TV Globo/Divulgação

‘Arte não pode ser comício’

O ator Carlos Vereza elogia a escolha da amiga Regina Duarte para a Secretaria de Cultura, diz que a esquerda usa a arte como palanque e vê exagero nos que rotulam o governo como autoritário
24.01.20

Entre as personalidades mais destacadas da televisão brasileira que apoiam o governo declaradamente, talvez Carlos Vereza seja a única a ombrear com Regina Duarte, convidada nesta semana por Jair Bolsonaro para assumir a Secretaria Especial de Cultura. Como colega de profissão e amigo de Regina desde os anos 1970, o ator global elogia a escolha. Acredita que, por seu perfil de “pacificadora”, ela poderá levar novos ares para a secretaria, cujo chefe anterior, Roberto Alvim, foi defenestrado após reproduzir em vídeo trechos de um discurso de Joseph Goebbels, o mentor da propaganda nazista.

Vereza diz ver exageros no esforço para grudar no governo o rótulo de autoritário. “Qual livro que está censurado? Qual filme, peça, ou exposição que está censurada? Não tem nada. Teria que ter esses dados para concordar que seria um governo fascista e autoritário”, afirma nesta entrevista a Crusoé. Aos 80 anos, o ator mergulha numa viagem histórica para explicar o que soa como inaceitável para muitos de seus colegas da classe artística: o fato de ele, um ex-militante do Partido Comunista que foi preso e torturado pela ditadura, apoiar o atual governo.

Dos crimes praticados por Stálin na antiga União Soviética ao mensalão petista, descreve com a precisão de quem interpreta a própria biografia o roteiro que o fez abandonar bandeiras de esquerda e se aproximar do bolsonarismo e das ideias do “guru” Olavo de Carvalho. Crítico das políticas de gênero e da maneira como são aplicadas as verbas de incentivo à cultura, Vereza defende que as produções culturais não podem ficar dependentes da ação do estado e que a “arte não pode ser comício”. Eis os principais trechos da entrevista.

O sr. gostou da indicação da Regina Duarte para assumir a Secretaria Especial de Cultura?
Foi perfeito. Nós já trabalhamos juntos, temos o mesmo tempo de carreira, 60 anos de profissão. É uma pessoa que tem uma grande qualidade para esse momento conturbado. A Regina é pacificadora, essa é a grande qualidade dela. Tenho certeza de que ela vai chamar os colegas pedindo sugestões, pedindo projetos.

Mesmo com esse perfil que o sr. descreve, ela recebeu pouco apoio público da classe artística. Por quê?
Tem um setor da classe artística que só gosta de nadar em piscina de águas límpidas. Eles não arriscam nadar numa piscina de escombros, por alguns momentos, por um bem maior. Só se preocupam com a pauta de costumes. Eles não entendem que aqui não é a Suécia. Eles precisam entender que o Brasil é o maior país católico do mundo, e com evangélicos, espíritas, enfim, todas as tendências religiosas que se manifestam de forma muito expressiva. Por outro lado, o que eles têm contra a Regina Duarte? Não têm nada. A biografia dela é limpa, íntegra, honesta.

O problema desses artistas que criticam a escolha, então, não é a Regina Duarte?
Não é contra a Regina Duarte. O subtexto, ou melhor, o supertexto, é contra o Bolsonaro, obviamente. Eu não tenho muito saco para isso porque é uma indignação seletiva. Nunca se preocuparam quando o (Gilberto) Gil usava o Ministério da Cultura para fazer shows pelo mundo afora. Nunca se preocuparam com a quebra da Petrobras, do BNDES, com o Porto de Mariel… Nunca se preocuparam com isso. Então, eu só vou aceitar alguma crítica à amiga Regina se eles fizerem uma retrospectiva. Mas eles não vão fazer nunca. Ficam com esse papo de trans, de ideologia de gênero, uma coisa absurda, que vai contra a genética. A pessoa nasceu homem, o DNA é homem, fazer o quê. Toma uma tonelada de hormônio, pode operar aqui no Paraguai ou na Coreia do Norte, não adianta, o DNA não muda.

Por que a classe artística se alinha mais à esquerda?
Talvez porque a bandeira da esquerda tenha mais charme, embora a esquerda não tenha apresentado à humanidade nada de generoso. A esquerda através de seus vários representantes nunca teve um país onde a economia socialista tenha dado certo. Stálin matou mais de 100 milhões de inocentes, matou mais do que Hitler. Que bandeira é essa? Cuba mata homossexual. No Irã, jogam homossexual de cima do prédio. Deve ser porque é charmoso (o discurso), só por isso. Dados concretos, a esquerda não tem para apresentar. O Lula deixou 14 milhões de desempregados. O Lula deixou uma extraterrestre de um planeta escuro chamada Dilma Rousseff que acabou de esculhambar o país. Como assim levantar uma bandeira como se essa bandeira tivesse glória, virtude, honestidade? Não tem.

TV Globo/DivulgaçãoTV Globo/Divulgação“Regina é pacificadora. A biografia dela é limpa”
O sr. militou na esquerda, foi do Partido Comunista por anos. Quando deixou de ser de esquerda?
Começou quando a União Soviética invadiu a Hungria (em 1956). Ali, eu pensei: “parece Hitler, sai fora disso aí”. Depois veio a público aquele relatório do Kruschev (discurso secreto do ex-líder soviético revelando crimes de Stalin), e a gente não sabia daquilo. Embora o Partido Comunista daquela época não fosse esse partido oportunista de agora, eu não podia ficar num lugar que apoiava a invasão de um país. A esquerda não tem biografia para agredir a Regina ou quem quer que seja. É o que está aí. Tem que ter paciência. Eles querem o terceiro turno. Na verdade, querem derrubar o Bolsonaro. Mas o cara foi eleito, a gente tem que se acostumar com essa regra do jogo. Ele foi eleito por 57 milhões de pessoas. Quando chegar em 2022, vota em outra pessoa. É assim que a vida vai.

A esquerda usou esse mesmo argumento do terceiro turno na época do impeachment de Dilma Rousseff. Acusaram a direita de golpe porque não queriam seguir a regra do jogo eleitoral.
Como foi golpe se a mulher desrespeitou a lei de responsabilidade fiscal? Ela não respeitava nenhuma regra do jogo econômico. E ela teve sorte porque nunca havia tido um meio impeachment. O impeachment do Collor foi diferente, ele não podia fazer nada. A Dilma viaja pelo mundo de primeira classe, se candidatou depois para senadora em Minas e perdeu. Que golpe é esse que não elege uma vítima? Que impeachment é esse? Ela faz o que quer. Vai para os Estados Unidos, para a França, e sempre falando mal do país.

Muitos dizem que o governo Bolsonaro flerta com o autoritarismo e, nesse contexto, a reprodução do discurso nazista por Roberto Alvim foi explorada pelos críticos. Qual é a sua avaliação sobre o episódio?
Olha, eu conheço o Alvim e sei que ele não é nazista. Acho que ele teve um ataque de ego exacerbado e, no que quis falar de uma política cultural nacionalista e patriótica, acabou pegando carona em textos autoritários. O que eu achei vergonhoso foi certa mídia fazer suíte como se a fala dele fosse reflexo de um contexto autoritário do governo. Aí, não. O Alvim já vinha dando sinais de que ele estava indignado com a classe. Agora, dizer que ele pegou uma carona numa atmosfera nazista do governo é sacanagem.

O presidente Bolsonaro elogia o regime militar, que o prendeu no passado. Os filhos dão declarações polêmicas com frequência que soam como autoritárias. A família não alimenta essa impressão?
O Lula quando era presidente falou em regulamentar a imprensa, que é um eufemismo para censura. Ninguém falou nada na época. Eu votei e apoiei o Bolsonaro. Mas eu não comprei o pacote todo. Os heróis dele não são os meus heróis. Eu até entendo. O cara é militar, obviamente os heróis dele são militares. O que me tocou no Bolsonaro é que ele foi o único candidato que defendeu realmente as crianças. Isso para mim é muito sério porque eu sou voluntário há 30 anos de um lar espírita e achei isso importante. O diabo finge que não existe, faz questão de divulgar que ele não existe, que seria uma paranoia das outras pessoas. Mas ele existe. Tinha escola fazendo a ideologia de gênero. Todo mundo sabe que tinha marxismo cultural nas universidades.

TV Globo/DivulgaçãoTV Globo/Divulgação“Nunca teve um país onde o socialismo deu certo”
Há alguns anos o sr. enviou uma carta a Olavo de Carvalho dizendo que admirava a obra dele e que se sentia isolado. Qual era a razão da sensação de isolamento?
O que aconteceu foi que, em 2006, eu fui ao programa do Jô Soares e falei que tinha que prender o Ali Babá e os 40 ladrões. Ele perguntou: “Quem é o Ali Babá?” Eu falei: “É o Lula”. A partir dali, boa parte da classe artística ficou contra mim. E isso dura até hoje porque, para eles, o Lula é a reencarnação de algum avatar. É difícil. Como você vai discutir com seita? Seita não argumenta, ou se suicida ou fica rezando o dia inteiro. Eu não sou de esquerda, não sou de direita. Eu sou um cara que tenta pensar. Eu quero saber, neste momento, se o Bolsonaro vai resolver o problema do desemprego. Ele já conseguiu quase 1 milhão de empregos com carteira assinada. Eu fiquei muito contente. Fico contente quando o Paulo Guedes vai lá em Davos e dá um show. É isso que me toca. Porque definir se é uma coisa ou outra, a própria etimologia da palavra diz: definir é dar fim. Você rotula as pessoas para poder consumi-las. Eu te rotulo de fascista e a partir daí não tem mais diálogo. Presumo que você é um cara que gosta do Mussolini, do Franco, do Hitler. Infelizmente, é assim que as coisas caminham no Brasil.

Em meio à polarização política que o país vive, aplicar rótulo não é uma estratégia que tem sido usada por todos os extremos, inclusive pelo próprio presidente?
Concordo com você. Esse é o temperamento dele. Acho até que ele deveria usar mais o porta-voz. Porque, quando é provocado, ele responde imediatamente. Isso serve de gancho para certa mídia enfatizar o temperamento dele e deixar de falar das estradas asfaltadas, das carteiras de trabalho assinadas. Ele embarca em todas. Fazer o quê? Pelo menos ele não fala “mulher de grelo duro”, fala o português correto. Agora, me diga qual livro que está censurado? Qual filme, peça, exposição que está censurado? Não tem nada. Teria que ter esses dados para concordar que seria um governo fascista e autoritário. Inclusive, tem colegas que colocam críticas ao governo, ao presidente, no meio de suas peças. Eu penso sempre em quem é que vai empregar as pessoas, levar água tratada e esgoto à casa das pessoas. Eu não sou egoísta. Eu não quero montar Rimbaud e foda-se o resto.

O sr. assistiu ao documentário Democracia em Vertigem, que foi indicado ao Oscar?
Não. Nem vou assistir porque aquilo é uma manipulação. A garota (refere-se à diretora do documentário, Petra Costa) editou aquelas bobagens para transformar o documentário numa ficção para defender a Dilma Rousseff. Acho que ela podia ir para a Cinelândia fazer comício. Eu acho que a arte não pode ser comício. Como assim “democracia em vertigem”? Ela não está com o filme dela em Hollywood? Se fosse ditadura, o filme dela não sairia da alfândega. Eu trabalho muito com fatos. Ela editou o filme para defender que a Dilma foi vítima de um golpe.

Qual deve ser o papel do estado na promoção da Cultura?
O estado não deve se meter muito, não. Ele deve, de preferência, oferecer situações onde a cultura possa se desenvolver. Mas não pode ser pai da cultura. Porque lá na frente isso pode significar algum tipo de dependência. A Lei Rouanet, por exemplo, não é o bandido da história. O problema é que as pessoas do PT iam lá pegar autorização para captar dinheiro na iniciativa privada e não passavam por nenhum tipo de licitação. A mesma coisa na Ancine. O diretor de Bacurau (Kleber Mendonça Filho), por exemplo, que é incensado pela esquerda, está devendo 2 milhões à Ancine. No entanto, ele vai para o Festival de Cannes com a plaquinha “Fora Temer”. Quer dinheiro do estado e mete o pau no estado. Aí não dá. Falo isso com tranquilidade porque no ano passado fiz meu primeiro longa-metragem, O Trampo, com dinheiro do meu fundo de garantia. Então, estou tranquilo para falar sobre isso. Nunca usei Lei Rouanet. Não que eu seja contra a lei, mas, do que jeito que estava, só amigo do rei que pegava.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO