Adriano Machado/Crusoé“A embaixada tornou-se um centro de reunião e conspiração contra o governo brasileiro”

Foco de conspiração

María Teresa Belandria, representante oficial de Juan Guaidó em Brasília, diz que a embaixada da Venezuela está sendo usada pelos aliados de Nicolás Maduro para desestabilizar o governo brasileiro
13.12.19

A embaixadora venezuelana no Brasil, María Teresa Belandria, vive em 45 metros quadrados com uma sala, um quarto e um banheiro. Sem marido nem filho, ela passa a maior parte do tempo sozinha, trancada no flat em uma área central de Brasília. Recebe poucos convidados e nenhuma autoridade. Em uma mesinha redonda, repousam um computador portátil e papéis das burocracias brasileira e venezuelana. Belandria, de 56 anos, não emite vistos, mas, como a escolhida do presidente interino Juan Guaidó para ser embaixadora, cuida de todos os outros serviços diplomáticos. Conta com a ajuda do ministro-conselheiro Tomás Silva, também credenciado por Jair Bolsonaro, e de uma voluntária, que faz as vezes de motorista, quando necessário.

No dia 13 de novembro, Belandria diz ter sido pega de surpresa com a confusão na embaixada. Alguns diplomatas da ditadura de Nicolás Maduro decidiram entregar o prédio para os aliados de Guaidó, mas a tentativa foi frustrada por políticos brasileiros de esquerda e integrantes de movimentos sociais. Desde então, o prédio tem sido guardado por integrantes do MST e recebe visitas frequentes de políticos e diplomatas de Cuba e da Nicarágua. “A embaixada tornou-se um centro de reunião e conspiração contra o governo brasileiro”, afirma.

Advogada com doutorado em ciências políticas e professora de direito internacional público e de artes, María Teresa fugiu da crise na Venezuela há dois anos e meio. Estava morando em Washington, quando foi escolhida por Guaidó para representá-lo junto ao governo brasileiro. Foi acusada de traição à pátria. Sem receber salário ou qualquer verba de seu país, ela e Tomás Silva se sustentam com doações de compatriotas. A embaixadora diz ser monitorada por espiões cubanos e venezuelanos e conta que é alvo frequente de agressões verbais de militantes brasileiros que apoiam Maduro. “Eu sabia da vida que teria ao aceitar ser embaixadora, mas, pela liberdade do meu país, lutarei até o fim.”

O secretário de estado americano, Mike Pompeo, disse há alguns dias que a queda de Maduro está mais próxima do que pensamos. A renúncia de Evo Morales mudou alguma coisa no equilíbrio de forças da Venezuela?
Claro. O Foro de São Paulo perdeu o Brasil, a Bolívia e o Uruguai. Agora, quais são os países que apoiam Maduro? Só Cuba, Nicarágua, México e algumas pequenas ilhas do Caribe. Não há mais aquele cinturão de adeptos do chamado “socialismo do século XXI” protegendo Maduro.

Tem gente do Foro de São Paulo querendo desestabilizar o Brasil?
Não tenho provas, mas sabemos que os países que foram abalados por manifestações, como Chile, Equador e Bolívia, contam com a presença de venezuelanos pró-Maduro e de grupos radicais aliados ao ditador. Também sabemos que os integrantes do Foro de São Paulo têm dito que haverá desestabilização em toda a América Latina. Eles assumiram isso publicamente.

Com a crise na Venezuela e a troca de poder em vários países da região, o Foro perdeu capacidade para se imiscuir em outros países?
Os integrantes do Foro não têm mais a força que tinham. Também não são tão poderosos como dizem. Alguns órgãos de imprensa atribuem ao Foro de São Paulo um poder maior do que o grupo efetivamente tem. O que acontece é que eles usam demandas legítimas da população de cada país. No Chile, a classe média se sente enfraquecida. No Equador, há o problema do aumento do combustível. O povo foi para a rua por causa dessas questões, e os membros do Foro de São Paulo se aproveitam disso. Eles inventam que foram eles que organizaram, que mobilizaram. Na verdade, o que fazem é alimentar esses movimentos depois que eles já surgiram, deixando-os mais violentos, mais incontroláveis. Não se pode dizer que esses protestos foram convocados pela turma do Foro. Não se trata de algo planejado, inteligente, ordenado por Maduro ou qualquer outro. Eles não têm força para mobilizar todo um continente.

Guaidó apoiaria uma intervenção militar para depor Maduro?
Dentro dos acordos firmados entre os países amigos da América do Sul, há muitas medidas previstas, como sanções, expulsões do país e congelamento de contas bancárias. Ação militar é a última delas. Todos os países da região disseram que apoiam todas as outras, mas não a intervenção militar. O nosso espírito é o de um governo democrático e pacífico. Ninguém quer o conflito armado. Porém, as opções estão aí, sobre a mesa. Tem gente na Venezuela, dentro e fora do governo Maduro, que quer uma intervenção dos Estados Unidos, mas esse não é um pensamento do nosso governo. Nós pensamos em uma negociação, intermediada por outra nação, fora da Venezuela. Guaidó já propôs a Maduro a formação de um governo de transição, seguido de eleições diretas.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Países abalados por manifestações contam com a presença de venezuelanos pró-Maduro e de grupos radicais aliados ao ditador”
Como a sra. enxerga a ocupação da embaixada por integrantes de partidos políticos e movimentos sociais brasileiros?
Sempre se falou que as embaixadas da Venezuela foram usadas como pontos de reunião de grupos políticos, para espionar e desestabilizar governos mundo afora. Agora temos certeza. Ficou claro que a embaixada da Venezuela em Brasília é usada como centro de conspiração contra o governo Bolsonaro.

A sra. sabia do plano de apoiadores de Guaidó de ocupar a embaixada em Brasília, no mês passado?
Não sabia nem participei de nada. Naquele dia, eu estava nos Estados Unidos, em viagem de trabalho. Nós estávamos em contato com funcionários da embaixada, do governo de Maduro. Durante muitos meses, sugerimos que eles trabalhassem conosco, pelo país, para ajudar a apoiar os venezuelanos aqui no Brasil. Mas eles têm muito medo de represálias. No dia 13 de novembro, eles chamaram o nosso ministro Tomás Silva e falaram que iriam entregar a embaixada pacificamente. Abriram a porta e permitiram a entrada. Só houve confusão com a chegada do Manuel Barroso (adido militar de Maduro), que acionou diplomatas de outros países e políticos brasileiros de partidos aliados de Maduro. A violência partiu deles. Aí  tivemos que acionar a Polícia Militar e o Itamaraty, o que criou aquele impasse.

Por que esses funcionários da embaixada em Brasília decidiram apoiar Guaidó?
A decisão deles veio da noite para o dia, depois que os governos da Bolívia e de El Salvador expulsaram os diplomatas de Maduro. Isso antecipou a atitude. Eles ficaram com medo de serem expulsos do Brasil. Esses funcionários têm suas vidas aqui, têm familiares. Sabem que ficar no Brasil é bem melhor do que ter de voltar para a Venezuela.

A senhora pensa em alguma medida formal para assumir de fato a embaixada?
Entramos em negociação com o governo do Brasil para encontrar uma forma de a embaixada passar ao governo legítimo da Venezuela. Ainda não temos a medida que será adotada e não sabemos quando ela sairá. Só posso dizer que estamos em processo de negociação muito franco, de diálogo aberto, para achar a forma que respeite os nossos interesses e os do Brasil, conforme a legislação de cada país.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Quero que ele (Maduro) seja julgado pelos crimes que praticou”
Guaidó fez algum pedido para a sra. em relação ao governo brasileiro?
Converso com ele toda semana, via WhatsApp. Ele sempre comenta o cenário brasileiro e ressalta a importância do Brasil. O país é considerado por ele como um dos principais parceiros da Venezuela, ao lado de Estados Unidos, Colômbia e Espanha. O Brasil é estratégico pela geografia e pelas parcerias política e comercial. É uma das nações que mais recebem venezuelanos refugiados. Ainda entram de 500 a 700 venezuelanos no Brasil diariamente. Temos que pensar em políticas para essa gente, juntamente com o governo brasileiro. Por isso, Guaidó sempre diz que temos de manter uma boa e estreita relação com o governo brasileiro. Ele sempre me pergunta como pode ajudar, se é preciso que ele fale com alguém, com alguma autoridade. Quando necessário, ele liga para o presidente Bolsonaro.

Haverá rodízio na oposição a Maduro ou Juan Guaidó seguirá como presidente interino em 2020?
Os representantes dos partidos políticos fizeram um acordo no dia 17 de setembro. Eles prometeram reeleger Juan Guaidó presidente interino em 5 de janeiro. Portanto, ele continuará como principal e legítimo líder oposicionista do regime de Maduro.

A sra. defende algum tipo de sanção do governo brasileiro à ditadura venezuelana?
Defendo sanções pessoais, de todos os países, a funcionários da administração de Maduro, como as que vêm sendo adotadas. Os Estados Unidos, por exemplo, bloquearam contas e confiscaram bens de representantes do regime de Maduro que cometeram crimes e moravam lá. Todos os países que fazem parte do Grupo de Lima (formado por chanceleres de governos que se dispuseram a contribuir para restaurar a democracia na Venezuela) se comprometeram a sancionar funcionários da administração de Maduro envolvidos em crimes. Temos uma lista com 700 pessoas que se enquadram em sanções. Gente envolvida em esquemas de corrupção ou que cometeram outros delitos, como os que infringem os direitos humanos. Como vai ser a sanção, depende da legislação de cada país. O Brasil já tem uma lista pública de pessoas que não podem ingressar em seu território. Temos de deixar claro que essas sanções são individuais, contra pessoas que cometeram crimes, não contra o estado, o governo, o regime ou o povo venezuelano que tanto sofre há anos.

Que destino Maduro deveria ter após uma eventual queda?
Sou advogada, professora, democrata. Defendo a Justiça, acima de tudo. Quero que ele seja julgado pelos crimes que praticou.

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