Juntos e misturados
A madrugada de sábado, 7, estava começando quando Ivete Sangalo subiu ao palco montado em um dos salões do suntuoso Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, para um show privê em comemoração aos 50 anos do Sergio Bermudes Advogados, uma das maiores e mais respeitados escritórios de advocacia do país. Enquanto a cantora percorria seu próprio repertório e entoava animadamente canções de outros astros da música nacional, como Tim Maia, os mais de 3 mil convidados se esbaldavam com um jantar regado a mais de 2 mil garrafas de Veuve Clicquot, whisky e cerveja. Entre eles, havia advogados, imortais da Academia Brasileira de Letras e representantes da sociedade carioca. Havia também magistrados que integram tribunais que costumam julgar processos da banca aniversariante. Alguns saíram de Brasília para participar da festa. Sim, senhores, entre os convivas havia até ministros do Superior Tribunal de Justiça, a segunda mais alta corte brasileira.
A festa foi organizada para superar todas as outras já realizadas pelo escritório, acostumado a levar para o Rio expoentes do mundo jurídico de Brasília. O convite perolado distribuído em gabinetes da corte pedia confirmação prévia e recomendava o traje adequado para a ocasião: “passeio completo”. O início estava marcado para as 21 horas. Mas antes disso já tinha gente chegando. Quinze manobristas se revezavam na entrada do hotel. Recepcionistas com tablets à mão checavam os nomes da lista e conduziam os convidados pela escadaria até o segundo andar. Para comportar tanta gente, foi preciso alugar vários dos salões do Copa. Eram, ao todo, cerca de 2 mil metros quadrados. Cada salão tinha um tipo de decoração. Os menores, como o Salão Carioca, com mesas redondas cobertas por toalhas azul marinho, louças finas e taças de cristal, eram destinados aos convidados mais ilustres. Nos salões voltados para a praia, bartenders serviam drinks em um enorme balcão circular. Na varanda havia um ambiente, digamos, mais descolado. Seguranças atentos acompanhavam a movimentação por toda parte. A ordem era para que ficassem atentos a possíveis manifestações e à presença de jornalistas bisbilhoteiros, como este de Crusoé.
Sergio Bermudes, o anfitrião, passou a maior parte da festa em uma espécie de camarote montado ao lado do palco principal. A lista de convidados dava a medida do prestígio do homenageado da noite. Para além do número, a variedade de personalidades de diversos setores chamava atenção. Os políticos eram muitos. Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio, posava para fotos enquanto tomava um ou outro drink no meio dos não-VIPs. O governador do Rio, Wilson Witzel, seguiu diretamente para o camarote. Gustavo Bebianno, ex-ministro de Jair Bolsonaro, e Paulo Marinho, o empresário que apoiou a campanha do presidente até romper com ele meses depois, também passaram pelo Copacana Palace.
A presença dos magistrados em geral, e dos ministros em particular, realça uma marca que há tempos o escritório de Bermudes carrega. Reconhecidamente um dos melhores advogados do país, ele é sempre lembrado pelo bom trânsito em gabinetes das mais diversas cortes do país, inclusive as superiores. Convescotes como o aniversário de 50 anos de seu escritório, porém, obrigam a uma reflexão que deveria ser feita nos bancos das faculdades de direito e — por que não? — também nos tribunais. Até que ponto juízes, de quaisquer instâncias, podem celebrar com advogados que militam nas cortes em que atuam? Esses juízes, via de regra, se dão sistematicamente por impedidos diante de processos dos advogados com os quais mantêm relações mais estreitas? É justa a competição das bancas estreladas que convidam magistrados para megafestas com os escritórios mais modestos?
Em um dos casos, Benedito Gonçalves deu uma guinada para decidir em favor de um cliente do escritório de Bermudes, uma holding com sede no Rio que era alvo de uma execução fiscal de mais de 7 milhões de reais. A empresa tentou, sem sucesso, suspender o processo. Os recursos na primeira e na segunda instâncias haviam sido infrutíferos. Até que chegaram ao gabinete do ministro, em 2017. Em outubro, Gonçalves não atendeu o pedido para que o caso fosse examinado pelo STJ. A holding recorreu e, menos de um ano depois, em setembro de 2018, ele tornou sem efeito a decisão anterior e decidiu que o processo deveria, sim, ser julgado pela corte. Já em agosto deste ano, os ministros da 1ª Turma do tribunal se debruçaram sobre o caso. Benedito foi vencido. Entre as dezenas de processos de interesse do escritório de Sergio Bermudes em tramitação no gabinete de Cueva, outro convidado ilustre da festa no Copacabana Palace, um deve ser decidido em breve. Trata-se do recurso de um garimpeiro que perdeu tudo com a tragédia ocorrida em Mariana em 2015 e pede indenização de 40,9 mil reais à Vale. O recurso foi protocolado no STJ exatamente no dia da festa no Rio. Bermudes representa a Vale.
No passado, o escritório já empregou, por exemplo, filhos do ministro Luiz Fux e do ex-ministro Sepúlveda Pertence, ambos do Supremo. Quando Fux foi escolhido para a corte, por sinal, Sergio Bermudes tratou de organizar uma festa para comemorar. O convescote seria na casa do advogado, no Flamengo. Mas a notícia vazou, acompanhada da informação de que o ministro atuara em processos da lavra de Bermudes, e a festa foi cancelada. Sobrenome é um detalhe importante na banca, que já teve em seus quadros um Orléans e Bragança, descendente da família real. Hoje, no rol de funcionários, destaca-se o nome de Ana Clara Sarney, neta do ex-presidente José Sarney. Há também um filho de Adilson Macabu, desembargador aposentado do TJ do Rio com passagem pelo STJ como ministro convocado. Em Brasília, Macabu chegou a assumir a relatoria do julgamento que anulou outra operação famosa, a Satiagraha, que mirava Daniel Dantas. Bermudes, hoje empregador do filho de Macabu, já foi advogado das empresas do banqueiro. A investigação foi anulada pelo placar de 3 votos a 2. Quem desempatou foi Jorge Mussi, um dos três ministros do STJ presentes à festança de Sergio Bermudes no Copa.
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