Divulgação"É preciso aproveitar o empurrão que os Acordos de Abraão deram à região e envolver os palestinos, para que eles não percam o trem da história mais uma vez"

A paz entre israelenses e sauditas

Presidente da Câmara de Comércio Israel-Países do Golfo, Henrique Cymerman diz que um acordo com os sauditas está próximo e poderá engatilhar relações com vários outros países árabes e muçulmanos
24.06.22

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fará uma viagem em julho para Israel, de onde voará direto para a Arábia Saudita. A expectativa é a de que ele anuncie acordos diversos entre esses países e com outras nações do Oriente Médio. A visita de Biden acontecerá na esteira dos Acordos de Abraão, que foram assinados entre Israel, Bahrein e Emirados Árabes Unidos, em 2020, durante o governo de seu antecessor, Donald Trump. Pouco depois, Sudão e Marrocos também normalizaram as relações com Israel e assinaram acordos de comércio, de turismo e de investimentos.

Uma provável entrada da Arábia Saudita nesses acordos poderia levá-los a outro patamar. Para o jornalista israelense de origem portuguesa Henrique Cymerman, presidente da Câmara de Comércio Israel-Países do Golfo, um anúncio com os sauditas é iminente e pode abrir as portas de quase todo o mundo árabe e muçulmano para os israelenses.

A Arábia Saudita é a autoridade moral no mundo árabe e no mundo muçulmano. Eu sei de vários países que estão à espera desse gesto saudita para estreitar relações com Israel”, diz Cymerman, de 63 anos, que acaba de lançar o livro Conversando com o Inimigo, pela Talu Cultural.

Um melhor entendimento entre americanos, israelenses e sauditas deve reforçar um movimento geopolítico já em andamento: o da aproximação dos países do islamismo sunita com Israel. Em comum, todos eles estão preocupados com o programa nuclear do Irã, onde os aiatolás professam o islamismo xiita e querem ter a hegemonia no Oriente Médio. “Para impedir isso, eles tornaram o inimigo do século XX, que era Israel, no aliado do século XXI”, diz Cymerman, que esteve no Brasil a convite da Confederação Israelita do Brasil, da Câmara Brasil-Israel e da Federação Israelita. Segue a entrevista que ele deu a Crusoé:

Quão real é a possibilidade de um acordo de paz entre Israel e Arábia Saudita? 
A Arábia Saudita é uma questão-chave para a continuação dos Acordos de Abraão, que já incluem quatro países: Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. A Arábia Saudita ainda não está entre eles, mas sabemos que o Bahrein, considerado a porta de entrada da Arábia Saudita, jamais teria assinado esse tratado há 21 meses sem o aval dos sauditas. Uma série de acordos menores já foram anunciados em diversas áreas entre Israel e Arábia Saudita, e eu participei indiretamente deles. Estive na capital Riad muitas vezes e sei de muita gente de Israel que começou a ir para lá. Há duas semanas, um avião privado com dez homens de negócios israelenses foi para a Jordânia e, de lá, para a Arábia Saudita. São laços que já existem.

O que poderá ser anunciado nessa visita de Biden ao Oriente Médio?
O presidente Biden está negociando um princípio de acordo com a Arábia Saudita, que inclui vários pontos. O primeiro deles é que a monarquia saudita permitirá o voo sobre o seu território de todas as companhias que saem de Tel Aviv ou voam para lá, incluindo as empresas aéreas israelenses. Essa medida tem um efeito econômico extremamente importante, pois irá encurtar o número de horas dos voos entre Israel e a Ásia. Por outro lado, Israel vai reconhecer a soberania saudita sobre duas ilhas que antes pertenciam ao Egito. São elas Snapir e Tiran, que ficam perto da Península do Sinai e são muito estratégicas. Para a Arábia Saudita, assumir a responsabilidade sobre essas ilhas é uma maneira de explicar à sua opinião pública interna as vantagens de um acordo com Israel. Em terceiro lugar, os Estados Unidos receberão mais petróleo. Assim, a Arábia Saudita irá cobrir o que hoje falta aos americanos com a instabilidade causada pela invasão russa da Ucrânia. Por causa de tudo isso, acredito que esse acordo será assinado em breve.

Eliana AssumpçãoEliana Assumpção“Eu esperaria de um país como o Brasil uma posição muito mais equilibrada”
Por que um acordo entre Arábia Saudita e Israel seria mais relevante do que os feitos até agora dentro dos Acordos de Abraão?
A Arábia Saudita é a autoridade moral no mundo árabe e no mundo muçulmano. É a sede de Meca e Medina. Há 400 milhões de árabes e 1,6 bilhão de muçulmanos no planeta. Seus governantes estão à espera de um sinal verde da Arábia Saudita para poder ter relações abertas e públicas com Israel. Eu sei de vários países que estão à espera desse gesto saudita para estreitar relações com Israel. Entre eles, estão Omã e Kuwait. O Catar deve receber 50 mil israelenses com seus passaportes na Copa do Mundo. Outras nações aguardando isso acontecer são a Indonésia e a Malásia. 

Como explicar esse interesse dos países árabes e muçulmanos em se aproximar de Israel?
Muitas autoridades israelenses têm visitado o mundo árabe na última década. Eu me incluí entre eles como jornalista. Fui o primeiro israelense a transmitir notícias de vários desses países, como Catar, Emirados, Arábia Saudita e Omã. Esse trabalho jornalístico abriu muitas portas para mim. Como presidente da Câmara de Comércio Israel-Países do Golfo, acompanhei a assinatura de um tratado de livre-comércio entre Israel e os Emirados Árabes Unidos. Hoje, esses dois países têm um intercâmbio comercial de 1 bilhão de dólares. Em cinco anos, esperamos que o volume chegue a 10 bilhões de dólares por ano. Esses países árabes sunitas estão extremamente preocupados com a tentativa dos xiitas iranianos de obter a hegemonia no mundo muçulmano. Para impedir isso, eles tornaram o inimigo do século XX, que era Israel, no aliado do século XXI. Eles, portanto, pedem contribuições no campo militar e no de serviços secretos. Há também uma questão de tecnologia. Israel é a “nação startup“. O país tem mais empresas startups listadas na Nasdaq do que todos os 27 países da União Europeia juntos. Os árabes pretendem que Israel amplie esse ponto para criar uma “região startup”. Eles querem que Israel compartilhe com eles suas tecnologias, com joint ventures entre os países.

Que impacto tudo isso pode ter na relação com os palestinos? 
O tema palestino é um dos mais críticos e delicados do mundo nas últimas décadas. Mas, com a pandemia, a questão acabou sendo esquecida. Os palestinos ficaram na sombra da história. As negociações não estavam prosperando e não havia perspectivas. Então, acredito que era o momento de tentar uma nova abordagem. Como dizia Alberto Einstein, estupidez é repetir a mesma estratégia múltiplas vezes e esperar um resultado diferente. É preciso pensar fora da caixa. A única estratégia realista é envolver o mundo árabe pragmático, esse que está fazendo a paz com Israel. Esses árabes têm muita influência sobre os palestinos, assim como hoje exercem sobre Israel. Seja qual for o governo israelense, o primeiro-ministro sabe que não pode mais anexar territórios na Cisjordânia, como pretendia Benjamin Netanyahu, porque isso colocaria imediatamente em perigo os Acordos de Abraão, que são considerados estratégicos. Portanto, muitas coisas mudaram. É preciso aproveitar o empurrão que os Acordos de Abraão deram à região e envolver os palestinos, para que eles não percam o trem da história mais uma vez.

Como o sr. acha que brasileiros se posicionam nos temas do Oriente Médio?
Eu esperaria de um país como o Brasil, um gigante com excelentes relações com a comunidade árabe e judaica, uma posição muito mais equilibrada em relação ao Oriente Médio. Há muita gente apoiando um ou outro lado, sem se aprofundar nos temas e com pouca paciência para os detalhes. É preciso ter um espírito um pouco mais crítico, ouvir mais e colocar-se do lado das forças democráticas, que existem dos dois lados. Não faz sentido apoiar grupos radicais islamistas e neofascistas que prendem uma mulher apenas porque ela falou com um homem de forma errada. Ou grupos que são capazes de deter um homossexual simplesmente porque é essa sua orientação. Pois essas coisas acontecem na Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, que não reconhece a existência de Israel. Chegou o momento de construir uma base para negociações futuras. Que todos reconheçamos o direito de um e de outro de estar ali, seja de Israel ou dos palestinos. Hoje, algumas negociações no Oriente Médio acontecem de maneira triangular, envolvendo árabes, Israel e países europeus. Por que não pensar que o Brasil poderia se envolver em conversas desse tipo com Israel e países muçulmanos? Acho que isso seria muito produtivo.

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  1. As relações entre países resumem-se a interesses. Séculos de ódio e de inesgotáveis atos de vingança serão deixados de lado pelo surgimento de uma ameaça comum no Irã.A frieza da geopolítica é cínica e implacável

  2. “O INIMIGO DO MEU INIMIGO É MEU AMIGO”. Há interesses de ambos os lados em ALIANÇA CONTRA o Iran. Israel e Arábia Saudita (que professa a vertente SUNITA do Islã) são inimigos do IRAN (XIITA). Os Sauditas estão lutando na guerra civil do vizinho IÊMEN CONTRA a facção XIITA apoiada pelo Iran pelo controle do país. Israel tem seu eterno problema com os palestinos. Israel e A. Saudita podem ajudar-se mutuamente: Sauditas controlando os palestinos e Israelenses fornecendo informações e tecnologia.

  3. Enfim, bons ventos soprando no Oriente Médio depois de décadas de brigas entre os "brimos". Depois da queda do muro de Berlin, achava-se que o cataclismo mundial teria agora origem naquela região. Pelo menos não é o que parece neste momento. Que o diabo leve Putin, este sim um problemaço, antes que aperte o botão.

    1. E uma maravilha uma pessoa com teu conhecimento e ponderações sobre o que está sendo tratado nesta investida de uma aproximação entre estes países mas, vejo aí um problema : o Hamas…. O Irã e seu radicalismo… como lidar com ambos?

  4. Fernando henrique Vaidoso, todo intelectual, se absteve. Lula, sempre de porre, tinha uma solução simples, para uma situação complexa e da qual não fazia a menor ideia. E Bolsonaro. Bem, esse se aproxima de Israel, mas está preocupado em salvar Flávio Wonka rachadinha. E agora , com a reeleição

  5. Duda, arrasou na entrevista, de novo! Muito legal! Na vdd, eu admiro demais vcs, q entendem de Oriente Médio, só por guardar as informações, qto mais por entender as relações e analisá-las da forma como fazem! Qto a opinião dele sobre o posicionamento brasileiro, eu, q não entendo desse tema, penso q ele está certo: falta equilíbrio. Estamos perdendo nossa capacidade de dialogar. Em todos os setores...

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