Chico Santa Rita e Paulo de Tarso: previsão de eleição turbulenta (Arquivo pessoal)

A eleição da Lava Jato

Chico Santa Rita e Paulo de Tarso Santos, os marqueteiros de Collor e Lula em 1989, comparam a campanha de suas vidas com a corrida presidencial deste ano e não duvidam: o debate sobre a corrupção será central
11.05.18

Uma campanha presidencial nebulosa, com mais de uma dezena de candidatos, cenário indefinido a poucos meses de os eleitores encararem as urnas e um dos postulantes prometendo higienizar a política e combater as mazelas no serviço público. O desenho deste 2018 remete, por essas e outras semelhanças, à corrida eleitoral de 1989, quando Fernando Collor de Mello foi ao segundo turno e bateu Luiz Inácio Lula da Silva. Naquela época, eram 22 candidatos. Agora, já são pelo menos 16. Para traçar um paralelo entre as duas eleições, Crusoé entrevistou os marqueteiros que comandaram o duelo particular entre Collor e Lula. Chico Santa Rita, a cabeça por trás do Collor “caçador de marajás”, acredita que dificilmente o brasileiro colocará um radical no Palácio do Planalto. Morando em Portugal, ele se diz desiludido com a política brasileira. Já Paulo de Tarso Santos, que esteve à frente do “Lula lá”, enxerga com certa resignação a transmutação de seu ex-cliente, hoje encarcerado em Curitiba. Afirma que o petista está longe de ter o poder exibido no início da carreira, por ter perdido “o controle do voto progressista”. O marqueteiro prevê uma campanha virulenta, mais até do que a de 1989, marcada por ataques pessoais entre os candidatos. Ambos concordam que, na primeira eleição presidencial após o efeito avassalador da Lava Jato, a corrupção será o grande tema.

Que paralelo é possível traçar entre as eleições deste ano e as de 1989?

Chico Santa Rita – Em 1989, era praticamente a primeira eleição pós-ditadura e naturalmente havia muitos discursos diferentes. A de 2018 é uma das mais complicadas que já vi em toda a minha carreira, e olhe que trabalho em campanhas há mais de 40 anos. Virou uma bagunça, um balcão de negócios. Dá apenas para apostar que haverá um grande número de votos brancos e nulos. É a maior tendência hoje.

Paulo de Tarso – Estamos falando de um cenário multidividido, em que um pontinho pode fazer a diferença, assim como em 1989. A gente (refere-se à chapa encabeçada por Lula) passou com 16,7%; Leonel Brizola teve 16%. Acredito, porém, que teremos a eleição mais violenta da história do Brasil, porque inclusive candidatos do mesmo campo vão ter que se diferenciar muito um do outro. Será uma eleição de prontuários. Dizer “Eu fiz a ponte tal, fui um bom governador, fui um bom ministro” não vai resolver.  A tentativa de diferenciação vai levar o sujeito a dizer ao outro: “Você foi acusado de tal coisa. O que o senhor tem a dizer? O senhor é investigado no Supremo”. E não tem ninguém aí bonzinho, ninguém que não possa ser alvo de algum tipo de questionamento. Não há uma Madre Teresa de Calcutá disputando. O debate também está mais acirrado do ponto de vista ideológico, embora também houvesse diferenças marcantes em 1989. Imagine o Bolsonaro discutindo com o (Guilherme) Boulos. Você acha que vai ser uma discussão tranquila? O principal fenômeno neste ano será uma grande saída do armário, de todos os lados. A direita saiu do armário, o centro também, a esquerda idem — todo mundo está saindo do armário para se posicionar com mais clareza.

Preso, em que medida o ex-presidente Lula conseguirá transferir votos?

Chico Santa Rita –  Muitas pessoas ainda não digeriram o que aconteceu com o Lula. O que elas sentem, em geral, é uma grande insatisfação, mas ainda não dá para dizer (quais serão os reflexos na eleição).

Paulo de Tarso – Independentemente da prisão, ele não tem mais controle do voto progressista. Uma parte dessa ala já havia se distanciado do PT, por causa das práticas do partido. O Lula cumprirá um papel da prisão, sem dúvida, mas houve um desgaste muito grande. Acredito que ele terá importância maior na disputa das eleições proporcionais, de deputados e senadores, do que propriamente na eleição presidencial. Nesse caso, ele será um puxador de votos, mesmo na cadeia, mesmo preso.

Bolsonaro tem chance de se eleger presidente?

Chico Santa Rita – É uma das vinte hipóteses que existem. Eu não acredito, porém, na vitória de um radical, nem de um lado nem de outro.

Paulo de Tarso – O Bolsonaro está na frente porque representa a antipolítica. Aos olhos de boa parte do povo, os outros concorrentes são mais parte do problema do que da solução. Bolsonaro tem o discurso da antipolítica, mas é um deputado de sete mandatos. Com certeza, a maioria dos candidatos vai se dedicar a tirá-lo do sério.  Ao contrário das previsões, porém, Bolsonaro está resistindo, não está desidratando. Se a eleição não fosse de dois turnos, teria mais chance de vencer. Mas ele não mostra capacidade de aglutinar a maior parte do Brasil, ao contrário de Collor na campanha de 1989. Quem for para o segundo turno contra Bolsonaro, deve ganhar a eleição.

 

Chico Santa Rita, logo após a campanha de 1989: para ele, as eleições deste ano serão as mais complicadas da história do país (Arquivo pessoal)
 

Que efeitos a Lava Jato deve impor à corrida eleitoral?

Chico Santa Rita – Volta e meia você tem gente de um lado e de outro que é presa, que é solta. O eleitor fica perdido no meio dessa confusão. Tanto é que é uma eleição em que você vê um maior número de indecisos, de pessoas insatisfeitas com a situação geral do país. A corrupção será o maior dos temas, mas haverá outros também. A população está cansada do contexto brasileiro de desemprego e desigualdade.

Paulo de Tarso – Só o discurso já não dá mais conta. Dizer apenas “eu sou honesto” não funciona mais. Ninguém acredita. Talvez o Boulos critique o Moro, talvez haja na extrema-esquerda uma tentativa de falar em estado de exceção, de dizer que o Brasil vive numa espécie de ditadura, mas não pega, e não é por aí. O eleitor está indignado com o que fizeram com o dinheiro dele, com o que ele perdeu. A Lava Jato moralizou o ambiente, desconstruiu a estrutura política que sempre comandou o país. O eleitor não quer mais só o resultado, a ponte, o asfalto. Aumentou a demanda por valores. E o valor principal é o da ética, o da anticorrupção. Essa pauta tomou conta do Brasil.

O tempo de propaganda na televisão, muito menor agora, terá um impacto diferente em relação a 1989?

Chico Santa Rita – Na última eleição de prefeitos, em 2016, tínhamos um candidato com dez segundos de tempo de televisão em São Luís do Maranhão. Sabe o que aconteceu com ele? Foi para o segundo turno. E quase que ele ganha a eleição. Sabe o que são dez segundos? Tente colocar uma frase bem construída em dez segundos… O que importa não é só o tempo de televisão. É tempo de televisão bem usado. Será preciso melhor planejamento para aproveitar ao máximo cada segundo.

Paulo de Tarso – Antigamente todo candidato dizia: “Quando começar a campanha pela televisão, a gente resolve”. Isso acabou. A propaganda na tevê foi praticamente anulada pelas mudanças na lei eleitoral. Em 1989, a divisão do tempo era completamente diferente. A maioria dos candidatos, o Afif, o Brizola, tinha cinco minutos. O Collor tinha dez minutos e o doutor Ulysses, mais de 20 minutos. Todos os candidatos, tirando os nanicos, como o Enéas, tinham tempo suficiente para expor suas ideias. O tempo caiu pela metade. Os programas maiores vão ficar na faixa de dois minutos. Ou seja, é como um comercial grande. Será preciso usar basicamente uma linguagem publicitária. Isso vai afetar principalmente os candidatos que precisam ser lembrados. Em 89, nossos candidatos no início eram conhecidos por 4% dos eleitores e logo passaram a ser conhecidos por 99%. Nesse sentido, dois minutos é pouco tempo. E não vai dar muito para descrever planos e discutir projetos.

O fenômeno das fake news é realmente uma novidade?

Chico Santa Rita – Já enfrentamos muitas situações de boataria em campanha e tudo acabou dando certo porque não se levou isso aí tão a sério. Não acho que as redes sociais terão essa importância toda, porque têm baixa credibilidade. Rede social aceita qualquer coisa, e as pessoas sabem disso. É coisa de grupelhos que acham que todo mundo vai acreditar no que botam na rede social. Não é assim que funciona.

Paulo de Tarso –  As fake news não vão ser decisivas. Haverá campanhas de destruição muito pesadas nas redes sociais, mas elas tendem a anular-se, porque se você ataca de um lado, o outro também ataca.

 

Paulo de Tarso, à direita, observando Lula durante entrevista: ele diz que o petista perdeu o controle da esquerda (Arquivo pessoal)
Em 1989, a campanha de Collor explorou a história de que Lula tinha uma filha fora do casamento e teria pedido o aborto. Esse tipo de recurso ficou no passado?

Chico Santa Rita – A questão da Miriam Cordeiro não foi a única naquela eleição. Houve outros fatores. O determinante da derrota do Lula foi que nós acabamos mostrando que ele era uma pessoa despreparada.

Paulo de Tarso – Era uma mega fake news que foi transmitida em cadeia nacional. E, no entanto, não acredito que tenha tido maior influência. A gente tem que confiar um pouco no bom senso do povo. O Ibope apresentou pesquisa depois do caso Miriam Cordeiro (a mãe de Lurian, filha de Lula, cujo depoimento foi exibido na campanha de Collor). Claro que algumas pessoas ficaram indignadas com o Lula por ele ter tido um filho fora do casamento. Mas muita gente também ficou indignada com o fato de usarem a vida pessoal dele. A estratégia dividiu os eleitores, mas não foi determinante no resultado. O que valeu ali foi o debate mesmo, a política.

Vocês trabalharão em alguma campanha deste ano?

Chico Santa Rita – Não tenho nenhuma intenção de trabalhar em campanhas este ano. Trabalho para candidatos em quem acredito. Hoje não há proposta em que realmente acredite. Não consigo ver nesta eleição alguma coisa boa para o Brasil. O que estou vendo por enquanto são só situações favoráveis a alguns indivíduos e a negócios. Como está tudo complicado, acho difícil que eu volte a trabalhar no Brasil. Estou preocupado em fazer meu vinho aqui em Portugal.

Paulo de Tarso – Estou fechado com campanhas para governador em dois estados.

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