Adriano Machado/CrusoéO coordenador-geral de repressão a drogas da Polícia Federal: estrangulamento econômico contra o tráfico

‘Aplicamos os princípios da Lava Jato no combate ao tráfico’

07.06.19

O delegado federal Elvis Secco, de 46 anos, prendeu, em 2017, um dos ‘barões do tráfico’ na América do Sul, o traficante Luiz Carlos da Rocha, mais conhecido como Cabeça Branca. Para pegá-lo, os investigadores recorreram a um modelo de investigação baseado na experiência da Lava Jato: seguir o dinheiro que sustentava o grupo criminoso. Durante toda a apuração, só foram apreendidas drogas no dia da prisão. A estratégia prioritária era cercar seus bens, o que acabou sendo feito. Mais de 1 bilhão de reais do seu grupo foram bloqueados pela Polícia Federal.

Foi uma das primeiras operações realizadas contra esse tipo de crime inspiradas na Lava Jato. O foco não eram pilhas e pilhas de drogas empacotadas, mas o estrangulamento financeiro do criminoso e o combate à lavagem de dinheiro. Agora, como titular da Coordenação-Geral de Polícia de Repressão a Drogas da Polícia Federal (CGPRE), ele pretende fazer dessa estratégia o principal meio de combate a traficantes, facções criminosas e milícias. “Estamos aplicando os princípios da Lava Jato no combate ao tráfico”, diz Secco. Outra prioridade é intensificar a prática iniciada na gestão anterior da PF de, por meio da cooperação jurídica internacional, realizar operações em países vizinhos para erradicação de plantações de maconha e cocaína. “O objetivo é combater o tráfico de droga na sua origem”, afirma o delegado. Segundo ele, a eficácia é maior e o custo muito menor quando se atua diretamente nas áreas produtoras. A seguir, os principais trechos da entrevista a Crusoé.

Por que no Brasil se apreende bastante droga e o tráfico não diminui?
Apreendemos muita droga em razão de fazermos fronteira com países produtores mundiais de cocaína e maconha. A questão é que fazemos isso há décadas e não diminuiu o número de apreensões. Ao contrário, aumentou. Não podemos atribuir isso apenas ao fato de termos uma polícia mais efetiva. Temos que levar em consideração que a produção nos países fronteiriços cresceu vertiginosamente. Consequentemente, a apreensão vem aumentando.

A estratégia de apreensões continuará?
A apreensão não é mais nosso viés. O objetivo agora é combater o tráfico de drogas na sua origem, através da quebra financeira das lideranças das organizações criminosas.

Como isso funciona na prática?
É o que já estamos fazendo. Na operação Spectrum, já sequestramos mais de 1 bilhão de reais em patrimônio de Luiz Carlos Rocha, conhecido como Cabeça Branca. O que é muito mais do que foi levantado com qualquer outro traficante preso até hoje. Estamos aplicando os princípios da Lava Jato no combate ao tráfico. O cerne é a questão financeira, a lavagem de dinheiro.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Temos que levar em consideração que a produção nos países fronteiriços aumentou. Então, consequentemente, a apreensão vem aumentando”
O caminho, então, é tirar o dinheiro dos traficantes?
Sim. O tráfico é o crime mais lucrativo do planeta. A PF apreendeu 79 toneladas de cocaína no último ano. Pergunte se eu estou feliz. Não estou. Esse número é nada, quando levamos em conta que passam 2 mil toneladas pela fronteira por ano. Se você apreende e não desarticula a organização criminosa, não prende os líderes, você não está fazendo como deve ser feito.

O senhor sugere evitar a entrada da droga no Brasil a partir da erradicação de plantações nos países vizinhos. É possível?
Já erradicamos, em cooperação internacional com o Paraguai, 1.137 toneladas de droga, mais de 6 vezes o que foi apreendido em 2018. A cooperação com o Paraguai está sendo estendida para outros países. Agora, estamos ampliando a atuação para os países produtores de cocaína, como Peru e Bolívia, inclusive com a inserção de oficiais especialistas em lavagem de dinheiro. Fornecemos capacitação e treinamento nessa área para policiais desses países.

E as facções, estão no foco da repressão ao tráfico?
Em relação às facções, os alvos também são a supressão financeira das lideranças e o combate ao tráfico na origem.Temos no âmbito da PF uma coordenação específica para facções e crimes violentos. Realizamos um trabalho integrado, muito defendido pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, por meio da secretaria criada no Ministério da Justiça para operações em conjunto. Estamos criando forças-tarefas, com várias polícias e departamentos penitenciários e troca de inteligência.

A descriminalização das drogas não seria um caminho?
Não. O Brasil tem que investir na parte de prevenção. Aqui na PF temos um programa em que vamos às escolas e ambientes públicos para falar sobre prevenção. Na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) também há projetos com foco em prevenção. Tenho mais de 20 anos de atuação na polícia e não acredito que a descriminalização das drogas diminuirá o consumo ou o tráfico. Nossa situação é atípica. Quando formos pensar em descriminalização, não podemos esquecer que temos uma fronteira imensa com países produtores de drogas.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Não acredito que a descriminalização das drogas diminuirá o consumo ou o tráfico. Nossa situação é atípica. Temos uma fronteira imensa com países produtores”
O modelo de atuação é o mesmo no combate ao tráfico de armas?
Esse problema está intimamente ligado ao tráfico de drogas, porque os traficantes precisam das armas para cometer os seus crimes. A nossa ação está sendo principalmente na cooperação internacional com o Paraguai, já que 80% das armas entram por esse país. Hoje, há uma troca de informações com o Paraguai. A PF disponibiliza para o governo paraguaio um sistema de banco de dados melhor, além de capacitação para controle e rastreio das armas. Estamos partilhando essa expertise para que eles tenham maior controle sobre o armamento comercializado lá.

E aqui no Brasil?
Aqui estamos implementando o controle nacional de rastreio. Já está em andamento, no âmbito da PF, e é muito interessante. Vai ter troca de informações com os demais bancos de dados. Por exemplo, com o Exército e com empresas que fabricam armas no Brasil. Mas esse controle nacional também terá um braço no Paraguai, necessariamente. As armas que são vendidas legalmente e as apreendidas vão ser cadastradas na origem. O cadastro vai mostrar de onde veio, de qual loja, quando, quem comprou. Hoje não é assim e precisamos dessa cooperação com o Paraguai para mudar a situação. Hoje, no Paraguai, dá para comprar arma em loja de varejo sem se identificar.

As milícias estão na mira da PF?
A PF, em conjunto com outras forças, principalmente no Rio de Janeiro, inclusive o Ministério Público, está investigando as milícias. Como as milícias atuam tanto no tráfico de drogas como no crime violento, elas estão sob o guarda-chuva da nossa coordenação. E o princípio é o mesmo: identificar o patrimônio primeiro e depois prender os seus líderes.

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