Fabio Motta/CrusoéParte dos convidados na sacada do hotel: festa de arromba com presenças estreladas

Juntos e misturados

Um dos maiores escritórios de advocacia do país fez uma megafesta no Copacabana Palace, para comemorar os seus 50 anos. Entre os convidados, havia ministros de tribunais superiores. Crusoé foi lá ver
13.12.19

A madrugada de sábado, 7, estava começando quando Ivete Sangalo subiu ao palco montado em um dos salões do suntuoso Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, para um show privê em comemoração aos 50 anos do Sergio Bermudes Advogados, uma das maiores e mais respeitados escritórios de advocacia do país. Enquanto a cantora percorria seu próprio repertório e entoava animadamente canções de outros astros da música nacional, como Tim Maia, os mais de 3 mil convidados se esbaldavam com um jantar regado a mais de 2 mil garrafas de Veuve Clicquot, whisky e cerveja. Entre eles, havia advogados, imortais da Academia Brasileira de Letras e representantes da sociedade carioca. Havia também magistrados que integram tribunais que costumam julgar processos da banca aniversariante. Alguns saíram de Brasília para participar da festa. Sim, senhores, entre os convivas havia até ministros do Superior Tribunal de Justiça, a segunda mais alta corte brasileira.

A festa foi organizada para superar todas as outras já realizadas pelo escritório, acostumado a levar para o Rio expoentes do mundo jurídico de Brasília. O convite perolado distribuído em gabinetes da corte pedia confirmação prévia e recomendava o traje adequado para a ocasião: “passeio completo”. O início estava marcado para as 21 horas. Mas antes disso já tinha gente chegando. Quinze manobristas se revezavam na entrada do hotel. Recepcionistas com tablets à mão checavam os nomes da lista e conduziam os convidados pela escadaria até o segundo andar. Para comportar tanta gente, foi preciso alugar vários dos salões do Copa. Eram, ao todo, cerca de 2 mil metros quadrados. Cada salão tinha um tipo de decoração. Os menores, como o Salão Carioca, com mesas redondas cobertas por toalhas azul marinho, louças finas e taças de cristal, eram destinados aos convidados mais ilustres. Nos salões voltados para a praia, bartenders serviam drinks em um enorme balcão circular. Na varanda havia um ambiente, digamos, mais descolado. Seguranças atentos acompanhavam a movimentação por toda parte. A ordem era para que ficassem atentos a possíveis manifestações e à presença de jornalistas bisbilhoteiros, como este de Crusoé.

Sergio Bermudes, o anfitrião, passou a maior parte da festa em uma espécie de camarote montado ao lado do palco principal. A lista de convidados dava a medida do prestígio do homenageado da noite. Para além do número, a variedade de personalidades de diversos setores chamava atenção. Os políticos eram muitos. Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio, posava para fotos enquanto tomava um ou outro drink no meio dos não-VIPs. O governador do Rio, Wilson Witzel, seguiu diretamente para o camarote. Gustavo Bebianno, ex-ministro de Jair Bolsonaro, e Paulo Marinho, o empresário que apoiou a campanha do presidente até romper com ele meses depois, também passaram pelo Copacana Palace.

Fabio Serapião/CrusoéFabio Serapião/CrusoéO ministro Benedito Gonçalves: saída animada
Nada, porém, era mais ilustrativo do que a presença dos convidados togados — aqueles a quem cabe julgar processos do escritório em festa. Do Rio, escoltado por um segurança, estava lá o presidente do Tribunal de Justiça, Cláudio Mello Tavares. Havia ainda outros desembargadores e vários juízes. De Brasília, ao menos três ministros do STJ compareceram: Jorge Mussi, Benedito Gonçalves e Ricardo Cueva. Citado na proposta de delação de Léo Pinheiro, o ex-presidente da OAS pilhado nas tramoias do petrolão, Benedito Gonçalves foi o último a deixar a festa. Estava mais animado do que a média dos presentes.

A presença dos magistrados em geral, e dos ministros em particular, realça uma marca que há tempos o escritório de Bermudes carrega. Reconhecidamente um dos melhores advogados do país, ele é sempre lembrado pelo bom trânsito em gabinetes das mais diversas cortes do país, inclusive as superiores. Convescotes como o aniversário de 50 anos de seu escritório, porém, obrigam a uma reflexão que deveria ser feita nos bancos das faculdades de direito e — por que não? — também nos tribunais. Até que ponto juízes, de quaisquer instâncias, podem celebrar com advogados que militam nas cortes em que atuam? Esses juízes, via de regra, se dão sistematicamente por impedidos diante de processos dos advogados com os quais mantêm relações mais estreitas? É justa a competição das bancas estreladas que convidam magistrados para megafestas com os escritórios mais modestos?

Fabio Serapião/CrusoéFabio Serapião/CrusoéJorge Mussi, outra excelência presente
Nas cortes de Brasília tramitam processos nos quais Bermudes e seu bem preparado time atuam. Só no STJ há centenas, e muitos deles passam, direta ou indiretamente, pelas mãos dos ministros presentes na festa. Hoje há pelo menos 360 ações da banca em andamento na corte. Parte delas tem como relatores alguma das três excelências. Crusoé levantou processos de dez advogados do escritório de Bermudes no tribunal. Precisamente 43 foram distribuídos a Mussi (2), Benedito (4) e Cueva (37). Muitas dessas ações envolvem causas milionárias e empresas que vão de bancos a construtoras, de companhias de bebidas a seguradoras.

Em um dos casos, Benedito Gonçalves deu uma guinada para decidir em favor de um cliente do escritório de Bermudes, uma holding com sede no Rio que era alvo de uma execução fiscal de mais de 7 milhões de reais. A empresa tentou, sem sucesso, suspender o processo. Os recursos na primeira e na segunda instâncias haviam sido infrutíferos. Até que chegaram ao gabinete do ministro, em 2017. Em outubro, Gonçalves não atendeu o pedido para que o caso fosse examinado pelo STJ. A holding recorreu e, menos de um ano depois, em setembro de 2018, ele tornou sem efeito a decisão anterior e decidiu que o processo deveria, sim, ser julgado pela corte. Já em agosto deste ano, os ministros da 1ª Turma do tribunal se debruçaram sobre o caso. Benedito foi vencido. Entre as dezenas de processos de interesse do escritório de Sergio Bermudes em tramitação no gabinete de Cueva, outro convidado ilustre da festa no Copacabana Palace, um deve ser decidido em breve. Trata-se do recurso de um garimpeiro que perdeu tudo com a tragédia ocorrida em Mariana em 2015 e pede indenização de 40,9 mil reais à Vale. O recurso foi protocolado no STJ exatamente no dia da festa no Rio. Bermudes representa a Vale.

Fabio Motta/CrusoéFabio Motta/CrusoéUm dos 200 garçons da festa: Veuve Clicquot à vontade
A banca fundada por Sergio Bermudes é uma das mais caras do Brasil. Com cerca de 140 advogados, 200 funcionários e mais de 100 estagiários, ela atua em nome de grandes empresas como a Vale, Sete Brasil, Bradesco, UTC, Braskem e Telefônica. A atuação do escritório se divide entre acompanhar o contencioso de grandes empresas e a prestação de serviços de consultoria. O escritório também é conhecido, há tempos, por abrigar familiares de magistrados importantes. Hoje, Sergio Bermudes tem entre seus muitos sócios a advogada Guiomar Feitosa, mulher do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. A ligação, por sinal, colocou os dois, Guiomar e Bermudes, na mira da Receita Federal. Ambos foram relacionados em uma apuração preliminar do Fisco destinada a averiguar movimentações financeiras de familiares de magistrados que são ligados a escritórios de advocacia. Guiomar recebe da banca cerca de 280 mil reais por mês.

No passado, o escritório já empregou, por exemplo, filhos do ministro Luiz Fux e do ex-ministro Sepúlveda Pertence, ambos do Supremo. Quando Fux foi escolhido para a corte, por sinal, Sergio Bermudes tratou de organizar uma festa para comemorar. O convescote seria na casa do advogado, no Flamengo. Mas a notícia vazou, acompanhada da informação de que o ministro atuara em processos da lavra de Bermudes, e a festa foi cancelada. Sobrenome é um detalhe importante na banca, que já teve em seus quadros um Orléans e Bragança, descendente da família real. Hoje, no rol de funcionários, destaca-se o nome de Ana Clara Sarney, neta do ex-presidente José Sarney. Há também um filho de Adilson Macabu, desembargador aposentado do TJ do Rio com passagem pelo STJ como ministro convocado. Em Brasília, Macabu chegou a assumir a relatoria do julgamento que anulou outra operação famosa, a Satiagraha, que mirava Daniel Dantas. Bermudes, hoje empregador do filho de Macabu, já foi advogado das empresas do banqueiro. A investigação foi anulada pelo placar de 3 votos a 2. Quem desempatou foi Jorge Mussi, um dos três ministros do STJ presentes à festança de Sergio Bermudes no Copa.

Reprodução/Redes sociaisReprodução/Redes sociaisBermudes, ao centro, com convidados: ele diz se orgulhar de nunca ter se envolvido em atividades de “duvidosa correção”
Procurado, Bermudes disse que preferia responder às perguntas de Crusoé por escrito. Citando o caso Vladimir Herzog como o mais relevante de sua carreira – foi ele quem fez a petição inicial do primeiro processo movido pela família do jornalista, morto pelo regime militar -, afirmou que se orgulha de ter formado mais de 10 mil estagiários no escritório e que aprendeu muito tanto com as vitórias quanto com os insucessos da carreira. Sobre a presença de familiares de magistrados em sua banca, o advogado disse que, como eles podem exercer funções ligadas ao direito, grandes escritórios normalmente os contratam. Quanto a Guiomar Mendes, contou que a conheceu ainda como “assessora de um ministro do Supremo Tribunal Federal” (ela trabalhou com Marco Aurélio Mello), antes de seu casamento com Gilmar. O advogado declarou ainda que contribuiu para o “aperfeiçoamento da legislação, da jurisprudência e das doutrinas brasileiras” ao longo dos 50 anos do escritório e que se orgulha de nunca “ter-se envolvido em nenhuma atividade de duvidosa correção”. Sobre o motivo da festa com a presença de togados estrelados, ele afirmou, sinteticamente: “Cheguei aos 50 anos de atividades profissionais e não conseguirei percorrer outros 50. Isto basta”.

Com reportagem de Mateus Coutinho

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