Alex Farias/Photo Press/FolhapressMoro com Bolsonaro no jogo do Flamengo em Brasília: solidariedade na crise

Danos relativos

O efeito político dos vazamentos foi até agora menor do que o esperado. Mesmo congressistas que poderiam se enfileirar no discurso contra Sergio Moro estão preferindo dar um voto de confiança a ele
14.06.19

Uma das primeiras providências de Sergio Moro após ver as mensagens foi acionar o Secretário de Comunicação do Palácio do Planalto, Fabio Wajngarten, que passou a ser peça central na estratégia de reação do governo. A reação logo se revelaria frustrada. Antes mesmo de definir o melhor a fazer, Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná, distribuiu uma nota na qual não negava o teor das mensagens trocadas. Nela, criticou a invasão, mas disse que “foram cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho”. Isso obrigou Moro a se manifestar tendo por base o que Deltan já havia dito. Wajngarten não gostou, pois ele havia aventado a possibilidade de colocar sob suspeição a veracidade das mensagens. Já era tarde. A nota de Deltan acabou por obrigar Moro a se manifestar na mesma linha — e a não desmentir o conteúdo das conversas. A manifestação do ministro da Justiça, tornada pública duas horas depois da do procurador, dizia apenas que os diálogos haviam sido tirados de contexto.

O estrago já estava feito. Na segunda-feira, a primeira reação do presidente Jair Bolsonaro foi evitar o caso. Fontes que estiveram com ele em pelo menos duas reuniões na segunda-feira disseram a Crusoé que ele nem sequer abordou o assunto, enquanto toda a cúpula militar, incluindo Augusto Heleno (Segurança Institucional), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), e Carlos Alberto dos Santos Cruz (demitido nesta quinta-feira, 13, da Secretaria de Governo) e o vice-presidente Hamilton Mourão, defendia o ministro. Foi necessário, então, um freio de arrumação. A orientação da equipe de comunicação era para que o presidente não alimentasse a crise saindo em defesa de Moro, mas que sinalizasse apoio. Principalmente porque os militares o apoiavam e porque as pesquisas que chegam ao governo apontam que o ministro é mais popular do que o próprio presidente.

A partir daí, começaram a aparecer os gestos. Primeiro, o porta-voz, general Otávio do Rêgo Barros, disse que o presidente apoiava Moro, embora fosse falar sobre o tema só depois de conversar com o ministro. O encontro entre os dois ocorreu finalmente na terça-feira de manhã, no Palácio da Alvorada. Bolsonaro seguiria sem falar em público sobre a crise, mas manifestou solidariedade de outra forma. Logo após a reunião, o presidente convidou Moro a acompanhá-lo no trajeto até um clube militar onde ambos seriam homenageados. Os dois foram juntos, de lancha, do Alvorada até o local da solenidade. Já na quarta-feira à noite, levou Moro ao estádio Mané Garrincha, em Brasília, para juntos assistirem à vitória do Flamengo sobre o alagoano CSA, pelo Campeonato Brasileiro. No dia seguinte, o presidente finalmente falou. E fez uma defesa enfática de Moro. “Se vazar o meu [celular] aqui, tem muita brincadeira que eu faço com colegas ali que vão me chamar de novo de tudo aquilo que me chamavam durante a campanha. Houve uma quebra criminosa, uma invasão criminosa, se é que […] está sendo vazado é verdadeiro ou não”, disse.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO vice Mourão: apoio declarado ao ministro
Como era de se esperar, a confusão em torno das mensagens virou o assunto dominante em todas as rodas de conversas do poder. A avaliação, por ora, é a de que a situação de Deltan é muito pior do que a de Moro. Além de o procurador ainda estar no cargo, a leitura reinante é a de que ele sempre foi mais arrogante com os políticos e, por isso, não merece qualquer movimento em seu favor. A popularidade de Moro também o coloca em posição mais confortável que a de Deltan. Embora os setores de sempre, defensores de Lula à frente, tenham ampliado os ataques ao ministro, os políticos de centro não se mostram muito dispostos a torpedeá-lo. Os movimentos alinhados ao Palácio do Planalto que foram às ruas no dia 26 de maio em favor de Bolsonaro decidiram repetir os atos no dia 30 de junho, agora tendo como pauta central a defesa do ministro. A mudança de pauta fez com que os grupos que não estiveram nos primeiros atos, como o Vem Pra Rua, também passassem a considerar a possibilidade de aderir à nova manifestação. Até o Movimento Brasil Livre, criticado pela ausência das ruas em maio, avalia se juntar a eles. Se confirmada, será a primeira vez, desde 2016, que todos os movimentos que lideraram as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff estarão juntos novamente.

Outro fator que pesa em favor de Moro é a avaliação, compartilhada por grande parte dos congressistas, de que fustigá-lo significa alimentar uma narrativa que fortalecerá o projeto do PT de retornar ao poder em 2022. “Essa é uma pauta da oposição. Moro é um símbolo de combate à corrupção”, disse o senador gaúcho Luis Carlos Heinze, do Progressistas, um dos principais líderes da poderosa bancada ruralista. O próprio Lula, ao definir a estratégia da oposição na segunda-feira, a partir da cadeia em Curitiba, determinou que seu partido não fosse protagonista da reação a Moro. Ele temia que o movimento não conseguisse angariar apoios suficientes. Foi por isso que o PT terceirizou ao PDT a missão de coletar assinaturas para instalar uma CPI, para — é isso mesmo que você vai ler — investigar a Lava Jato. Até agora, o plano da chamada CPI da Lava Jato conseguiu angariar apoio explícito apenas do PCdoB, do PSOL e de parte do PSB. “Nosso desafio é atrair o centro neste debate. Se descamba para a polarização entre bolsonaristas e petistas, enfraquecemos o real debate que é uma atuação parcial do Judiciário com o Ministério Público”, diz o senador Cid Gomes, do PDT do Ceará.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, trataram de desestimular a CPI. A rigor, eles mesmos não estão interessados em criar novos problemas para um governo no qual o partido de ambos tem papel de destaque. Maia e Alcolumbre muito provavelmente nem estariam nos cargos que ocupam se o PT estivesse no poder. Assim como o DEM certamente não teria três ministérios para chamar de seus. “As mensagens são graves, mas o Brasil não precisa de uma CPI agora”, disse Alcolumbre a Crusoé. Por enquanto, se não vierem vazamentos mais contundentes e comprometedores, o episódio apenas permitirá que um desejo antigo do Legislativo seja realizado: a aprovação de um projeto de lei de abuso de autoridade que permita a responsabilização penal de juízes e procuradores e imponha regras mais duras para alguns instrumentos utilizados pela Lava Jato, como a delação premiada e as prisões preventivas. Não é pouco, mas é bem menos do que se imaginava quando as mensagens vieram à tona. Por ora, parlamentares aguardam as prometidas cenas dos próximos capítulos. Se algo muito forte vier, a situação do ministro pode até se complicar. Mas, com o que foi publicado até agora, o barulho dificilmente irá além dos tambores dos conhecidos inimigos. E, curiosamente, Moro parece estar saindo até mais fortalecido entre os que já o apoiavam. Para esses, as mensagens só realçaram seu papel de xerife contra a corrupção.

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