Divulgação"Todo mundo é fanático por um clube, mas o fato é que a seleção não desperta mais as paixões de antes"

O ufanismo está fora do jogo

O jornalista Thiago Uberreich, autor de três livros sobre Copas, diz que desinteresse pelo futebol e polarização inviabilizam o uso do torneio por políticos
25.11.22

Apaixonado por futebol, o jornalista Thiago Uberreich, de 46 anos, lançará em dezembro uma trilogia sobre as três primeiras Copas vencidas pelo Brasil: 1958, 1962 e 1970. Apresentador do canal Jovem Pan, ele tem pesquisado como vários políticos, passando por Getúlio Vargas e pelos ditadores militares, tentaram usar esses eventos em proveito próprio ou para melhorar a imagem do país. Uberreich acredita que o impacto que a Copa pode exercer na sociedade hoje é menor, por causa do desinteresse pelo futebol e da predominância da política nas discussões corriqueiras. Segue a conversa.

 

A Copa do Mundo no Catar poderá unir o Brasil, que saiu tão dividido do segundo turno?
Acho que não. Saímos polarizados dessa eleição, e essa divisão não vai acabar tão cedo. Esta também será a primeira vez que a competição acontece depois do pleito. Desde a primeira Copa, em 1930, o torneio sempre ocorreu em junho e julho, às vezes em maio. Então, não acredito que a Copa acabe com as brigas. Há ainda um crescimento do desinteresse do brasileiro pelo futebol e pela seleção. Claro, todo mundo é fanático por um clube, mas o fato é que a seleção não desperta mais as paixões de antes. Isso diminui uma possível influência que a Copa possa ter na sociedade.

Quando esse desinteresse começou?
Foi em 2013, com os manifestantes que gritavam “não vai ter Copa”. Apesar disso, muita gente se interessou pela Copa de 2014, mas então veio aquele tombo com a derrota de 7 a 1 para a Alemanha. A partir daí, ocorreu uma prevalência da discussão política no Brasil. Como diz o historiador Marco Antonio Villa, os brasileiros hoje sabem de cor os nomes dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, mas não conhecem a escalação do Tite. O Brasil não é mais o país do futebol, mas o da política.

Há outras explicações para esse desinteresse?
Apesar de esta equipe brasileira ser a melhor desde 2010, o futebol apresentado em campo tem perdido um pouco de brilho. E há um desdém dos jogadores pela seleção. É claro que, em entrevistas, todos dizem que acham importante disputar a Copa, mas os atletas muitas vezes só olham para o próprio umbigo. Para quem quer estar na vitrine, o campeonato mais importante sem dúvida é a Champions League, o torneio europeu de clubes. Enquanto a Copa só ocorre a cada quatro anos, a Champions é anual, gera muito mais dinheiro e é transmitido pela internet.

DivulgaçãoDivulgação“O Brasil não é mais o país do futebol, mas o da política”
A Copa tem sido usada pelos políticos?
Desde que a Copa do mundo existe, a política se mistura com o futebol. O exemplo claro é o de Benito Mussolini, quando a Itália foi bicampeã do mundo em 1934 e 1938. Nessas duas Copas europeias, a seleção italiana foi muito usada para outros fins, tanto que os jogadores faziam a saudação fascista. Assim que recebeu a taça, o capitão Giuseppe Meazza fez esse gesto. O nazista Adolf Hitler, ao anexar a Áustria, pegou alguns jogadores do país ocupado para reforçar a seleção da Alemanha. Mas, como o futebol tem suas próprias regras, eles não saíram vencedores.

E no Brasil?
A primeira vez que um governo brasileiro se aproveitou da seleção foi em 1938. Durante a ditadura do Estado Novo, Getúlio Vargas percebeu que o time poderia melhorar a imagem do país. O governo então lançou selos comemorativos, que eram usados para enviar cartas pelo correio. O dinheiro arrecadado foi usado para bancar as despesas da seleção na França. A filha do Vargas, Alzira, foi uma espécie de mascote da seleção. Depois, a ditadura militar usou a conquista da seleção brasileira, em 1970. Na comemoração do título, 70 mil pessoas se aglomeraram na Praça dos Três Poderes. Um helicóptero jogou papeizinhos com uma mensagem ufanista: “Somente com a nossa união, somente com a ordem, com trabalho, serenidade, coragem, inteligência, determinação e patriotismo, com a participação de todos os brasileiros haveremos de fazer a década que se inicia, sob o signo da Taça de Ouro, a década de ouro do Brasil”. Pouco antes, a seleção venceu um campeonato chamado minicopa, em que Emílio Garrastazu Médici estava presente. Ele aparecia nos estádios com o rádio no ouvido e a bandeira do Brasil enrolada no corpo. Médici queria se mostrar como um homem do povo, que gostava de futebol. 

Se a seleção conquistar o hexa, que efeito isso poderia ter para Bolsonaro?
É muito difícil avaliar se o esporte vai beneficiar a política. Bolsonaro já está no fim do mandato e o Tite já disse que, se ganhar, não viajará para uma eventual recepção em Brasília. Ele prefere ficar neutro, apolítico. Se ele não for encontrar o presidente, será algo inédito. Uma conquista ao menos poderia dar um ânimo para a população. Em 1994, o plano Real entrou em vigor no meio da Copa, em 1º de julho. Eu lembro que o locutor Luciano do Valle, nas transmissões, celebrava que o Brasil estava indo bem no gramado, e que também teria uma moeda forte. Mas, atualmente, nós estamos vivendo uma polarização muito maluca. Não sei nem dizer como os eleitores de Lula ou Bolsonaro vão acompanhar os jogos. Caso sintonizem, eles vão torcer a favor ou contra? As pessoas que estão se manifestando em frente aos quartéis voltarão para suas casas para assistir à televisão? Ou vão levar o aparelho para a rua?

Além do desinteresse pela Copa e da predominância da política, também é mais difícil hoje ter todo mundo focado no mesmo assunto, certo?
Certamente. Em 1982, a seleção com Zico e Sócrates perdeu um jogo para a Itália. Naquela Copa, a TV Globo teve a exclusividade nas transmissões. Sua principal rival era a Tupi, que tinha falido em 1980. A TV Manchete só surgiria mais tarde. Então, 95% dos aparelhos de televisão estavam sintonizados na Globo, nos jogos. Essa homogeneidade hoje é impensável. Sabemos que os bolsonaristas odeiam a Globo. Eles tentarão assistir pela internet? Ou vão fazer outras coisas durante as partidas? Esse momento que estamos passando é muito novo e será interessante observar esses comportamentos.

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  1. O jornalista erra quando cita a Minicopa com antes da Copa de 70. Minicopa foi em 1972 , portanto dois anos após o tricampeonato.

  2. Vão assistir pela internet, na transmissão do Casimiro. Só conferir com os mais de 5 milhões que assistiram, mesmo com 2 minutos de atraso. A Globo não tem a mais exclusividade.

  3. O interesse pela seleção vem dos seguintes fatores: 1-jogadores mercenários sem real amor ao país. 2-insucessos nas últimas 4 copas, principalmente com a derrota em casa de forma vexatória 3-a percepção de que a copa em nada ajudará a melhorar a situação de impunidade que existe é deve se agravar muito mais a partir do ano q vem.

  4. Futebol ficou cheio de regras, demorado e chato. Ou se reformula algumas regras ou só vai sobreviver graças ao $ milionário das apostas pela internet.

  5. Não há como torcer pela seleção de um povo que vota em sua maioria, em Lula ou Bolsonaro. Torcendo pelos portugueses …

  6. O interesse pela política atualmente tem as mesmas características de torcidas de futebol. E o desinteresse pela seleção brasileira vem daí. Tudo ao extremo!

  7. A julgar pelo que o BR vibrou e aplaudiu unido no primeiro jogo da Seleção na Copa, parece que o futebol arte vai golear a patridiotice que se instalou após os pés na bunda certeiros que a maioria dos brasileiros(as) deu no cara queimada. Acreditar que a paixão nacional não será capaz de se reerguer com o Brasil brilhando nos gramados na era de mídias de massa e alternativas concorrendo por audiência e patrocínio como nunca se viu nos tempos da falida TV Tupi é o mesmo que apostar no Qatar.

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