Pedro França/Agência Senado"Vejo dois crimes comprovados: crime contra a vida e crime sanitário"

‘Há crimes comprovados’

Para o senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, pelo menos dois crimes foram cometidos por integrantes do governo federal na condução do combate à pandemia no Brasil. Os nomes dos responsáveis, promete, estarão no relatório final da comissão
30.07.21

No comando da CPI da Covid, Omar Aziz se notabilizou pelo estilo “sincerão”. Com frequência, diz o que pensa sem dizer diretamente. Dirigindo-se a Jair Bolsonaro durante uma das sessões da comissão, o senador do PSD do Amazonas, de 62 anos, afirmou, em resposta a ataques que recebera do presidente: Nunca acusei o senhor de nada. Nunca lhe chamei de genocida. Nunca disse que o senhor fazia ‘rachadinha’ no seu gabinete”. A despeito do jeitão sem papas na língua, ele se cerca de cuidados para não antecipar o que virá ao final dos trabalhos da comissão. Aziz crava, desde já, que dois crimes foram cometidos na condução da pandemia no país, mas se nega a apontar o nome de quem os cometeu: “As pessoas que são responsáveis por isso estarão no relatório final”. O presidente da CPI estima que 200 mil mortes poderiam ter sido evitadas se o Brasil tivesse “comprado a vacina, acreditado na ciência e seguido os protocolos que a doença exigia”. Nesta entrevista a Crusoé, o senador trata ainda do entrevero com as Forças Armadas e indica os caminhos que a comissão de inquérito deve trilhar na retomada dos trabalhos, a partir da próxima semana. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Senadores têm repetido que já há crimes comprovados na condução do combate à pandemia. O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Eduardo Pazuello estarão entre os responsáveis por esses crimes?
Vejo dois crimes comprovados: crime contra a vida e crime sanitário. Isso está comprovado. Mas as pessoas que são responsáveis por isso só estarão apontadas no relatório final.

Dos mais de 500 mil brasileiros mortos pela Covid-19, quantos poderiam ter sido salvos se o governo tivesse agido a contento?
Há estudos mostrando que mais de 200 mil vidas poderiam ter sido salvas se tivéssemos agido corretamente: comprado a vacina, acreditado na ciência, seguido os protocolos que a doença exigia. Isso não foi feito. E essas coisas estão comprovadas.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, pode ser indiciado em razão das denúncias que envolvem a compra da vacina indiana Covaxin?
O que nós temos do líder do governo é aquilo que o deputado Luis Miranda falou, que ele está por trás disso. Não foi nem o deputado, quem teria dito foi o presidente. O presidente nunca desmentiu isso. E ele (Ricardo Barros) será ouvido no dia 12 (de agosto).

O sr. acredita que Luis Miranda tem mais informações a prestar, inclusive sobre a oferta de propina feita a ele por um lobista após reunião com a presença de Ricardo Barros?
O depoimento dele na CPI não foi desmentido por ninguém. A única coisa que tentaram desmentir foram as invoices (da Precisa Medicamentos, intermediária da Covaxin). Ele não citou o Silvio Assis (lobista amigo de Ricardo Barros). Ele poderia ter falado sobre o Silvio na CPI, mas não falou. Mas isso é uma decisão dele. Não tenho como obrigar o deputado a falar tudo aquilo que ele sabe. Eu posso falar do fato que ele trouxe para a CPI. Fora isso, não tenho como saber o que ele pensa e quais as intenções dele.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/Folhapress“Quando havia intermediário, tinha uma facilidade muito grande de adentrar o Ministério da Saúde”
Um denunciante também acusa Ricardo Barros de receber propina da VTCLog, a empresa que mantém contratos para a distribuição de vacinas. Que providências a CPI deve tomar a respeito?
A quantidade de vezes que a CEO da VTCLog fala com o pessoal do Ministério da Saúde é muito grande. E tem fortes indícios de superfaturamento ali, com aquele aditivo que a empresa recebeu. A CPI está investigando tudo o que é relativo ao combate à Covid, e a VTCLog também será investigada. Agora, a gente só vai em cima de fatos, não adianta eu fazer qualquer pré-julgamento, sobre se alguém recebeu ou não. Deixa a gente investigar primeiro.

Roberto Dias, o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde que teria pedido propina, deve ser reconvocado. O sr. acredita que desta vez ele vai revelar o tal dossiê que teria preparado sobre os militares na pasta?
Eu acho que ele é uma pessoa que tem que fazer uma acareação com o Cristiano e com o Dominguetti (refere-se a Cristiano Carvalho e Luiz Dominguetti, que se apresentavam como representantes da empresa americana Davati e ofereceram ao governo vacinas da AstraZeneca que não tinham para entregar). Eles e o coronel Blanco (Marcelo Blanco, que teria participado do jantar em que houve a suposta cobrança de propina). Se ele (Roberto Dias) vai colaborar ou não, ele nunca me procurou. Ele pode ter procurado alguém da CPI, mas não me procurou. A acareação independe da colaboração. Nós temos que saber quem está falando a verdade. A denúncia é que ele pediu um dólar (de propina) por dose (de vacina).

Como o sr. define a conduta do governo ao preterir consórcios e laboratórios e buscar atravessadores sem credibilidade para comprar vacinas?
Para você ver como era tratado, tinham dois pesos, duas pedidas. Quando havia intermediário, tinha uma facilidade muito grande de adentrar o Ministério da Saúde, e de pessoas fazerem reuniões até fora do Ministério da Saúde, porque existia a possibilidade de ter vantagens. Essa era a forma como o governo, no Ministério da Saúde, atuava. Quando era uma coisa séria, que não tinha intermediário, que tinha que ser feita diretamente, com compliance, o interesse diminuía, e aí se justificava que a vacina não prestava. Sempre se tinha uma desculpa, sempre se tinha uma objeção para não se comprar a vacina. Isso aconteceu no consórcio em que o Brasil poderia ter 50% dos imunizantes para todos os brasileiros, e nós teríamos para mais de 100 milhões de imunizados; isso aconteceu com a Pfizer e aconteceu com a Coronavac. Esse era o tipo de comportamento. Quando o cara via que dava para tirar uma vantagem, se reunia, chamava, conversava. Foi isso que aconteceu. Os caras nem pesquisavam para saber quem era. Já sentavam para conversar.

Mateus Bonomi/Agif/FolhapressMateus Bonomi/Agif/Folhapress“Não acusei as Forças Armadas”
Há algo ainda desconhecido no caso da Davati, em que o atravessador não tinha a mínima garantia de entrega, mas ainda assim se reuniu com um integrante da cúpula do ministério?
O reverendo (Amilton Gomes, que fez os primeiros contatos em favor da Davati no governo) não chegou ao Ministério da Saúde à toa. Alguma referência ele tinha para acreditar.

Foi após o primeiro depoimento de Roberto Dias que o sr. fez críticas a integrantes das Forças Armadas que teriam se envolvido com corrupção. A reação do Ministério da Defesa a sua declaração foi desmedida?
Eu acho que foi desproporcional àquilo que eu falei. Não acusei as Forças Armadas, até porque as pessoas que estão sendo investigadas não estão sendo investigadas por causa do cargo que ocupam, seja no Exército, na Marinha ou na Aeronáutica. Elas estão sendo investigadas por cargos civis. Eu disse aquilo e não retiro uma palavra, porque eu não generalizei. Eu separei muito bem o joio do trigo ali. Disse que eram algumas pessoas que estavam envergonhando as Forças Armadas. E não eram militares que estavam trabalhando no interior da Amazônia, não. Eram pessoas que estavam no Ministério da Saúde. Se a carapuça serviu para alguém, não foi além disso.

No dia seguinte à nota, o sr. recebeu ligações, por exemplo, de Lula e de Ciro Gomes. O que ouviu deles?
Foram ligações rápidas do Lula e do Ciro, só para se solidarizar, dizendo que eu não tinha falado nada demais e que (a reação) foi desproporcional. Todo mundo acha que o movimento democrático tem que permanecer, independentemente de qual partido, independentemente de em quem você vai votar em 2022. A CPI não está focada em 2022, está focada na pandemia.

Mas certamente vai ter um peso em 2022, ou até antes disso. Qual será, na sua leitura, a consequência do trabalho da comissão sobre a corrida presidencial?
Isso é uma avaliação que eu não faço. Eu não tenho como sentar naquela mesa e presidir a CPI pensando em 2022. Ela vai ter impacto se fatos, como omissão ou corrupção, forem comprovados. E aí, não é culpa da CPI, é culpa de quem cometeu esses erros. Não se pode dizer que a CPI vai mexer com eleição. É uma comissão parlamentar de inquérito que está investigando. E a investigação investiga fatos. Muitas coisas que as pessoas não sabiam antes da CPI agora são conhecidas, correto? O papel da CPI é esse.

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