Carlos Fernandodos santos lima

Ex-covardes

19.02.21

Tenho assistido abismado à campanha de desinformação promovida pela defesa de Lula, em tabelinha com os ministros do STF Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, contra a operação Lava Jato e, especialmente, contra suas figuras mais conhecidas, Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Trata-se de uma campanha de comunicação — ou seja, é artificial e fabricada — para requentar mensagens sem autenticidade comprovada e roubadas por simpatizantes do ex-presidente, com apoio da mesma mídia que tentou emplacar sem sucesso a mesma difamação no passado.

O objetivo é simples: criar um ambiente de justificação social para a anulação do processo de Lula, apesar de ele já ter sido condenado nessa ação penal em três instâncias. O método também é o mesmo: divulgar trechos de supostas conversas, sem contexto e completamente inócuas, colocando falsamente em dúvida a isenção de Sergio Moro no processo. Com isso, pretendem matar dois coelhos com uma só cajadada: recolocar Lula na disputa presidencial e denegrir Sergio Moro a ponto de justificar medidas contra ele — pois o medo de sua candidatura faz Bolsonaro, Centrão e Lula unirem-se contra ela. Certo é que há muitos contra uma real mudança neste país, preferindo defender seus interesses contra uma candidatura realmente independente desse sistema político corrupto. Mas o pior é que são poucos com coragem para defender reais mudanças que este Brasil necessita.

Certa vez, perguntado por qual motivo insistia em navegar contra a corrente do pensamento dominante no Brasil, Nelson Rodrigues relembrou as tragédias de sua vida pessoal e disse que tinha se tornado um ex-covarde, cuja coragem de dizer o que pensava resultava do pouco que tinha a perder. Mas mesmo em um momento como o atual, em que estamos todos com medo da peste, de perdermos nossos negócios ou empregos, em um tempo em que procuradores e juízes são calados por apaniguados de Renan Calheiros, em que o Ministério Público Federal é destruído internamente por uma gestão submissa ao poder político e que os órgãos policiais e de inteligência são aparelhados pelo governo Bolsonaro, temos que sair de nossa letargia e gritar contra toda essa irresponsabilidade e injustiça — temos que ser todos ex-covardes. Não podemos permitir que nosso país seja apropriado por corruptos ou milicianos. Seja qual for o crime organizado que se apresente, o lugar deles é na cadeia, e não nos palácios do povo. Tudo que temos é pouco diante da perda real que nos ameaça.

Nosso sistema de justiça é seletivo ao extremo, e eles pretendem torná-lo ainda mais seletivo, imunizando a casta política contra qualquer responsabilidade criminal. Uma prova dessa seletividade é colocarem em votação o impedimento de Sergio Moro quando o STF nunca colocou em julgamento os diversos pedidos de impedimento de Gilmar Mendes, esse mesmo ministro que vai até os jornais e, com a boca cheia de peçonha, balbucia palavras raivosas e cospe ódio contra as investigações de corrupção, antecipando o seu entendimento, contra a proibição prevista pela própria lei que rege a magistratura.

Que impedimento é esse que tanto ele vocifera quando comparado aos telefonemas trocados entre ele e acusados por crimes? Quando vejo a abominação que se tornou sua figura, sua sanha insultuosa contra Sergio Moro e sua gana persecutória vexaminosa contra a Lava Jato, sei que esta investigação estava do lado certo. Adiro às palavras do ministro Barroso:

“Me deixe de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível.”… “A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas. Vossa Excelência é uma desonra para todos nós. Vossa Excelência desmoraliza o tribunal.”…“O senhor é a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia.”

O que move Gilmar Mendes é a exposição da sua real face, o do defensor desse sistema, perante todos, sem o disfarce dos salamaleques dos cortesãos que o rodeiam ou do tratamento formal (Excelências?) dos tribunais. Mas também Gilmar Mendes certamente viu que a campanha anterior contra a Lava Jato não seria suficiente para justificar a decisão já tomada de anular o processo. Já tomada, sim, pois ele, Lewandowski e o escolhido a dedo por Bolsonaro, Kassio Marques, irão votar pelo impedimento de Sergio Moro e a anulação do processo de Lula.

O que desejam é não inflamar novamente a opinião pública, fazendo retornar o quadro de insatisfação social de 2013, pois eles têm medo das ruas. Colocam suas fichas na estratégia adotada por Rodrigo Maia para destruir a legislação anticorrupção: apostar no desencanto e na inércia dos brasileiros. Estão apostando na nossa covardia, e talvez estejam certos.

Não sei se Sergio Moro será candidato à Presidência. Governar este país sem que haja uma reforma significativa da forma pela qual se financia a política, retirando o poder econômico da escolha de candidatos, e com isso trazendo pessoas de boa vontade para decidir as questões nacionais, não é tarefa fácil. Muitos querem mudanças, mas ficam confortavelmente em suas casas, falando para suas bolhas nas redes sociais. Outros batem nas costas daqueles poucos que ainda têm coragem de lutar, incentivando-os a seguir em frente, mas virando as costas em seguida e deixando-os sozinhos e desamparados. A eleição de uma fraude como Bolsonaro, a mordaça imposta contra procuradores e juízes e o fim da operação Lava Jato em Brasília, São Paulo e Curitiba trouxeram muito desencanto, fazendo com que os defensores de mudança se colocassem em debandada. E, infelizmente, não há ninguém para dar o toque de cerrar fileiras novamente.

Entretanto, sem apoio popular não haverá mudanças. Iremos caminhar para a aprovação de leis que vão permitir a apropriação pelos políticos de fatia cada vez maior do dinheiro público, seja para seus projetos pequenos e provincianos, na melhor hipótese; seja simplesmente para seus bolsos, como tanto foi revelado pela Operação Lava Jato. Irão anistiar crimes por eles mesmos cometidos, ampliar os fundos eleitorais e partidários, dificultar investigações de corrupção, derrubar a Lei da Ficha Limpa e de Lavagem de Dinheiro e tornar ainda mais ineficiente a Justiça Eleitoral. Iremos regredir 50 anos em 5, parodiando Juscelino.

Talvez mereçamos isso, pois estamos deixando nos amedrontarem, nos empurrando para uma vida mesquinha em que tentamos apenas nos salvar, mas não os outros ou o próprio país. Temos todos nós medo, é certo, mas o medo é a oportunidade de nos redimirmos. Não há coragem sem medo, e esta é a oportunidade para a redenção. O Brasil precisa desesperadamente de ex-covardes.

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