Mark Ostow/Harvard Law and International Development SocietySegundo o professor, que mantém um blog sobre corrupção, mensagens foram roubadas por um hacker de fora

‘O propósito é desacreditar a Lava Jato’

Matthew Stephenson, professor de Direito de Harvard, diz que aqueles que roubaram as mensagens do celular de Dallagnol foram movidos por ideologia, pelo desejo de desestabilizar a política ou proteger corruptos
21.06.19

Ao falar ao Senado nesta quarta-feira, 19, o ministro da Justiça, Sergio Moro, citou pelo menos três vezes o post “O incrível escândalo que encolheu? Novas reflexões sobre o vazamento da Lava Jato”, publicado dois dias antes pelo americano Matthew Stephenson, professor de direito de Harvard. Stephenson é uma referência em estudos de corrupção no mundo e edita o Blog Anticorrupção Global (GAB, na sigla em inglês), que conta com a participação de vários colaboradores. No primeiro artigo que publicou sobre os vazamentos, no dia 11, com o título “Quão prejudicial são os vazamentos da Lava Jato? Algumas reflexões preliminares sobre a história-bomba do Intercept”, ele condenou o que seria uma “chocante e imperdoável quebra de ética jurídica do então juiz Moro (e, eu lamento dizer, julgamento equivocado por parte do Sr. Dallagnol)”.

Seis dias depois, após ler os comentários na página do GAB e conversar com “dúzias” de especialistas brasileiros, Stephenson reviu sua opinião sobre o caso. “Eu agora penso que fui muito apressado em concluir que as comunicações de texto eram claramente antiéticas, independentemente do seu conteúdo”, escreveu. “Este ‘escândalo’ é consideravelmente menos escandaloso do que o Intercept relatou ou do que eu originalmente acreditei.” O professor conhece o procurador Deltan Dallagnol. Ele já recebeu o brasileiro para palestras em Harvard e o entrevistou para um podcast. Também foi acolhido por Dallagnol no Rio de Janeiro e em Brasília, onde almoçaram e jantaram juntos. “Quanto a Moro, eu o encontrei em uma ocasião, apertamos as mãos e trocamos cortesias”, escreveu Stephenson. Os seus encontros com os brasileiros foram citados no primeiro post, aquele em que o americano ainda criticava Moro e Dallagnol, o que só reforça a independência acadêmica de Stephenson. Por telefone, nesta quinta-feira, o professor concedeu a Crusoé a entrevista que segue.

O sr. acha que os vazamentos de conversas entre o juiz Sergio Moro e os procuradores podem afetar a Lava Jato?
Sim. O propósito desses vazamentos é desacreditar a Lava Jato, seja de maneira ampla ou em relação a alguns casos mencionados nas conversas. A grande questão é saber por que a fonte dessas informações gostaria de prejudicar a operação. O que podemos especular é que, sim, as revelações carregam o potencial de afetar a operação e que essa era a intenção.

Por que acredita que esse era o objetivo dos vazamentos?
Por que mais alguém enfrentaria todas as dificuldades de hackear o celular de um procurador e entregar o conteúdo das mensagens para jornalistas que, independentemente do grau de integridade e de credibilidade, são altamente hostis à operação? Tudo foi feito para isso.

O hackeamento de celulares também poderia ser usado com outros fins, como chantagear pessoas em geral?
É claro que sim. Isso é um grande problema.

Há como evitar isso?
Nenhum de nós está protegido nas nossas comunicações eletrônicas como imaginamos, especialmente se operações digitais como essa que ocorreram no Brasil são patrocinadas por um governo ou por grupos muito bem financiados. Todos nós devemos nos preocupar com isso. Entendo a importância da transparência das instituições. Os vazamentos podem ter um papel importante em uma sociedade e os jornalistas podem usar essas informações em benefício do público. Não culpo os repórteres do Intercept de pegar esses dados e escrever matérias baseadas neles. Isso é uma das coisas que os jornalistas fazem, e eu compreendo. Ao mesmo tempo, devemos estar alertas para os perigos associados a atores com agendas próprias, que obtêm conversas privadas e buscam nelas informações que possam ser prejudiciais aos outros, seja profissionalmente ou pessoalmente. Os brasileiros deveriam ser mais atuantes e fazer mais perguntas sobre a fonte desses vazamentos. Entendo que os brasileiros, de todos os lados políticos, estão preocupados com os vazamentos em si, no que eles mostram ou deixam de mostrar. Mas vamos ser claros: não é uma situação em que alguém de dentro, um insider, que está insatisfeito com alguma coisa, pega informações e as entrega para um jornalista. Foi isso o que aconteceu com os Pentagon Papers, sobre a Guerra do Vietnã, ou no caso de Edward Snowden. Não estamos falando disso no caso brasileiro.

Kris Snibbe/Harvard Staff PhotographerKris Snibbe/Harvard Staff PhotographerO professor em seu escritório em Harvard: preocupação deve ser com a fonte das informações
Fale mais sobre a diferença entre esses casos, por favor.
O que aconteceu no Brasil foi que um ator externo se envolveu em uma operação de hacker para obter informações privadas a serem divulgadas de maneira seletiva, com o objetivo de favorecer uma agenda. O fim último era desacreditar os procuradores, o ministro e a Operação Lava Jato. Esse agente externo pode ter feito isso por uma razão ideológica, para desestabilizar a política brasileira ou proteger corruptos. Os brasileiros e cidadãos do todo o mundo devem prestar atenção nisso. Se existe um grupo, patrocinado ou não por outro governo, envolvido nesse tipo de operação, com esses objetivos, isso deveria ser extremamente preocupante para qualquer um, não importando o que se pensa de Lula ou da Lava Jato.

Esse tipo de operação é uma ameaça à democracia brasileira?
Sim, é claro.

Quanto ao teor dos vazamentos, o sr. acha que as conversas entre o juiz Sergio Moro e os procuradores feriram a ética?
Essa é uma pergunta para a qual é difícil dar uma resposta definitiva. Isso porque distinguir que tipo de comunicação entre juízes e procuradores é ética ou não depende das regras específicas do sistema. Além disso, é preciso conhecer o contexto em que as comunicações se deram. Então não posso dar uma opinião definitiva. O que posso dizer é que, quando eu li pela primeira vez as matérias publicadas pelo Intercept em inglês, minha reação instintiva foi colocar de lado qualquer informação ligada ao contexto daquelas comunicações. Naquele momento, entendi que as conversas não eram éticas simplesmente pelo fato de elas terem existido. Voltei atrás nessa posição, entre outras. Após conversar com especialistas brasileiros, escrevi meu segundo post. Cheguei à conclusão de que fui rápido demais ao dizer que a mera existência daquelas conversas era claramente antiética. Para avaliar se elas são éticas ou não, é preciso fazer uma análise cuidadosa do conteúdo e do contexto em que elas aconteceram, como disse. Como um especialista olhando de fora, não tenho certeza se poderiam não ser éticas.

Os vazamentos comprometem a sentença proferida em um dos processos do ex-presidente Lula?
Três argumentos têm sido usados para sustentar essa ideia. Um deles é o de que os vazamentos mostram que os procuradores sabiam que as evidências que eles tinham contra Lula eram fracas. A segunda é a de que os procuradores tinham um viés político contra Lula. O terceiro é o de que Lula foi privado de um julgamento justo, porque ocorreram colaborações entre o juiz e os procuradores ou comportamentos não éticos por parte do juiz. Em relação ao primeiro ponto, não acho que os vazamentos comprometam a sentença. Eles mostram que os procuradores estavam atentos sobre as partes mais fracas do caso e que comentaram entre eles que precisariam ter certeza de que estavam bem preparados para responder perguntas sobre esses pontos. Mas isso é algo que qualquer advogado faz, ao preparar-se para um caso. Quanto ao segundo ponto, o de que os procuradores tinham uma inclinação política, não acho que os vazamentos estabeleceram isso. Claramente, em setembro de 2018, os procuradores não gostavam do PT, não queriam que Lula fosse eleito e não simpatizavam com a ideia de que ele concedesse uma entrevista da prisão. Estavam preocupados com ofensiva do partido contra a operação. Mas isso não mostra que eles estavam enviesados quando decidiram apresentar a denúncia. Além disso, a Lava Jato atingiu políticos de outros partidos.

ReproduçãoReproduçãoPara Stephenson, os procuradores e Moro não atuaram com viés partidário
E quanto ao terceiro ponto? Lula teve direito a um julgamento justo?
É a questão mais difícil. Esse é um ponto em que não posso dar uma opinião consistente. Mesmo assim, para rever uma sentença como essa, seria necessária uma evidência muito forte mostrando más condutas. As conversas vazadas que li até agora não chegaram a esse nível.

Moro foi nomeado por Bolsonaro ministro da Justiça. Isso seria um indício de que, durante a Lava Jato, ele poderia ter tomado decisões motivadas por ambição política?
O fato de ter aceitado o convite não mostra necessariamente que ele tinha algum preconceito em relação ao Partido dos Trabalhadores. Entretanto, quando ele disse sim ao atual presidente, isso tornou mais difícil para os que defendem a Operação Lava Jato rebater as acusações de viés partidário. Muitos de nós, tanto dentro quanto fora do Brasil, que acham que a Lava Jato tem feito um trabalho muito bom e importante, ficaram desanimados quando Moro tomou essa decisão. Com isso, ele acabou abrindo a possibilidade de a Lava Jato sofrer esse tipo de crítica. Não sei quais foram os motivos dele, mas eu gostaria que ele não tivesse feito isso.

Se Moro tivesse recusado o convite de Bolsonaro, o que poderia ser diferente?
Minha visão pessoal é a de que Moro não nutria um viés contra a esquerda desde o começo da investigação. Mas essa narrativa de que ele era enviesado já estava no ar. E ele já sabia disso. Ao aceitar o convite para ser ministro de um governo de direita, ele acabou adicionando combustível para essa leitura de que a Lava Jato era uma operação totalmente de direita, de que houve um golpe de estado e de que Lula é um prisioneiro político. Se tivesse recusado o cargo no ministério, seria muito mais fácil, mesmo com o vazamento das conversas pelo Intercept, defender o juiz. Não acho que Moro tenha um viés partidário. Mas acredito que, ao tornar-se ministro, ele deixou os defensores da Lava Jato em posição mais difícil.

Moro cometeu algum deslize?
Para alguém familiarizado com o sistema americano, é estranho ver um juiz e procuradores em um contato regular. Eles falam constantemente como se estivessem colaborando. Quando li isso pela primeira vez, fiquei incomodado. Ao mesmo tempo, ainda não vi nenhuma troca de mensagens que tenha sido claramente, e sem ambiguidade, inapropriada ou antiética. Ao supervisionar uma investigação, inevitavelmente o juiz se comunica diretamente com os procuradores. Se o procurador quer pedir um mandado de busca ou um grampo e o juiz precisa autorizá-los, é claro que eles conversam. Em algumas jurisdições, não sei se é o caso do Brasil, o juiz tem um papel mais ativo em supervisionar a investigação como um todo. Nesses casos, é claro que deve haver uma comunicação direta entre juízes e procuradores.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO