Adriano Machado/CrusoéO general de Bolsonaro diz que os quarteis não reagiriam bem se o PT tivesse vencido

“Se está com fuzil na rua, tem que ser eliminado”

Futuro ministro da Defesa e um dos principais conselheiros do presidente eleito, o general Augusto Heleno Ribeiro faz coro à adoção de medidas drásticas para combater o crime. Ele diz que o novo governo tem como missão, desde já, pacificar o país. Afirma ainda que, nas Forças Armadas, muita gente achava inadmissível ver um condenado na Presidência
01.11.18

Desde a noite do último domingo, quando foi anunciada a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais, o telefone do general da reserva Augusto Heleno Ribeiro, de 71 anos, não para de tocar. O futuro ministro da Defesa tem recebido, em média, 120 ligações diárias. Em uma hora e meia de conversa com Crusoé, na tarde da última terça-feira em um café na Asa Norte de Brasília, foram oito ligações. “Aparece um monte de salvador da pátria com cada ideia…”, brinca.

Um dos nomes mais próximos do presidente eleito, Heleno terá papel fundamental na interlocução do Executivo com as Forças Armadas. Ele garante que Bolsonaro deseja pacificar o país e descarta a existência de qualquer risco de ruptura institucional.

É na área de segurança pública, porém, que Heleno fala com mais desenvoltura das ideias que vêm sendo discutidas nos bastidores do governo eleito. Uma das mais polêmicas envolve mudanças na legislação, para permitir que policiais em serviço possam alvejar criminosos armados sem sofrer sanções por isso. Hoje, diz Heleno, só se dispara contra o bandido se ele atirar antes. “Você vai esperar que esse sujeito atire em alguém? As organizações criminosas não respeitam as forças legais.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

É possível pacificar o país?
Para nós, é um objetivo prioritário e permanente a partir de agora. Diante da crise que o país vive, precisamos sublimar o que ocorreu. Não podemos continuar a fomentar a discórdia. Temos que ter humildade patriótica para pensar no Brasil.

Como?
O Brasil está vivendo uma situação que não viveu nos últimos 50 anos. De crise política, social e econômica. Precisamos resgatar o sentido de brasilidade, de trabalhar em prol da coletividade sem nenhuma preocupação de favorecer grupos. O objetivo maior agora é tirar o país da crise. Não há mais como fomentar a discórdia.

O presidente eleito sempre teve um discurso de confronto, e na campanha também foi assim. Ele conseguirá pacificar?
Campanha é campanha, governo é governo.

Algumas declarações dele depois da vitória não sinalizaram isso tão claramente.
O país ainda está vivendo o clima de acirramento daquele final de campanha, e a adrenalina custa a sair.

Custa a sair dos dois lados, não?
Sim, mas o lado principal agora é o lado dele porque ele venceu. Por isso, o discurso tem sido de pacificação. O outro lado vai ter que se descontaminar até pela reação do presidente eleito. Ele tem falado constantemente isso. Está na cabeça dele governar para todos os brasileiros. O que interessa agora é buscar um clima bom nacional e sair da crise.

A esquerda fala em resistência.
Isso aí era esperado, mas não pode ser levado em conta por nós nos atos de governo. Os atos de governo têm que considerar que ele (Bolsonaro) é presidente de todos. E saber que isso vai acontecer (o movimento de resistência) e procurar, da melhor maneira, contornar o problema.

Já começaram a aparecer divergências entre os futuros ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Economia, Paulo Guedes. Em que medida isso preocupa?
É algo natural. A quantidade de vezes que perguntam sobre coisas para quem não é da área é imensa. Mas é tudo contornável, nada grave.

Não tem um sinal de crise ali?
De jeito nenhum. Não acredito. O governo nem começou. Há tempo para ajustar pensamentos.

O que fazer com a Venezuela?
Venezuela é problema deles (da própria Venezuela). Não temos que ter ingerência nos países. O Brasil não interfere em problemas internos de outras nações.

O sr. apoiaria a ideia de uma intervenção?
De jeito nenhum.

O governo Bolsonaro ajudaria os Estados Unidos a intervir para derrubar o regime de Nicolás Maduro?
De jeito nenhum, outra vez. Os Estados Unidos talvez tenham interesse em resolver essa questão, mas o Brasil não vai se juntar a eles para fazer intervenção na Venezuela. Por enquanto, isso está fora de planejamento.

Na Defesa, que o senhor vai comandar, o que será prioritário?
Considero como prioridade, e isso entra na segurança pública, o monitoramento das fronteiras. Isso inclui dois grandes projetos: o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) e o monitoramento da Amazônia azul (como os militares se referem ao mar territorial brasileiro). Eles têm que ser tratados com carinho. Nos últimos anos, foram esvaziados. Tiveram o cronograma de desembolso de recursos interrompido. Outro ponto é verificar a participação das Forças Armadas em atividades de segurança pública. Como isso vai continuar a ocorrer e com que intensidade.

Mas as Forças Armadas devem continuar atuando na segurança pública?
Não é questão de dever continuar. O presidente decide.

Mas há incômodo das forças com o constante chamamento para atuar em segurança pública.
Para nós, não é missão prioritária. Ela nos leva a mudar até a instrução individual da tropa. É outro tipo de operação.

Quais medidas devem ser tomadas para melhorar a segurança pública?
Não vai ser num passe de mágica. Temos obrigação de cuidar dessa questão, para também diminuir a sensação geral de insegurança. Há uma série de medidas a serem tomadas. Algumas dependem do Judiciário e do Congresso.

Não precisaria também haver uma estratégia específica para combater organizações criminosas como o PCC?
Não sei, não sei (O general se mostra desconfortável). É difícil entrar nesse assunto, porque influi na segurança da minha família.

Marcello Casal Jr./Agência BrasilMarcello Casal Jr./Agência BrasilHeleno nos tempos da ativa: “Regra de engajamento mais dura para proteger militares e civis”
O sr. falou em nova legislação que precisará ser aprovada para fazer esse tipo de combate. Pode citar um exemplo?
Estamos brigando pela regra de engajamento.

O que é a regra de engajamento?
São as regras que devem ser seguidas contra, por exemplo, quem tem arma na mão. É quando você pode atirar, quando não pode, quando deve, quando não deve. Hoje, a regra de engajamento pregada pelos organismos de direitos humanos é que tem que esperar o cara atirar em você, que é força legal, para você atirar nele. É uma regra benevolente (com o criminoso). Tem que esperar (o criminoso atirar primeiro). Agora, como é possível que as forças legais tenham que esperar que um sujeito armado de fuzil atire primeiro — com uma arma de guerra melhor que a arma da polícia? Você espera e só depois reage? As organizações criminosas não respeitam as forças legais.

Não há risco de inocentes serem atingidos?
Se você vir essa cena e tiver certeza de que aquilo não vai ter efeito colateral, você tem o direito de abater esse cara. Veja, é o cara que está armado de fuzil. Claro que precisa ter segurança na cena. Você não vai matar a menininha que está vendo televisão nem a velhinha que está indo para o mercado. O agente da lei tem que ter noção para atirar. Tem que ter consciência do poder de fogo. Avaliar a situação. E é claro que não pode atirar de canhão na comunidade. Mas, se há um sujeito armado de fuzil ostensivamente, esse camarada pode ser eliminado porque, obviamente, vai causar mal a alguém que não merece ser alvejado.

Seria o chamado excludente de ilicitude, que prevê acabar com punição para agentes de segurança que matam em combate?
O desfecho disso é o excludente de ilicitude. Mas a regra que permite que o comandante da cena autorize ou ele mesmo execute um cara que está armado de fuzil no meio da rua, ostentando essa arma e debochando da força legal, é outra coisa. O cara que está armado de fuzil no meio da rua tem que ser eliminado.

Como alterar a regra de engajamento?
Por meio de uma legislação consensual que o Judiciário aprove.

O novo governo vai encaminhar isso?
Acho que sim. Bolsonaro já falou nisso, e o próprio general Villas Bôas (comandante do Exército) pediu essa providência.

E será prioridade? É algo já para o início do governo?
É logico. Vamos batalhar para que ocorra logo.

Isso não é licença para matar?
Bobagem. Licença para matar? O outro (o criminoso) tem licença para fazer o que quiser. Não tem nenhuma limitação para a sua violência. Então, eu tenho que inibir as manifestações de violência injustificadas. Tenho que dar instrumentos à força legal, para que pelo menos a força ilegal tenha respeito com ela. Você assiste aos caras pulando com fuzil no meio da rua, comemorando, e não pode atirar?

No Haiti era assim?
Minha missão no Haiti era manter um ambiente seguro e estável. Isso nada mais é que segurança pública. A partir daí, passei a me aprofundar bastante no assunto. Já houve missões de paz em que o agente não andava armado. Como no Haiti a missão era uma imposição da paz, eu tinha uma regra de engajamento bem mais dura para proteger militares e civis.

A julgar por declarações do próprio Bolsonaro, a flexibilização do estatuto do desarmamento também seria uma medida de segurança pública?
Entra como política de segurança pública geral. Se houver consciência do bandido de que você tem uma arma e que a maioria da população tem arma, ele vai pensar duas vezes antes de agir.

Não pode piorar a situação?
Isso nunca foi completamente explicado. Precisa ser muito bem colocado. Já conversei muito com Bolsonaro sobre isso e sei o que ele pensa. A primeira pergunta é se armar a população honesta, decente, é ruim ou é bom. As pesquisas no mundo mostram que é bom. Segundo, saber o que precisa para realizar isso com margem de certeza considerável de que vai dar certo.

Não é perigoso ter arma em casa?
Eu sempre tive arma em casa. Desde o momento em que meus filhos começaram a ter idade para subir no armário e pegar as armas, porque, claro, eu não guardava na gaveta, eu mostrava a arma para eles. E ensinei a atirar quando tiveram idade para isso. Acabava a curiosidade deles. Se você tem uma caixa na sua casa e fica falando que não pode abrir, é óbvio que, quando você sai de casa, o seu filho vai abrir. Isso faz parte da curiosidade. Mas se ele souber que na caixa tem uma arma e essa arma funciona assim e se fizer assim sai um troço pela boca da arma e isso causa um ferimento em alguém, é melhor.  Então, ter arma em casa não é risco se você souber lidar com aquilo da maneira apropriada.

E o porte?
Tem que ser muito mais dificultado que a posse. A ideia é criar mecanismos de controle para o porte. Não é sair jogando arma para o alto.

A ideia é facilitar a posse e dificultar o porte?
Isso.

Qual será o papel das Forças Armadas no novo governo?
O mesmo de sempre em qualquer governo. Tudo o que vinha sendo feito vai continuar. As Forças Armadas continuarão apolíticas e apartidárias. Não vão ter nenhuma influência no governo que não seja na área de defesa. O ministro da Defesa e comandantes das Forças são entidades políticas, obviamente. Estão em um contexto político. Mas não há, tenho certeza disso, nenhuma intenção de modificar o que vem ocorrendo em termos de participação política das Forças Armadas. Vai continuar tudo como dantes no quartel.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéHeleno sobre o estilo de Bolsonaro: “Ele muitas vezes fica no supérfluo porque é isso que chega no eleitor”
O fato de ter um presidente e um vice militares não altera um pouco esse cenário?
Nada a ver. Procure na história dos Estados Unidos os últimos presidentes americanos, os últimos ministros americanos. Quantos têm passado como militar? Não falo nem como veterano de guerra. Tem aos montes. É questão de bom senso. Eu estudei muitos anos. As três escolas militares de formação de oficiais podem se orgulhar de serem universidades de alto padrão. Academia de Agulhas Negras, Academia da Força Aérea e Academia Naval. Você estuda direito, economia, estuda Brasil. Uma série de matérias que são voltadas para contexto e problemas nacionais, estratégia, política e administração. Isso tudo patrocinado pelo poder público. A volta dos militares à atividade pública é uma luz de bom senso no cenário nacional: o de aproveitar esse investimento todo que é feito neles.

Há uma leitura de que Bolsonaro será tutelado pelas forças.
Nada a ver.

Um general na vice-presidência não reforça essa ideia?
É um general da reserva como eu.

Há chance de ruptura democrática, como alguns setores têm dito?
De jeito nenhum. As Forças Armadas estão vacinadas contra isso. Esse pensamento não existe. Hoje é outro mundo. Isso não faz parte do ideário nem do dia a dia de nenhum militar.

O general Mourão falou da possibilidade de um autogolpe.
Foi uma expressão que ele usou porque, se houvesse caos, as únicas instituições que teoricamente estariam preservadas para não deixar o país mergulhar em guerra civil, num abismo institucional e numa crise insustentável, seriam as Forças Armadas. São instituições diretamente subordinadas ao presidente para impedir que o caos prospere. Ele usou um termo que nem sei se é apropriado, autogolpe, mas que no fundo não dá nem para caracterizar como golpe, porque está previsto na Constituição. Mas seria a última coisa a acontecer. Para chegar a esse ponto, o chão é interminável. E seria como uso institucional, não é metade para cada lado e vamos sair na porrada para ver quem ganha.

Até que ponto a eleição de Bolsonaro foi festejada pelas Forças Armadas?
Indiscutivelmente, ele tinha apoio quase unânime nas Forças Armadas. Mas ontem e hoje expediente normal. Ninguém vai para o quartel com camiseta do Bolsonaro.

Havia rejeição ao PT?
Lógico. Primeiro, devido ao desastre que causaram ao país. Depois, muita gente achava inadmissível que pudéssemos ter um comandante supremo das Forças Armadas condenado a doze anos de prisão (refere-se a Lula) por conduta criminosa. Ninguém é condenado a doze anos porque roubou uma laranja na feira, ainda mais um ex-presidente. O cara ser condenado a doze anos e ser o comandante em chefe das Forças, chegar no quartel, ter toque, guarda de honra, não dá. A gente não pode, não cabe na cabeça isso. Não pode chegar num tenente e dizer “hoje vem aí o comandante, tem doze anos de condenação, encare isso normalmente”. E imagine a vergonha que passaríamos fora do país.

E se Fernando Haddad tivesse vencido, qual seria a reação das forças?
Não quero pensar. É a mesma coisa que pensar o que aconteceria se eu fosse atropelado ali. Não quero pensar. Ia ser uma merda. É difícil imaginar.

Bolsonaro sabe fazer política?
Bolsonaro é muito esperto politicamente. Há um conceito deturpado sobre ele que, se você para para pensar, verá que é um negócio imbecil. A imprensa às vezes fica tomada pela paixão e não percebe. O Bolsonaro inegavelmente é um fenômeno político. Fez campanha sem grana. Esse (Henrique) Meirelles aí gastou 45 milhões de reais para empatar com o (Guilherme) Boulos, com o (Cabo) Daciolo. Mas Bolsonaro é um camarada muito preparado. Ficou 28 anos na Câmara. Desde o início, pressionado, brigando, entrando em choque. Não é fácil você ir para o plenário discutir com todo mundo. Tem que se preparar, tem que estudar para brigar. Não pode ir despreparado. Se não se preparar, é engolido.

Muitos no meio político dizem que Bolsonaro é simplório, superficial.
Uma vez um sujeito fez uma palestra de agronegócio e eu estava com o Bolsonaro. Ele fez várias intervenções altamente pertinentes. Aprendi para burro. E falei: “Bolsonaro, a minha surpresa foi grande com você porque você sabe do assunto”. Daí eu percebi que ele muitas vezes fica no supérfluo porque é isso que chega no eleitor. Não adianta chegar na televisão vomitando ensinamentos. É o que o Meirelles faz com aquela cara de sábio, fala meia dúzia de merda e o eleitor fala: “Quem é esse babaca aí antipático?”. Bolsonaro cria empatia. Ele vai falar o que o cara quer ouvir. Não dá demonstração de conhecimento. Me mostrou que esse é o caminho. Não adianta chegar e falar um monte de coisa técnica. O cara muda de canal.

Como deve ser a relação com a oposição?
Essa relação (entre governo e oposição) é antiga. Não tem muito o que inventar. Tem que ter respeito.

Muitos da velha política já se aproximam do novo presidente. Ele conseguirá de fato romper com a velha política conforme prometeu?
Talvez seja o ponto em relação ao qual ele terá maior apoio popular e da mídia, porque não é possível que cidadãos de bem apoiem o toma lá dá cá. Temos que tornar possível romper com isso. Não tem porque continuar a ser o procedimento padrão no Brasil. A menos que queiramos continuar a ser um país sem futuro.

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