LeandroNarloch

Desigualdade gera populismo?

26.07.19

A Folha de S. Paulo começou a publicar nesta semana uma série de reportagens sobre desigualdade social. A tese central das matérias é que a onda de populismo no mundo é resultado do aumento da concentração de riqueza e do encolhimento da renda da classe média.

Segundo a Folha, “a classe média recorre cada vez mais a líderes populistas que prometem trazer o passado de volta com discursos radicais e soluções simples”. Isso explicaria o resultado de eleições nos Estados Unidos, Rússia, Índia, Polônia, Brasil e Turquia, além do crescimento de partidos populistas na França, Alemanha, Itália, Espanha e no Reino Unido.

A tese é fraca. Ainda é cedo para relacionar insegurança econômica a mudanças do voto da classe média.

Veja o caso dos Estados Unidos. O coeficiente de Gini, que mede a concentração de renda, teve uma boa alta entre 1979 e 2007. Subiu de 0,34 para 0,41 e desde então tem oscilado nessa faixa. A alta da desigualdade não evitou a vitória de Barack Obama em 2008, que a Folha não deve considerar populista. E não impediu que, em 2016, Hillary Clinton tivesse quase 3 milhões de votos a mais que Trump, vitorioso na contagem de delegados dos estados.

Talvez seja o caso até de dizer o contrário: quanto mais desigual um estado americano, menos ele votou em Trump. Nova York, Connecticut e Massachusetts (os três estados mais desiguais) votaram em Hillary; Utah, Alaska e Wyoming (os três mais igualitários), no republicano.

Também é assim no Brasil: Bolsonaro teve mais de 76% dos votos em Santa Catarina, o estado mais igualitário; Haddad levou 77% dos votos no Piauí, estado mais desigual. Há aí alguma coerência – a desigualdade levaria os eleitores a preferir candidatos de esquerda, que costumam falar mais sobre esse tema.

E a classe média? É errado dizer que ela esteja encolhendo ou empobrecendo. No Reino Unido, a classe média subiu de 60% para 67% entre 1991 e 2010; na França, de 72% para 74%. O populismo me parece mais forte nesses países que na Espanha, onde a classe média caiu de 69% para 64%, segundo o Pew Research Center.

Na média dos países da OCDE, a parcela de empregos de classe média caiu 7,6 pontos percentuais entre 1995 e 2015 – mas, de acordo com o Financial Times, a causa é uma ótima notícia: os empregos de alta qualificação aumentaram mais (5,3 pontos) que os de baixa qualificação (2,3). Nos Estados Unidos, a renda da classe média vem crescendo, mas menos que a dos pobres ou dos ricos.

Ronald Inglehart e Pippa Norris, cientistas políticos de Michigan e Harvard, analisaram o comportamento de eleitores na União Europeia e enxergaram pouca relação entre voto e insegurança econômica. Consideram mais sensato explicar o populismo por diferenças culturais e geracionais. Mais velhos, menos urbanos e vindos de maiorias étnicas, os eleitores de Le Pen ou favoráveis ao Brexit votariam por reação contra os jovens da nova esquerda das metrópoles.  

Eu expandiria essa explicação para outros países. É o cansaço com o politicamente correto, e não a economia, que explica a vitória de Donald Trump ou de Jair Bolsonaro.

Leandro Narloch é jornalista e autor do 'Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil'.

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