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A ousadia da ponderação

O governador gaúcho critica o radicalismo dos extremos que dominam a cena nacional e defende o diálogo para tirar o país do buraco
28.06.19

As dificuldades do governo do presidente Jair Bolsonaro para aprovar reformas passam longe das que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, enfrenta em seu estado para tentar resgatar as finanças públicas. Com uma base de apoio que passa de 80% dos deputados estaduais, o tucano de 34 anos, mais jovem governador do país, não tem tido grandes problemas na discussão de temas como a privatização de estatais e a reformulação da carreira de servidores públicos. A receita, diz, é fazer política. “Estamos experimentando as dificuldades do radicalismo”, afirma, ao analisar os conflitos quase permanentes que o Palácio do Planalto e o Congresso têm protagonizado desde a posse de Bolsonaro. “No Brasil de hoje, o mais fácil é ser radical, para qualquer dos lados. Mas tem coragem mesmo quem tem ousadia de fazer a ponderação.”

Para Eduardo Leite, é preciso investir no diálogo. Ele conta que, antes mesmo de assumir o cargo, reuniu-se com representantes de todos os partidos com assento na Assembleia, para defender a aprovação de uma proposta que beneficiaria o governo. Deu certo. Até o PT votou a favor. O convívio do governador com a oposição vem desde a adolescência, quando integrava a Juventude do PSDB ao mesmo tempo em que dividia a chapa do grêmio estudantil de sua escola, em Pelotas, com petistas. Depois, ele virou vereador e prefeito da cidade, até vencer a eleição estadual em 2018. O tucano tem sido presença constante em Brasília. Ele é um dos líderes da articulação para que estados e municípios entrem na reforma da Previdência, algo que, até o momento, parece incerto. A seguir, os principais trechos da entrevista do governador a Crusoé.

Estados e municípios não foram incluídos, até agora, na proposta da reforma da Previdência. Qual será o impacto disso?
Significa uma meia reforma, com meio efeito, meio entusiasmo do setor privado, meio emprego, meia geração de renda. O Brasil, depois de ter passado pela profunda recessão econômica por que passou e viver uma tímida recuperação econômica, não pode se dar ao luxo de ter meio crescimento. Temos que buscar a mais profunda reforma, que anime o setor privado a promover investimentos para o Brasil. Se a federação estiver doente nas partes que a compõem, com sistemas previdenciários que vão levar estados e municípios a problemas no futuro, o que vamos assistir é a estados e municípios procurando socorro na União e, consequentemente, todo mundo pagando a conta. A gente precisa da reforma por completo.

A exclusão não se deve ao fato de muitos governadores terem defendido a reforma em Brasília, mas se posicionado contra ela nos seus estados para não desagradar aos eleitores?
A reforma não é sobre uma questão política apenas. É uma oportunidade que o Brasil tem, depois de uma profunda recessão, de dar uma resposta clara e objetiva à necessidade de saneamento das finanças públicas. O que mais pressiona o orçamento são os sistemas previdenciários e a questão político-eleitoral vai interferir tirando essa oportunidade? Isso me deixa indignado.

Mas muitos governadores optaram por esse caminho, não?
Há governadores que fizeram manifestações contrárias a alguns pontos da reforma, e que, sem dúvida nenhuma, acabaram tumultuando o processo. É importante que governadores se manifestem claramente em relação à reforma de modo a poder ajudar a proporcionar um ambiente político que dê sustentação aos deputados para sua aprovação. Naturalmente, deputados têm preocupação com a repercussão política das suas ações e decisões — e se não enxergam os governadores dando apoio para abrir o espaço político, isso cria dificuldades para votarem a favor.

O sr. tem apresentado uma agenda de reformas no seu estado. As resistências são semelhantes às de Brasília?
Dentre outras coisas, estamos privatizando empresas e alterando a estrutura de carreira do servidor público. Mas reformas geram resistências. No modelo que está estabelecido, alguém está ganhando e naturalmente haverá reação a um novo modelo. O importante é que essas reações sejam superadas com diálogo e capacidade de articulação política para viabilizar a aprovação de reformas. No Rio Grande do Sul, temos 17 partidos na Assembleia e conseguimos reunir 13 na base aliada. Há ainda um 14º partido que se aproxima ideologicamente, o Novo, que tem colaborado com as reformas. Não tem jeito, tem que exercer ao máximo o diálogo e a composição política para viabilizar.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“O Brasil não pode se dar ao luxo de ter meio crescimento”
É isso que falta ao governo federal para que ele tenha uma vida mais fácil no Congresso?
Estamos experimentando as dificuldades do radicalismo. Dificuldades de aprovar projetos e criar consensos. O confronto entre grupos é um problema que prejudica o país. O que a gente observa, no âmbito do governo federal, são atritos gerados em outras pautas que acabam tumultuando esse processo e tirando o foco da reforma da Previdência. O governo acaba trabalhando outras pautas polêmicas menores em ordem de prioridade.

Por exemplo?
A discussão com as universidades, que gerou mobilizações no país inteiro. Agora, essa questão do Código de Trânsito. Acaba tumultuando e atrapalha o processo em direção ao que é mais importante, que é a reforma da Previdência.

Mas Bolsonaro não foi eleito com essas bandeiras?
Pode ter uma maioria que não escolheu o radicalismo, que escolheu evitar um campo político. Não creio que todos que votaram no Bolsonaro sejam radicais. Muito da motivação da eleição dele foi evitar um modelo político-econômico-ideológico que causou muitos transtornos ao país. Não quer dizer que a maioria da população seja radical ou queira exterminar quem pensa diferente. No Brasil de hoje, o mais fácil é ser radical, para qualquer dos lados. Mas tem coragem mesmo quem tem ousadia de fazer a ponderação.

Bolsonaro deveria tentar criar mais consensos em vez de polêmicas?
Quando se fala em política, a opinião sobre o que é certo ou errado é muito subjetiva. Há leituras e interpretações diversas. Tem que ter a disposição de ouvir, ser permeável ao argumento dos outros, entender as razões dos outros e dar condições de construir consensos mínimos. E fazer concessões legítimas. A política exige essa capacidade de entender o que motiva determinado setor ou segmento e fazer concessões que gerem benefícios para esse setor. Para que, ao final, abra espaço para que se possa implementar uma política pública em determinada área sem precisar passar por cima de ninguém. Isso não significa fazer concessões irreais ou contrárias a princípios que defendemos. A minha legitimidade como governador é a mesma que a dos deputados da oposição, que têm mandatos conquistados pelo voto popular. Ali não está representado apenas um partido ou um deputado, está uma parcela da população que não votou em mim, que votou em outra orientação político-ideológica e para a qual eu também devo governar. Essa ponderação é necessária para sentar à mesa, conversar, diminuir a radicalidade e ser mais efetivo no encaminhamento de soluções.

Como é sua relação com a oposição?
O PT faz oposição firme ao meu governo, mas temos tido condição de sentar e dialogar. Imediatamente depois da eleição, fui à Assembleia e visitei todas as bancadas, inclusive a do PSOL. Construímos juntos uma posição favorável à manutenção das alíquotas do ICMS que foram majoradas no governo passado e mantidas por dois anos. O PT havia sido contrário à majoração no governo anterior, mas foi favorável à manutenção das alíquotas graças à nossa postura de diálogo e também à deles de se disporem a dialogar.

Rodger Trimm/Palácio PiratiniRodger Trimm/Palácio Piratini“Estamos experimentando as dificuldades do radicalismo. Dificuldades de aprovar projetos e criar consensos”
No geral, qual é a sua avaliação do governo Bolsonaro?
Do ponto de vista econômico, vejo uma diretriz clara e acertada de modernização do país, de incentivar uma agenda pró-business, para estimular o setor privado a atrair investimentos. Para isso, ousa enfrentar temas que combatem a burocracia estatal para poder criar um ambiente melhor para os negócios. Sobre outras pautas, tenho minhas restrições, especialmente as que tratam de limitação de direitos individuais e à diversidade. São temas em que o governo vai na contramão do que deveria ir. Também tenho preocupação com a forma como a agenda da educação é conduzida. O modelo econômico mais liberal não precisa necessariamente passar por cima de quem pensa diferente.

O PSDB há duas semanas mudou sua direção, e agora é liderado pelo governador de São Paulo, João Doria. É um novo partido?
Essa história de novo PSDB é menos importante. O tempo que a gente vive exige renovação constante. O novo vira velho rapidinho. Isso serve para tudo. Tecnologia, moda, o jeito que conduzimos nossas vidas pessoais e profissionais. O importante é ter a disposição de se renovar constantemente. O velho PSDB deu muitas contribuições positivas ao país, estabilizou a economia, fez programas sociais relevantes e de impacto. Esse legado precisa ser respeitado. Agora, claro que tem que estar mais aberto para a sociedade, para se reconectar com o sentimento das ruas.

Mas o partido, por exemplo, nunca puniu os dirigentes flagrados em crimes com dinheiro público.
Talvez por não ter tido essa disposição de compreender esse novo momento da sociedade. O que o brasileiro mais deseja hoje é conduta ética e limpa na política. Então, filiados do PSDB que tenham cometido qualquer tipo de irregularidade ou conduta indesejada precisam ser chamados para enfrentar processos internos. Precisa ser dada uma consequência a seus atos. Se não houver isso, o PSDB estará definitivamente afastado do sentimento das ruas e da população.

O deputado Aécio Neves deve ser expulso do partido pelas denúncias de corrupção de que é alvo?
Não defendo expulsão sumária. Tem que ter processo para isso. O que me deixa inconformado é que o partido não tenha feito qualquer tipo de discussão interna sobre esse tema, assim como a respeito de outros filiados. O partido deve, sim, abrir um processo de conduta ética contra eles, porque houve condutas que não honram o que esperamos dos nossos homens públicos.

Afinal, o PSDB deu uma guinada à direita?
Sou contra esses rótulos, mas diria que hoje o PSDB tem uma posição de centro. Queremos um setor privado pujante, com espaço para empreender, mas também a participação do estado onde for necessário. Não tem como dizer que o mercado vai se encarregar de tudo. O estado tem um papel importante e deve atuar para reparar as falhas do mercado.

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