Adriano Machado/Crusoé

A bola está com o Centrão

O deputado Marcelo Ramos, presidente da comissão especial da reforma da Previdência, diz que o futuro da proposta dependerá muito mais dos parlamentares dos partidos de centro do que dos aliados do governo ou da oposição. Ele acredita que a aprovação poderá vir em julho
14.06.19

Em seu primeiro mandato como deputado federal, o advogado amazonense Marcelo Ramos, de 45 anos, ganhou um presente. Foi escolhido para presidir, na Câmara, a comissão especial que analisa o mérito da pauta econômica mais importante do governo: a reforma da Previdência. O presidente da casa, Rodrigo Maia, foi quem o escolheu. Especialmente porque o novato Ramos é do PL, até há pouco chamado de PR, um dos principais partidos do Centrão, o bloco informal que inclui ainda DEM, PP, PSD, PRB e Solidariedade — e que, sabidamente, joga junto com Maia.

Com governo e oposição sem maioria para aprovar o que querem, o grupo atua como o fiel da balança. E é justamente esse papel do Centrão que Marcelo Ramos diz que vai ser determinante para a reforma. Para ele, o futuro da proposta não depende nem dos governistas nem da oposição: “A oposição não tem voto para paralisar e o governo não tem voto para aprovar. Quem decide se as coisas andam ou não são os partidos de centro, que têm a grande maioria dos deputados aqui”.

Nesta quinta-feira, 13, a comissão especial presidida por Ramos conheceu o parecer do relator da reforma, o deputado tucano Samuel Moreira, de São Paulo, que altera alguns pontos do texto original enviado pelo governo. Marcelo Ramos acredita que conseguirá levar a proposta a votação na comissão antes do recesso de julho. A seguir, os principais trechos de sua entrevista a Crusoé.

A reforma da Previdência passa na comissão e no plenário antes do recesso de julho?
Se conseguirmos trabalhar na semana do São João, que é a última de junho, acredito que termina na última semana do mês na comissão. Se não conseguirmos, será na primeira semana de julho. Aí vai para o plenário. Na comissão, precisa da maioria simples do total de 49 votos, o que significa 25 votos. Como o processo de discussão da matéria é aberto, todos os deputados podem falar, mas é possível haver aprovação de requerimento para encerramento da discussão depois de falarem cinco a favor e cinco contra. Tenho sugerido à oposição que, em vez de fazer aquela obstrução tola, despolitizada, que aja de forma mais qualificada, que abra mão da obstrução regimental para garantirmos a fala de todos. Um debate mais prolongado acho que é bom para todo mundo. Ganha a sociedade, porque pode assistir a mais opiniões sobre um tema que é sensível. Ganha a oposição, porque vai ter espaço para falar e emitir sua opinião. Ganha o governo, porque vai ter o espaço para defender a proposta. E, acima de tudo, ganha o Parlamento, que não vai cumprir aquele papelão dessas obstruções que, às vezes, até ridicularizam o Congresso.

E no plenário, é possível aprovar ainda em julho?
No plenário, precisa de três quintos de 513 votos. São 308 votos. A construção é um pouco mais complicada. Mas aí a responsabilidade já não é minha, passa para as mãos do presidente Rodrigo Maia. Não é uma tarefa fácil, mas acho que é possível. A capacidade de aprovar ou não antes do recesso tem relação direta com o nível de unidade que houver em torno do relatório. Se o relatório conseguir unificar os partidos de centro em torno dele, fica mais fácil de aprovar. Se tiver um ou alguns partidos do centro contrariados com o relatório, eles se juntam com a oposição, e isso, obviamente, dificulta a aprovação da matéria.

Os vazamentos de mensagens atribuídas ao ministro Sergio Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato podem afetar a tramitação da reforma?
No que depender de mim, farei todos os esforços para que não interfiram. Tive reunião com governadores, com a oposição e com quase todos os líderes partidários justamente para tentar sensibilizá-los da necessidade de que a reforma siga blindada em relação a essas crises políticas. Defendo isso porque, quando falamos de reforma da Previdência, não enxergo o 1 trilhão (de reais) do (ministro da Economia, Paulo) Guedes. Enxergo o investidor que quer investir no Brasil, mas está inseguro por causa dessa instabilidade econômica. Enxergo empresários que estão vendo o negócio deles ficar inviabilizado por causa da crise econômica. Enxergo o empregado que está com medo de perder o seu emprego. Enxergo, acima de tudo, 12,7 milhões de desempregados e 4,7 milhões de desalentados (pessoas que desistiram de procurar emprego). Não podemos sujeitar o Brasil a essas crises políticas que não são produzidas pelo Brasil que produz. Com o trocadilho. Não são do Brasil que empreende, que trabalha, que produz essas crises políticas. Então, não podemos pegar uma crise que não foi produzida pela economia real e permitir que ela contamine a economia real.

Mas há riscos efetivos?
O único risco que existe é de um acirramento da oposição, e ela efetivamente entrar em obstrução em todas as matérias, inclusive a reforma. Não vejo, nos partidos de centro, essa disposição de inviabilizar a reforma. Se os partidos de centro não quiserem atrasar, vamos conseguir blindar a reforma por um motivo simples: a oposição não tem voto para paralisar e o governo não tem voto para aprovar. Quem decide se as coisas andam ou não são os partidos de centro, que têm a grande maioria dos deputados aqui.

O governo tem maioria hoje para aprovar a reforma na comissão?
O governo não tem, nem terá. Porque a responsabilidade dessa reforma tem sido muito menos do governo e muito mais do próprio Parlamento. Agora, nós construiremos a maioria necessária para aprovar a reforma. A proposta do governo não tem maioria. Mas tenho certeza de que o relatório do deputado Samuel Moreira terá maioria folgada.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“A responsabilidade dessa reforma tem sido muito menos do governo e muito mais do próprio Parlamento”
Como avalia o papel da articulação política do governo na tramitação da reforma?
A articulação política do governo, aqui, inexiste. Claro que há um esforço, que deve ser saudado, de alguns líderes partidários, do Major Vitor Hugo, da Joice (Hasselmann), do próprio Alexandre Frota. Mas são esforços isolados deles, que nem caracterizo como articulação política do governo. A articulação política do governo em relação à pauta da reforma da Previdência é praticamente inexistente. Até porque, tirando focos isolados no Ministério da Economia, para mim, está claro de que essa não é uma prioridade do governo. Quando é prioridade, você dá centralidade a isso. Gosto muito de imagens. No dia em que estávamos realizando um seminário internacional, o presidente (Jair Bolsonaro) poderia ter atravessado a rua e ter vindo aqui fazer uma fala de reafirmação do compromisso dele com a reforma da Previdência. Mas ele atravessou a rua e veio aqui defender um projeto de aumentar pontuação para infratores de trânsito. Isso demonstra que falta, efetivamente, prioridade. Mas não importa se falta prioridade para o governo. Entendemos que essa não é uma pauta do governo. É uma pauta do Brasil e vamos tocá-la como tal.

O sr. faz coro aos que dizem que Bolsonaro não está 100% convencido sobre a necessidade da reforma?
A trajetória de 28 anos do presidente Bolsonaro é combatendo reforma da Previdência e defendendo interesses corporativos de servidores públicos. Ele não pode mudar isso em cinco meses. Então, efetivamente, se tem alguém que não é convencido da necessidade disso é ele, pela trajetória dele, pela forma de enxergar o mundo. Na verdade, vestiram uma capa de liberal no presidente Bolsonaro durante o período eleitoral. Mas ele é tudo, menos liberal. Pelo menos no histórico dele. Talvez ainda esteja sendo convertido para o liberalismo. Mas você não converte alguém que passou 28 anos sendo populista em liberal em apenas cinco meses. Obviamente que ainda existem esses conflitos dentro dele, e mesmo quando entregou a reforma aqui ele disse: olha, nem queria muito, mas está aqui, está entregue. E os gestos depois disso são de quem não tem muito convencimento em relação à importância da reforma.

Isso atrapalha?
Acho que não. Quando a gente fala em blindar a reforma, blinda das manifestações a favor do governo, das manifestações contra o governo, das crises políticas e da falta de centralidade da reforma no discurso e nas ações no governo Bolsonaro.

A oposição exagera nas críticas à reforma?
É uma resistência de natureza política, e é natural que ela ocorra. Não desqualifico por causa disso. Na verdade, é uma demarcação em relação ao governo Bolsonaro. Mas acho que a oposição ficará, com o relatório do deputado Samuel Moreira, numa situação muito difícil. Porque todos os pontos que foram centrais no discurso da oposição foram modificados no relatório. Portanto, a oposição terá que criar um novo discurso para se contrapor ao relatório. Retirar trabalhador rural, BPC (Benefício de Prestação Continuada), desconstitucionalização e capitalização e manter um redutor de cinco anos para professores era o cerne do discurso da oposição desde que começou o debate da reforma aqui. A partir do momento em que o relatório avança nesse sentido, a oposição vai ter que encontrar outra justificativa para criticar a reforma. Negar o déficit da Previdência e a necessidade de enfrentar esse tema é negar o óbvio. Qualquer governo que ganhasse a eleição enfrentaria esse tema. Não tenho dúvida de que, se o (Fernando) Haddad fosse presidente, também estaríamos discutindo a reforma da Previdência.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Vamos tirar do país a chance de voltar a crescer porque estamos preocupados com a eleição de presidente que vai acontecer em 2022?”
Com as mudanças na proposta trazidas pelo relator, qual deverá ser efetivamente a economia do governo?
O relatório prevê algo entre 800 bilhões e 1 trilhão de reais. Vi um esforço muito grande do deputado Samuel Moreira em chegar a 1 trilhão no relatório. Não vejo muita possibilidade de desidratação pela forma como o relatório foi construído. Ele foi feito em diálogo com as lideranças partidárias. Ainda que você tenha um ou outro interesse corporativo, isso vai ser objeto de destaque. Os deputados comprometidos com essas corporações vão dar lá o seu voto. Mas acho que não podemos cair na tentação de ceder excessivamente a pressões corporativas, sob o risco de, em cedendo a essas pressões de servidores públicos, perdermos a autoridade para exigir sacrifícios do regime geral, que é um regime muito mais duro do que os regimes próprios (aqueles que abrangem o funcionalismo).

Como o ministro Paulo Guedes sairá, politicamente, desse processo de tramitação da reforma?
Sempre digo que torço para o Brasil ser o primeiro case de sucesso da Escola de Chicago no mundo. Porque ela não deu certo em nenhum lugar do mundo até agora. O (Milton) Friedman, que era o grande teórico dessa escola, fez autocrítica no final da vida. E o Paulo Guedes é um dos poucos economistas que ainda ficaram amarrados naquela tradição ultrapassada, na minha opinião, da Escola de Chicago. Então, obviamente, nem tudo que ele defende tem consonância com a realidade. Essa proposta mesmo de capitalização pura, sem explicar como vai pagar a transição, como vai pagar o estoque no regime anterior — isso não tem nenhuma sustentabilidade. Mas acho que ele está tendo um confronto com a realidade, e isso o está engrandecendo. Com a realidade política e um pouco com a realidade econômica também, porque, fora os que vieram para as audiências públicas como representantes do governo, nenhum outro defendeu a capitalização. Todos falaram contra a capitalização. Todos que eram a favor da reforma falaram contra esse modelo de capitalização pura. O ministro Paulo Guedes precisa entender que ele é um no meio de uma multidão, não é o dono absoluto da verdade. Ele tem as suas convicções, eu até elogio, porque acho que o Ministério da Economia é um dos poucos setores desse governo que têm um plano de voo, que sabe o que quer. Posso até discordar do que eles querem, mas sei que eles sabem o que querem, que eles têm um rumo, uma lógica, uma agenda. Mas acho que o ministro já percebeu que essa agenda dele precisa ser temperada pelo diálogo com a Câmara. Até porque ele não tem legitimidade popular, porque não foi eleito. O presidente que o escolheu tem legitimidade popular, mas, de um certo ponto de vista, o Congresso tem mais. Porque o presidente é representante só dos 56 milhões que o elegeram, enquanto o Congresso representa a pluralidade do povo brasileiro, inclusive as minorias. Mas ambos estão legitimados, e é no processo de diálogo harmônico entre os dois Poderes que a gente vai encontrar a justa medida para o país. Nem é só o que o presidente quer, nem é só o que o parlamento quer. O resultado desse diálogo é que me parece o melhor caminho para o país.

Por que há tanta resistência dos parlamentares em manter servidores estaduais e municipais na reforma em discussão?
Primeiro, tem uma resistência política e uma resistência jurídica. Estamos tratando de regimes próprios de servidores públicos estaduais e municipais. O nosso modelo é federativo. E a essência da federação é a autonomia de estados e municípios. Portanto, não vejo como aberração quem defende que estados e municípios têm que resolver a suas próprias previdências. Mas é verdade que não é esse o principal motivador hoje. A principal resistência é de natureza política. Eu separaria a ação dos governadores em três etapas. Primeiro, uma etapa muito ruim, que foi aquele gesto dos governadores do Nordeste de assinarem uma carta contra a reforma. Depois, uma atitude muito ruim dos que eram a favor, de tentar enquadrar e constranger a Câmara dos Deputados. Óbvio que isso contaminou muito a relação. De terça-feira em diante, percebi uma atitude mais colaborativa dos governadores. Os governadores do Nordeste dizendo que, se alguns pontos fossem ajustados, eles embarcariam na reforma, e os governadores que tentaram constranger a Câmara entendendo que o caminho do constrangimento não era o melhor, que o melhor era um caminho colaborativo. Mas ainda há muita resistência. E essa resistência tem um histórico. Muitos deputados estavam nos palanques dos partidos de oposição. Então, entendo que um deputado desses tenha restrição política a votar uma reforma da Previdência, porque, amanhã, estará sendo constrangido no seu estado. Principalmente a um ano de eleição municipal. Acho que é natural e que os governadores devem fazer um esforço de sensibilização, firmando compromissos. Acho que ajudaria muito o processo se fosse feita agora uma assinada pelos 27 governadores, deixando claro que são a favor da reforma da Previdência. Não sei se conseguem isso. Acho que estão perto de conseguir. Valeria muito a pena. Contribuiria muito.

A aprovação da reforma dará mais força política e eleitoral ao presidente Jair Bolsonaro?
Acho que é uma bobagem discutir reeleição de um governo que tem seis meses de mandato. Agora, espera aí: vamos paralisar o país, vamos tirar do país a chance de voltar a crescer porque estamos preocupados com a eleição de presidente que vai acontecer em 2022? Isso não me parece razoável. Acho que está cada vez mais claro para muitos setores da sociedade que essa reforma da Previdência é muito mais da Câmara do que do presidente. A Câmara carregou nas costas essa reforma da Previdência. Se dependesse do presidente, não tinha andado aqui. A segunda coisa: só a reforma não vai resolver o problema do país. Quem tem a ilusão de que aprovou a reforma e, no outro dia, o Brasil vai virar um mar de prosperidade acredita na panaceia do discurso do Paulo Guedes. Esse discurso não é verdadeiro, eu não entro nesse discurso, porque eu quero, depois de amanhã, andar na rua. A reforma precisa vir acompanhada de estabilidade política e institucional, porque instabilidade político-institucional também gera insegurança para o investidor, em especial o externo. Portanto, o poder executivo não pode permitir que a sua milícia virtual e de rua fale em fechar Câmara, fechar Congresso, e o Parlamento não pode ter a irresponsabilidade de, neste momento, com um presidente legitimado pelo povo, recém-eleito, falar em parlamentarismo, em impeachment, em qualquer coisa que signifique ruptura institucional. Todos os economistas dizem que este ano está perdido, com ou sem reforma da Previdência. Vamos ter o PIB abaixo de 1%, vamos ter crescimento da taxa de desemprego, até porque os efeitos da reforma são de médio e longo prazo. O que a reforma vai dar é um sinal para investidores do que o Brasil é um país confiável. Esse é um sinal inicial, não resolve todos os males.

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