Danos relativos
Uma das primeiras providências de Sergio Moro após ver as mensagens foi acionar o Secretário de Comunicação do Palácio do Planalto, Fabio Wajngarten, que passou a ser peça central na estratégia de reação do governo. A reação logo se revelaria frustrada. Antes mesmo de definir o melhor a fazer, Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná, distribuiu uma nota na qual não negava o teor das mensagens trocadas. Nela, criticou a invasão, mas disse que “foram cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho”. Isso obrigou Moro a se manifestar tendo por base o que Deltan já havia dito. Wajngarten não gostou, pois ele havia aventado a possibilidade de colocar sob suspeição a veracidade das mensagens. Já era tarde. A nota de Deltan acabou por obrigar Moro a se manifestar na mesma linha — e a não desmentir o conteúdo das conversas. A manifestação do ministro da Justiça, tornada pública duas horas depois da do procurador, dizia apenas que os diálogos haviam sido tirados de contexto.
O estrago já estava feito. Na segunda-feira, a primeira reação do presidente Jair Bolsonaro foi evitar o caso. Fontes que estiveram com ele em pelo menos duas reuniões na segunda-feira disseram a Crusoé que ele nem sequer abordou o assunto, enquanto toda a cúpula militar, incluindo Augusto Heleno (Segurança Institucional), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), e Carlos Alberto dos Santos Cruz (demitido nesta quinta-feira, 13, da Secretaria de Governo) e o vice-presidente Hamilton Mourão, defendia o ministro. Foi necessário, então, um freio de arrumação. A orientação da equipe de comunicação era para que o presidente não alimentasse a crise saindo em defesa de Moro, mas que sinalizasse apoio. Principalmente porque os militares o apoiavam e porque as pesquisas que chegam ao governo apontam que o ministro é mais popular do que o próprio presidente.
A partir daí, começaram a aparecer os gestos. Primeiro, o porta-voz, general Otávio do Rêgo Barros, disse que o presidente apoiava Moro, embora fosse falar sobre o tema só depois de conversar com o ministro. O encontro entre os dois ocorreu finalmente na terça-feira de manhã, no Palácio da Alvorada. Bolsonaro seguiria sem falar em público sobre a crise, mas manifestou solidariedade de outra forma. Logo após a reunião, o presidente convidou Moro a acompanhá-lo no trajeto até um clube militar onde ambos seriam homenageados. Os dois foram juntos, de lancha, do Alvorada até o local da solenidade. Já na quarta-feira à noite, levou Moro ao estádio Mané Garrincha, em Brasília, para juntos assistirem à vitória do Flamengo sobre o alagoano CSA, pelo Campeonato Brasileiro. No dia seguinte, o presidente finalmente falou. E fez uma defesa enfática de Moro. “Se vazar o meu [celular] aqui, tem muita brincadeira que eu faço com colegas ali que vão me chamar de novo de tudo aquilo que me chamavam durante a campanha. Houve uma quebra criminosa, uma invasão criminosa, se é que […] está sendo vazado é verdadeiro ou não”, disse.
Outro fator que pesa em favor de Moro é a avaliação, compartilhada por grande parte dos congressistas, de que fustigá-lo significa alimentar uma narrativa que fortalecerá o projeto do PT de retornar ao poder em 2022. “Essa é uma pauta da oposição. Moro é um símbolo de combate à corrupção”, disse o senador gaúcho Luis Carlos Heinze, do Progressistas, um dos principais líderes da poderosa bancada ruralista. O próprio Lula, ao definir a estratégia da oposição na segunda-feira, a partir da cadeia em Curitiba, determinou que seu partido não fosse protagonista da reação a Moro. Ele temia que o movimento não conseguisse angariar apoios suficientes. Foi por isso que o PT terceirizou ao PDT a missão de coletar assinaturas para instalar uma CPI, para — é isso mesmo que você vai ler — investigar a Lava Jato. Até agora, o plano da chamada CPI da Lava Jato conseguiu angariar apoio explícito apenas do PCdoB, do PSOL e de parte do PSB. “Nosso desafio é atrair o centro neste debate. Se descamba para a polarização entre bolsonaristas e petistas, enfraquecemos o real debate que é uma atuação parcial do Judiciário com o Ministério Público”, diz o senador Cid Gomes, do PDT do Ceará.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, trataram de desestimular a CPI. A rigor, eles mesmos não estão interessados em criar novos problemas para um governo no qual o partido de ambos tem papel de destaque. Maia e Alcolumbre muito provavelmente nem estariam nos cargos que ocupam se o PT estivesse no poder. Assim como o DEM certamente não teria três ministérios para chamar de seus. “As mensagens são graves, mas o Brasil não precisa de uma CPI agora”, disse Alcolumbre a Crusoé. Por enquanto, se não vierem vazamentos mais contundentes e comprometedores, o episódio apenas permitirá que um desejo antigo do Legislativo seja realizado: a aprovação de um projeto de lei de abuso de autoridade que permita a responsabilização penal de juízes e procuradores e imponha regras mais duras para alguns instrumentos utilizados pela Lava Jato, como a delação premiada e as prisões preventivas. Não é pouco, mas é bem menos do que se imaginava quando as mensagens vieram à tona. Por ora, parlamentares aguardam as prometidas cenas dos próximos capítulos. Se algo muito forte vier, a situação do ministro pode até se complicar. Mas, com o que foi publicado até agora, o barulho dificilmente irá além dos tambores dos conhecidos inimigos. E, curiosamente, Moro parece estar saindo até mais fortalecido entre os que já o apoiavam. Para esses, as mensagens só realçaram seu papel de xerife contra a corrupção.
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