Adriano Machado/Crusoé

Guedes cai na real

O ministro se esforça para aprovar uma reforma da Previdência de 1,2 trilhão de reais, mas a resistência é grande ao que seria uma revolução. E políticos e mercado já não se assustam quando ele diz que pode sair
07.06.19

O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi ao Congresso nesta semana para defender pela quinta vez em cinco meses a sua reforma da Previdência em um ambiente muito distinto da primeira. Não havia aglomeração de pessoas na entrada da Câmara. O número de seguranças, jornalistas e curiosos era muito menor. Dentro do plenário 2 no corredor das comissões, onde ele falaria em uma reunião conjunta das comissões de Finanças e Tributação, Educação e Seguridade Social, grande parte das cadeiras estava vazia. Em pouco mais de seis horas, quase nenhuma provocação foi feita contra ele. Muitos parlamentares que faziam perguntas saíam antes de ouvir a sua resposta. Em vez dos tumultos e grandes embates que marcaram as suas outras visitas ao Legislativo, alguns bocejos.

Mais do que ninguém, Guedes sabe da necessidade de uma reforma da Previdência de verdade. O ano já chegou ao meio e a economia brasileira flerta com a recessão. O PIB do primeiro trimestre caiu 0,2% em relação ao período imediatamente anterior. A taxa de desemprego, que era de 12%, hoje está em 12,5%. Os brasileiros voltaram a sacar mais da poupança do que a depositar. Pesquisas apontam redução drástica na taxa de otimismo em relação à economia — seja da população como de investidores. Políticos e servidores públicos corporativistas, contudo, dão as costas para o cenário devastador. Continuam a defender os seus interesses e privilégios com unhas e dentes, tentando diminuir a economia que a reforma pretendida por Guedes — de 1,2 trilhão de reais, em dez anos — proporcionaria a um governo cada vez mais endividado e sem capacidade de investimento.

No Congresso, o consenso é de que se fará uma reforma, porque o abismo econômico está se alargando. Mas, com o projeto de Guedes desidratado, ela deverá representar uma economia de cerca de 700 bilhões de reais em dez anos. Meio trilhão a menos do que o almejado pelo ministro. Ou seja, o país apenas adiará a explosão de uma bomba atômica. A convicção de que uma reforma será feita de qualquer forma, mesmo que insuficiente, desinflou a figura de Guedes. As ameaças de abandonar o posto já não assustam tanto. Depois da divulgação de uma entrevista recente, quando sugeriu que, se a sua proposta não passasse integralmente, poderia deixar o cargo, a Bolsa de Valores de São Paulo e o dólar permaneceram estáveis. Indagado sobre a declaração de Guedes, o presidente Jair Bolsonaro disse que o único insubstituível no governo era ele próprio, Bolsonaro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, comentou: “A gente que está na política há muitos anos sabe que ninguém é insubstituível”. As declarações abriram espaço para especulações de todo o tipo. Desde que o ministro estaria pronto a abandonar logo o barco, até que o presidente não considerava mais o seu “Posto Ipiranga” uma peça essencial para obter a confiança dos setores produtivo e financeiro do país.

Guedes não quis falar com Crusoé. A sua intenção, contudo, é a de segurar o rojão até o final — o que é ótimo, dados o seu preparo e a sua vontade de modernizar o Brasil. “É mais fácil Bolsonaro renunciar do que ele pedir para sair”, disse um amigo do ministro à revista. No segundo semestre, Guedes pretende liderar a aprovação da reforma tributária e a revisão do pacto federativo, que seria basicamente descentralizar recursos da União em benefício de estados e municípios. Essas reformas, ele acredita, são mais fáceis de serem aprovadas por gerarem bônus e não ônus, ou a impressão de ônus, à população. Quanto à Previdência, o seu entorno ainda aposta em algo próximo ao 1 trilhão de reais, mas o fato de o ministro querer incluir no texto a ser aprovado nas próximas semanas um gatilho para uma segunda reforma da Previdência é o mais vistoso sinal de que ele já caiu na real quanto à impossibilidade de aprovar o seu projeto na integralidade. “A nossa ideia é, imediatamente após a reforma da Previdência convencional, começar a conversar aqui sobre propostas de um sistema novo para acumulação de poupança”, declarou Guedes. A ideia é obrigar o Congresso a debater em futuro relativamente próximo a capitalização, sistema pelo qual cada cidadão contribui com uma espécie de poupança pessoal para garantir a sua aposentadoria.

Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/CrusoeO ministro em uma das idas à Câmara: sessões antes lotadas se esvaziaram
É grande o incômodo do ministro com os desarranjos do PSL, partido do presidente, e a falta de articulação política do governo. Em conversa recente com um parlamentar de outro partido, o ministro desabafou: “Que diferença entre você e a minha bancada…”. Na sua avaliação, a falta de unidade do PSL e a reação contrária de integrantes da sigla à reforma (inclusive com a apresentação de emendas ao texto) foi determinante para que o produto final acabasse sendo distinto do inicial. E, claro, a inexperiência política dos parlamentares da legenda não vem ajudando. Um exemplo citado pelo entorno do ministro: a líder do governo, Joice Hasselmann, foi ao Maranhão, no final de semana passado, para participar de um seminário pró-reforma. Uma vez lá, gravou um vídeo transitando por uma estrada em péssimas condições e cobrando soluções do governador Flávio Dino, do PCdoB. Resultado: a bancada do Maranhão, em sua maior parte próxima a Dino, reclamou com o governo. E se já não tinham boa vontade em aprovar a reforma original de Guedes, o sentimento só piorou. O que mais irritou os parlamentares: a estrada filmada por Joice é federal, não estadual.

O ministro também está longe de estar satisfeito com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que não estruturou uma base aliada sólida capaz de aprovar a reforma sem que ela fosse desidratada. O ministro da Economia se irritou inúmeras vezes com o fato de ter de assumir um papel que a seu ver não lhe cabia. Em um encontro em maio com integrantes da Comissão Mista de Orçamento do Congresso em seu gabinete, para tratar da votação do crédito suplementar de 248,9 bilhões de reais, Guedes telefonou para Onyx e pediu que ele recebesse o presidente do colegiado, senador Marcelo Castro. “Tem que resolver isso, senão o governo vai apagar”, disse ele a Onyx, que finalmente resolveu atender o senador. Hoje, o ministro está muito mais próximo do Centrão (sim, é isso mesmo), de integrantes do Novo e de Rodrigo Maia (sim, é isso mesmo), do que da sigla de Bolsonaro.

Agência BrasilAgência BrasilPaulo Guedes e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia: proximidade com o deputado é maior do que com o PSL
O mercado, por seu turno, já parece ter precificado que Guedes não conseguirá entregar o que prometeu. “O que Paulo Guedes propõe é uma revolução. Parte do mercado até está frustrada, mas na minha visão era uma ilusão achar que ele entregaria tudo”, diz André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos. “As intenções foram boas, mas normalmente há diferença entre intenção e gesto. Guedes tomou um banho de realidade. Descobriu que sabia menos do que imaginava. Ele dizia ‘Vamos liquidar o déficit em um ano’. Não é assim que funciona”, afirma Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Segundo ele, a equipe econômica precisaria já ter apresentado com mais detalhamento os próximos passos a serem dados, depois de feita a reforma da Previdência. “Gostaria de ver quais serão as outras iniciativas. Como será a reforma tributária? E quanto às privatizações? O que se tem é muita conversa e pouca ação.”  (Em relação às privatizações, justiça seja feita, Guedes empenhou-se pessoalmente em fazer com o que STF aprovasse a venda de subsidiárias de estatais, sem necessidade de aprovação do Congresso.) No geral, neste meio não há mais tanto medo de perdê-lo, desde que um eventual substituto seja alinhado ao seu ideário. O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, é um nome que agrada.

Ninguém do mercado, contudo, quer ver Guedes fora. A sua declaração de que poderia deixar o cargo não afetou Bolsa e dólar, mas foi mal digerida por gente pesada do mercado financeiro. O sentimento geral é de que um ministro da Economia não pode ter arroubos, principalmente quando o assunto é ele próprio. A sinceridade de Guedes é um dado incontornável — e, não raro, apreciável — da sua personalidade. Na sessão desta semana na Câmara, ele foi questionado sobre um artigo recente de André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, que punha em xeque os fundamentos da teoria ortodoxa macroeconômica, da qual Guedes é adepto. O ministro reagiu: “É um economista interessante. Ele apoiou o congelamento de preços no Plano Cruzado, apoiou o congelamento de ativos financeiros no Plano Collor, depois apoiou o Plano Real, que foi bom na parte monetária, mas criou esse endividamento em bola de neve que nós sofremos hoje, depois defendeu a dolarização da economia brasileira. Ele muda de ideia com alguma frequência. Sem fundamentos, eu não consigo debater”. Em seguida, completou: “Eu já debati o que tinha para debater com esse pessoal nos anos 80, quando eles jogaram o Brasil para uma hiperinflação. Ali eu já gastei a minha cota de debates com eles. Eu prefiro debater com os senhores aqui”.

O primeiro grande resultado deste debate será visto na próxima segunda-feira, quando o relator da proposta, Samuel Moreira, deve apresentar o texto a ser votado pela comissão especial. Já é certo que as mudanças no Benefício de Prestação Continuada e na aposentadoria rural não constarão do documento, bem como a capitalização. Há, porém, uma série de dúvidas. Uma, se estados e municípios entrarão na reforma ou não. O relator pretende, até agora, mantê-los no texto e deixar para os próprios deputados o ônus da eventual exclusão. Na última quarta-feira, 25 governadores assinaram uma carta em defesa da permanência de estados e municípios na reforma, contra os interesses meramente eleitorais de parlamentares. Outra dúvida é o alcance da regra de transição. Por fim, se professores serão incluídos na reforma. Pela proposta do governo, professores homens e mulheres teriam de cumprir idade mínima de 60 anos para se aposentar, mas com 30 anos de contribuição. Hoje, as professoras conseguem se aposentar aos 50 anos (com 25 anos de contribuição) e os professores aos 55 anos (com 30 anos de contribuição). A pressão de corporações de todo o tipo, especialmente a de servidores federais, quer impedir a qualquer custo que a revolução de Guedes ocorra. E o custo será enorme. O ministro da Economia conhece bem essa realidade. Guedes caiu foi na real de Brasília, a ilha da fantasia que insiste em projetar as suas sombras sobre um país sedento por menos impostos, mais investimentos e milhões de empregos.

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