Divulgação"O que nos assusta são as organizações criminosas que se escondem no território venezuelano, onde nosso Exército não chega"

‘Não se faz mudança com a corrupção de sempre’

Refém das Farc por seis anos, a colombiana Ingrid Betancourt afirma que seus antigos algozes não se ‘arrependeram de coração’ e que está preocupada com o futuro governo de Gustavo Petro
01.07.22

De cidadania colombiana e francesa, a ex-senadora Ingrid Betancourt ganhou fama no Brasil ao ser libertada em uma operação militar, em 2008, depois de passar seis anos refém das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc. Hoje vivendo em Bogotá, ela desenvolve um papel político intenso com seu partido, Oxigênio Verde. Em maio, Ingrid se juntou à campanha do empresário Rodolfo Hernández para as eleições presidenciais. Com a vitória do rival Gustavo Petro, Ingrid decidiu seguir na oposição.

Petro será o primeiro presidente de esquerda na história do país. Ele assumirá o poder em agosto, em um momento de expansão do Exército de Libertação Nacional, o ELN, e do Clã do Golfo. Sobre a questão da segurança, Ingrid se diz incomodada com as notícias de alianças entre a campanha do presidente eleito e narcotraficantes presos, que tiveram a extradição solicitada pelos Estados Unidos. “Esperamos que o Exército seja capaz de enfrentar essas organizações criminosas”, disse ela a Crusoé.

Aos 60 anos, ela também tem tido uma atuação relevante nas audiências da Jurisdição Especial para a Paz, JEP, um tribunal criado pelos acordos de paz assinados entre as Farc e o governo, em 2016. Há duas semanas, membros do secretariado do grupo, que compunham a sua antiga direção, assumiram a responsabilidade por 21 mil sequestros. Ingrid, contudo, critica seus integrantes dizendo que eles se recusam a entrar nos detalhes dos crimes cometidos. “Para nós, que somos vítimas, eles podem apresentar uma narrativa falando de arrependimento, mas não demonstram as emoções que normalmente acompanham esse gesto. Eles nunca se desequilibraram emocionalmente, nunca compartilharam da nossa dor”, diz ela. Ingrid também espera que os integrantes das Farc não sejam chamados para compor o novo governo, apoiado pelos ex-guerrilheiros. “Eles nunca conseguiram se reabilitar junto à população. Há um repúdio muito forte contra as Farc, que pode ser notado mesmo dentro dos grupos de esquerda da Colômbia.”

O ex-comandante das Farc Joaquín Gomez disse em uma audiência da JEP que a sra. fritava carne no acampamento onde foi mantida prisioneira. É verdade?
Isso não era possível simplesmente porque nunca teve carne nos acampamentos. É obviamente uma declaração falsa, que dá a medida da incapacidade deles de falar dos maus-tratos, das correntes pesadas, da falta de comida, das humilhações, da recusa em dar medicamentos aos doentes. Os integrantes das Farc estão muito cômodos falando de forma muito geral sobre crimes de lesa-humanidade e sobre crimes de guerra, mas quando as vítimas tentam chegar aos detalhes, para que eles digam como foram os sequestros e como foram as torturas, eles têm se mostrado incapazes de narrar o que aconteceu. A juíza da Jurisdição Especial para a Paz, JEP, perguntou a Joaquín Gomez quais foram as torturas a que eu fui submetida, e ele respondeu dizendo que eu podia fritar carne. Eles não querem relatar os sequestros em termos precisos, nem as torturas, os episódios de escravidão ou a perfídia.

DivulgaçãoDivulgação“Eles nunca compartilharam da nossa dor”
A sra. poderia então falar mais desses delitos que eles não querem narrar?
A perfídia ocorria quando eles nos disfarçavam de guerrilheiros, para ludibriar as forças de segurança. Eles me vestiram de guerrilheira quando helicópteros estavam nos sobrevoando e havia a possibilidade de que disparassem. Então, disseram que tínhamos de correr, porque seríamos mortos assim como eles. Também houve perfídia quando nos enganaram para poder nos capturar. As vítimas têm pedido para que as Farc revelem a verdade sobre os informantes que contribuíram para nossas capturas. No meu caso, eles receberam informações precisas de dentro do aeroporto sobre o horário em que eu entraria na estrada. A prova disso é que as pessoas que saíram de carro pela estrada minutos antes ou depois de mim não foram sequestradas.

Por que a sra. diz que houve escravidão?
Porque nos obrigavam a trabalhar gratuitamente para eles, cavando trincheiras e confeccionando roupas. Eles também não querem falar do medo, pois éramos ameaçados de morte a todo instante. Havia sempre gente ao nosso redor com ordem para matar, se houvesse uma tentativa de fuga ou de resgate. Tive companheiros meus que foram executados porque tentaram escapar. Não sabíamos o que poderia ocorrer no dia seguinte. Eles também simulavam assassinatos. Tiravam nossos companheiros para algum canto e disparavam, para que pensássemos que tinham matado nossos colegas.

Essa recusa em falar desses assuntos é um sinal de que eles não se arrependeram dos seus crimes?
Existe claramente por parte da sociedade colombiana uma pressão para que eles expressem palavras de arrependimento. Mas acho que, na maioria dos casos, esse arrependimento não é emocional, não é de coração. Jornalistas que falaram com eles fora das audiências relataram que eles dizem que esses crimes eram parte da luta, mas que agora seguem a mesma luta usando outros meios. Há em curso, portanto, uma justificação para o que eles fizeram, dizendo que os delitos eram necessários naquele momento. Para nós, que somos vítimas, eles podem apresentar uma narrativa falando de arrependimento, mas não demonstram as emoções que normalmente acompanham esse gesto. Eles nunca se desequilibraram emocionalmente, nunca compartilharam da nossa dor.

O partido Comunes, ex-Farc, apoia o presidente eleito Gustavo Petro. O que a sra. espera de seu governo?
Não espero nada. As primeiras decisões que eles anunciaram estão na linha do que nós denunciamos na campanha. As pessoas que os apoiam são as mesmas que estiveram em todos os governos e que roubaram sistematicamente. São organizações que desfalcaram a nação. O presidente do Senado será Roy Barreras, uma das pessoas mais questionadas por vínculos com a prática de dar dinheiro para conseguir apoio ao governo no Congresso. Com isso, nós voltamos às antigas práticas de corrupção, a distribuição de favores. Não se faz mudança com a corrupção de sempre, incrustada nas instituições. Se um deputado, por exemplo, apresenta um programa social, sabemos que a verba só chegará aos mais necessitados após o pagamento de um pedágio para a corrupção.

DivulgaçãoDivulgação“Petro está indicando que fará uma gestão muito conservadora”
Como acha que será o desempenho do governo de Petro na questão da segurança? Haverá um combate ao Exército de Libertação Nacional, ELN, e ao Clã do Golfo?
Esse também foi um problema que observamos na campanha. Recebemos informações por meio da imprensa de alianças e acordos com o narcotráfico. Prometeram, por exemplo, a presos que tiveram a extradição solicitada pelos Estados Unidos por envolvimento com narcotráfico, que eles não deixariam o país, em troca do apoio a Petro. Então, esperamos que o Exército seja capaz de enfrentar essas organizações criminosas, mas obviamente também temos preocupação de ouvir sobre esses pactos com o governo.

A aproximação com a Venezuela, prometida por Petro, pode trazer problemas?
Já havia uma aproximação em curso, e Petro conversou com Nicolás Maduro. Muito rapidamente, eles irão restabelecer relações diplomáticas. Isso é um passo positivo, pois ajudará muitos venezuelanos que vivem na Colômbia e precisam de documentos, como passaportes. Milhares que vivem perto da fronteira querem ganhar dinheiro com o comércio. Mas o que nos assusta são as organizações criminosas que se escondem no território venezuelano, onde nosso Exército não chega, e que vêm para a Colômbia delinquir e matar.

As Farc apoiam Petro. Seus membros poderiam ser parte do próximo governo?
Não creio que isso vá acontecer logo no início, mas vamos ver como as coisas evoluem. Neste momento, Petro está indicando que fará uma gestão muito conservadora. Ele até se encontrou com Álvaro Uribe, seu principal inimigo. Então, é possível que ocorra uma adaptação, e que este seja um governo menos radical. Seria algo na mesma linha dos governos colombianos anteriores, em que há austeridade na economia e muita corrupção. Mas, se mais tarde a economia não melhorar e começarem os distúrbios sociais, então é possível que ocorra uma radicalização.

A assinatura do Acordo de Paz em 2016, a entrega das armas e a participação na JEP melhoraram a aprovação das Farc junto à população colombiana?
Eles nunca conseguiram se reabilitar junto à população. Há um repúdio muito forte contra as Farc, que pode ser notado mesmo dentro dos grupos de esquerda da Colômbia.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. A Colombia vai continuar convivendo com as guerrilhas e com o trafico de drogas. Agora incluíram a esquerda. Com a proverbial incompetência e corrupção, essa esquerda inédita por lá, vai competir com os outros protagonistas. Quem sabe agora os eleitores aprendam a votar. Se a escrita da America Latina prevalecer, não aprenderão tão cedo.

  2. Eu fico envergonhada de artistas, doutores, juristas etc.apoiarem governos q compactuam com corrupção e q são ligados ao narcotráfico. Do outro lado, às milícias.

  3. É o vazio de ideias de uma população ignorante sobre o que fazer, sendo ocupado pelo poder corrupto de populistas ou tiranos ambiciosos manipulando os primeiros. Em alguns países esse círculo vicioso está tão firmemente incrustrado que não há como rompê-lo. De modo geral a América Latina se enquadra nessa situação. Se na Colômbia, a despeito de tudo houve algum progresso, no Brasil o viés é claramente de piora.

    1. É um passo para frente e 10 para trás.

  4. Lindo, não? Só falta agora Lula ser eleito para que a América Latina inteira seja governada pelo Foro de São Paulo. É isso mesmo que queremos?

  5. É triste a sina de países como esses da América Latina, que sofrem as piores mazelas, que esses nossos governos patrocinam. Essa praga está se espraiando por todos os continentes.

  6. A Colômbia amanhã é a Venezuela hoje COMO o Brasil amanhã será a Argentina hoje sem o Flamengo mas com o RBBrangantino ... e piorada pois uma nação dividida presa fácil de ladrões prefere ser algoz de si mesma nas urnas indevassáveis dos drs. VERBOSO e XANDÃO ... é a velha e eficaz estratégia de que uma nação imbecilizada não precisa de de tiros ou sangue para ser dominada basta lhes dar espórtulas travestidas de libretas cubanas ... este é o futuro de uma ex grande nação? nem duvidem.

  7. O título expressa muito bem a realidade brasileira. Nunca ficou tão explícita o quão refém é a população brasileira, subjugada pelo Congresso Nacional. Hoje comandado por Lira e Pacheco, sócios do Capitão. Conseguiram de forma escancarada perpetuar a corrupção e garantir a impunidade de seus atos criminosos, inclusive da morte de mais de 300 mil brasileiros durante a pandemia que acreditaram no negacionismo, na antivacina, anticiência, nos falsos pastores. República das Bananas ou dos Bananas.

  8. Esta senhora demonstrou durante o processo eleitoral a pouca relevância que tem na Colômbia, obteve uma votação insignificante, provocou discordias em todos os espaços que ocupou, suas análises são simplistas e tendenciosas para realidades muito complexas. Pensa apenas em si e não contribui para a solução dos problemas.

  9. Gostei mto do título dessa matéria que caberia bem adequadamente num artigo sobre a próxima eleição, aqui no Brasil. Fica a sugestão!

  10. As FARC têm conexão com o PT, não seria de surpreender que o Lula, mais cedo ou mais tarde, revele que ajudou "os meninos" da FARC com financiamento público, como tem revelado outros crimes diariamente. Pobre Brasil, pobre América Latina.

Mais notícias
Assine agora
TOPO