desde 2011. A legislação fixa os requisitos mínimos para a fiscalização da velocidade de veículos. A ideia prévia, segundo fontes ouvidas pela reportagem, é dificultar ao máximo a instalação dos equipamentos, para dar uma roupagem técnica à vontade de Bolsonaro. O governo pode, por exemplo, impor mais exigências para autorizar o funcionamento de radares. Hoje, o estudo técnico prévio precisa contemplar características da via, como aclives e declives, o fluxo de carros e de pedestres, a velocidade da área fiscalizada, a média de acidentes no local e outros potenciais de risco. Mas para tornar as regras mais rígidas é preciso submeter a proposta ao Conselho Nacional de Trânsito, que é o órgão máximo normativo e consultivo para assuntos relacionados ao tema. O segundo round da luta de Bolsonaro contra os radares começa na semana que vem. Em nota, o Ministério da Infraestrutura confirmou que a proposta já está em avaliação pelas câmaras temáticas do Conselho Nacional de Trânsito e que será apresentada aos conselheiros na reunião marcada para os próximos dias.
As contestações do presidente com relação à fiscalização eletrônica de rodovias começaram no fim de março do ano passado, quando ele anunciou, pelas redes sociais, a suspensão da instalação de 8 mil radares em pistas federais. Prometeu ainda rever todos os contratos para verificar a “real necessidade dos aparelhos” e para que não houvesse “dúvidas quanto ao enriquecimento de poucos em detrimento da paz do motorista”. Em agosto, um novo episódio polêmico: o presidente anunciou o fim da fiscalização com radares móveis em todo o Brasil e proibiu a Polícia Federal de multar motoristas usando aparelhos portáteis.
O debate em torno do controle eletrônico de velocidade envolve um jogo de forças e de lobbies políticos poderosos. De um lado estão motoristas, principalmente caminhoneiros, que correm o risco de perder a carteira de habilitação diante do excesso de multas e pontos. O presidente Jair Bolsonaro não esconde o receio que a categoria lhe impinge. A briga com governadores por causa do preço do combustível é um exemplo do que o governo está disposto a fazer para evitar uma nova greve de caminhoneiros – ameaça que paira como nuvem negra sobre o governo, desde o ano passado. As declarações públicas do presidente contra os radares poucos meses depois de tomar posse foram outro aceno aos transportadores de cargas.
No outro extremo desse espectro de forças estão os empresários do bilionário setor de radares eletrônicos, muitos com interlocução e força no Congresso Nacional. A última grande licitação realizada pelo DNIT, em 2016, teve valor estimado de 2,3 bilhões de reais – montante que acabou reduzido a pouco mais de 1 bilhão de reais com a concorrência pública. Ao todo, oito empresas firmaram contrato com a União, em decorrência dessa licitação, e têm interesses econômicos na manutenção dos radares.
Dados da Polícia Rodoviária Federal compilados pelo SOS Estrada mostram que, no primeiro trimestre de 2019, houve uma média de 398 mortes por mês. A partir de abril, quando o presidente começou sua cruzada contra os radares, até dezembro, a média mensal subiu para 460 vítimas. Na contramão dos SOS Estrada, o presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, Diumar Bueno, que representa os caminhoneiros, milita contra o que chama de abusos do sistema de fiscalização. “Somos favoráveis ao controle de velocidade, mas achamos que esse sistema de radares eletrônicos é uma política equivocada, que não cumpre o objetivo de redução de velocidade”, argumenta. “Está comprovado que há um esquema de arrecadação. O modelo e o método estão errados e esperamos que o governo reveja tudo isso no processo de reavaliação da fiscalização eletrônica”, acrescenta Bueno.
Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.