Agência Brasil

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil

Agora vem o mais difícil para o militar reformado, eleito na onda do antipetismo: governar um país carcomido pela corrupção, com problemas estruturais graves e a economia em frangalhos
28.10.18

O novo presidente do Brasil é o paulista Jair Messias Bolsonaro, de 63 anos, capitão da reserva do Exército, deputado federal no sétimo mandato consecutivo, candidato do PSL. Ele venceu o segundo turno das eleições neste domingo, derrotando o petista Fernando Haddad. A confirmação da eleição de Jair Bolsonaro se deu exatamente às 19h10, quando o sistema de totalização de votos do Tribunal Superior Eleitoral contabilizava 88,4% das urnas apuradas. Àquela altura, já não era mais possível uma reversão do resultado. Em números absolutos, Bolsonaro somava 55 milhões de votos, contra 44 milhões de Haddad. Pouco antes das 23 horas, com a apuração concluída, veio o resultado final: o candidato do PSL teve 55,13% dos válidos, ante 44,87% do petista (foram, ao todo, 57,7 milhões de votos contra 47 milhões). O militar da reserva venceu em 16 dos 27 estados da federação.

No primeiro discurso após a definição do resultado, Bolsonaro disse que seu governo será balizado pela defesa da Constituição e da democracia. “Meu governo será defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Este é um país de todos nós, brasileiros natos e de outras nações. Neste projeto que construímos, cabem todos aqueles que tenham o mesmo objetivo que nós.” Ele defendeu a liberdade como um princípio fundamental: “Liberdade de ir e vir, liberdade política e religiosa, liberdade de fazer, formar e ter opinião, liberdade de escolhas e ser respeitado por elas. Esse é um país de todos nós, brasileiros natos ou de coração. Um Brasil de diversas opiniões, cores e orientações”. O presidente eleito também afirmou que a população “entendeu a verdade”. “O povo, mais que o dever, tem o direito de saber o que acontece no seu país. Graças a Deus essa verdade o povo entendeu perfeitamente.” Bolsonaro prometeu escalar profissionais qualificados para transformar o país. “Nós fomos declarados vencedores desse pleito. E o que eu mais quero é, seguindo ensinamentos de Deus, ao lado da Constituição brasileira, me inspirando em grandes líderes mundiais e com uma boa assessoria técnica e profissional ao seu lado, isenta de indicações políticas de praxe, começar a fazer um governo a partir do ano que vem que possa realmente colocar o nosso Brasil no lugar de destaque. Temos tudo, tudo para sermos uma grande Nação.”

A vitória de Bolsonaro coloca pela primeira vez um militar no poder desde a redemocratização. De 1964 a 1985, cinco militares comandaram o país sem ser ungidos pelo voto popular. Antes, o último fardado a presidir o Brasil por eleições diretas havia sido o comandante do Exército Eurico Gaspar Dutra, eleito em 1946. Na República Velha, assim chamado o período da história brasileira compreendido entre a Proclamação da República e a assunção de Getúlio Vargas em 1930, o Brasil teve três presidentes militares: Deodoro da Fonseca (1889-1891), Floriano Peixoto (1891-1894) e Hermes da Fonseca (1910-1914). A eleição de Bolsonaro é, portanto, um fato histórico repleto de significados. O mais importante deles é a reinserção total das Forças Armadas na normalidade do processo democrático, o que deve ser saudado como avanço, não retrocesso. Assim como é verdade que cidadãos de farda não podem extrapolar da sua função constitucional e colocar a Nação sob o seu jugo, também é certo que a participação deles na vida política do país só a legitima ainda mais. Militares não são cidadãos de segunda categoria.

O resultado deste domingo também encerra a mais turbulenta eleição brasileira de todos os tempos. A campanha mais curta da história — oficialmente, durou 74 dias — foi pontuada por outros ineditismos que a tornam singular. A começar pela extrema judicialização originada na espúria e vã tentativa do ex-presidente Lula de se candidatar mesmo estando condenado em segunda instância e preso por corrupção e lavagem de dinheiro. Uma vez esgotadas as possibilidades de ser ele o candidato do PT, Lula tentou definir o resultado das urnas a partir da cela na qual está recolhido desde 7 de abril. Para além do surrealismo de um processo eleitoral de um país do tamanho do Brasil ter passado pela cadeia, houve ainda o fim da tradicional polarização entre o PT e o PSDB, um desdobramento natural da Lava Jato — tratou-se da primeira eleição presidencial após a deflagração da maior operação anticorrupção já realizada no Brasil, que atingiu em cheio os dois partidos. Por fim, houve ainda o atentado a faca, não inteiramente desvelado, que quase matou Jair Bolsonaro, o líder nas pesquisas, durante um evento de campanha na cidade mineira de Juiz de Fora. O atentado fez com que o candidato passasse quase toda a campanha sob cuidados médicos e distante das ruas, primeiro recolhido a um leito de hospital e, depois, em casa. Não houve debates frente a frente entre os dois candidatos que chegaram ao segundo turno. E o presidente eleito ainda terá de passar por mais uma cirurgia em dezembro, antes de tomar posse.

A eleição de Bolsonaro é o clímax de um fenômeno vistoso destas eleições brasileiras: a ascensão de políticos de direita que não receiam ser patrulhados ao definir-se como tal. Na esteira da popularidade do presidenciável, o polo ideológico que se lançou na campanha combatendo abertamente a hegemonia petista de quase uma década e meia mostrou-se o grande vencedor do pleito – os números já eram vistosos no primeiro turno, com os resultados das eleições regionais e para o Congresso. O desempenho da direita no Brasil confirma uma tendência global. Os Estados Unidos de Donald Trump são o exemplo mais destacado, mas a onda se estende a países como Itália, Polônia e Hungria, com diferentes matizes. Na América Latina, há um recuo do domínio de partidos de esquerda observado no início do século. Hoje, Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru têm presidentes alinhados à direita. O Brasil, agora, se juntará a esse time. Não há nada de excepcional nisso. Democracias pressupõem alternância de poder e elas não estão necessariamente ameaçadas apenas porque uma ou outra corrente ideológica saiu vencedora. Cabe à maioria dos cidadãos decidir o caminho que considera mais adequado para o país em cada momento: se o do centro, o da esquerda ou o da direita. A existência de possibilidades só traduz a maturidade de uma democracia. O estrito respeito à Constituição é o que deve prevalecer em todos os casos.

ReproduçãoReproduçãoO presidente eleito: interesse pela farda começou ainda na juventude
A expectativa é de que Bolsonaro já comece a anunciar os ministros nos próximos dias, quando também deve começar a planejar o seu governo. Depois de construir a sua vitória com um forte discurso contrário ao establishment político, ele deve mesclar indicações de políticos com a de militares e técnicos. Um representante da caserna já foi até anunciado logo após o primeiro turno. O general da reserva Augusto Heleno Ribeiro, que comandou a missão de paz do Brasil no Haiti, será o ministro da Defesa. A ele devem se juntar pelo menos outros dois militares: os também generais da reserva Oswaldo Ferreira, que tem cuidado do programa de governo na área de infraestrutura, e Aléssio Ribeiro Souto. Há, ainda, um quarto egresso dos quartéis que está de prontidão para integrar o governo. O tenente-coronel Marcos Pontes, primeiro astronauta brasileiro, pode assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia.

Dentre os civis, o deputado federal Onyx Lorenzoni, do DEM, já foi escolhido para a Casa Civil. Será um dos responsáveis pela articulação com o Congresso. Para a Saúde, há três cotados. O primeiro é o deputado federal Luiz Henrique Mandetta, também do DEM, ligado a empresas do setor. Henrique Prata, diretor do Hospital do Amor, antigo Hospital do Câncer de Barretos (SP) também é lembrado como opção. O terceiro nome é o do médico oncologista Nelson Teich, diretor do iCOI, também especializado no tratamento de câncer. Na Educação, a aposta é em Stavros Xanthopoylos, diretor da FGV Online e da Associação Brasileira de Educação à Distância. Do núcleo pessoal de Bolsonaro sobressaem nomes que estiveram no entorno do novo presidente desde o período da pré-campanha, como o advogado carioca Gustavo Bebianno, apontado como possível titular do Ministério da Justiça (a outsider Eliana Calmon também aparece como concorrente para a pasta). Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista, é lembrado para a pasta da Agricultura, embora enfrente resistência da bancada do agronegócio, que prefere Luis Carlos Heinze, do PP do Rio Grande do Sul.

De todos, o economista Paulo Guedes é que iniciará 2019 como o homem forte da Esplanada. Ele assumirá o que foi batizado no plano de governo de Ministério da Economia, uma fusão dos atuais ministérios da Fazenda, Planejamento e Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Coordenador do programa de governo do capitão da reserva, Paulo Guedes se aproximou de Bolsonaro no final de 2017. Era quando o candidato buscava um fiador para apresentar ao mercado. Tamanha virou a dependência de Bolsonaro em Guedes que, instado a falar sobre assuntos econômicos durante a campanha, o candidato respondia que a pergunta deveria ser feita ao economista. Em razão disso, Paulo Guedes ganhou do próprio Bolsonaro o apelido de “Posto Ipiranga”. O presidente eleito confessa a sua falta de conhecimento no assunto, mas seria mais preocupante se o ministro fosse ignorante na matéria que lhe compete. O Brasil já teve um: Getúlio Vargas, ministro da Fazenda de Washington Luís. Não entram na conta os especialistas ineptos.

O presidente eleito reconhece que economia não é o seu forte, mas ele tem concepções arraigadas. Um dos primeiros desafios de Bolsonaro no governo deverá ser justamente manter uma interlocução tranquila com o seu ministro da Economia, em razão de diferenças cruciais na maneira como ambos enxergam a participação estatal na economia. Embora na campanha tenha se mostrado alinhado com as ideias de Guedes, Bolsonaro era até havia pouco um defensor intransigente de um estado forte e nacionalista. Guedes, ao contrário, é adepto do ultraliberalismo. Formado na Universidade de Chicago, um dos templos do liberalismo mundial, o seu objetivo principal é cortar gastos, a fim de reduzir o déficit governamental (quando se gasta mais do que se arrecada), hoje ao redor de 140 bilhões de reais ao ano, e gerar superávit já em 2020. Com isso, será possível retomar os investimentos. Até aí, Bolsonaro concorda. O problema é o caminho a ser percorrido para se atingir esse objetivo.

Luiz Alves/Agência CâmaraLuiz Alves/Agência CâmaraBolsonaro: por muitos anos, um deputado do baixo clero tachado de folclórico
Paulo Guedes defende uma reforma radical na economia. Por exemplo, a venda de todas – sim, todas – as 146 estatais. Bolsonaro quer preservar as gigantes: Petrobras, Eletrobras, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Na campanha, Guedes falou na recriação de um imposto semelhante à CPMF para substituir uma série de tributos. Foi desautorizado pelo então candidato. Guedes é contra ampliar gasto social. Bolsonaro já anunciou 13º para o Bolsa Família. Guedes quer abrir o país ao capital estrangeiro. Bolsonaro tem restrições à ideia, especialmente em relação à China, maior parceiro econômico do Brasil. Quanto à reforma da Previdência, vital já para o primeiro ano do governo, Bolsonaro quer evitar mudanças de grande impacto. Prefere um modelo que parta de uma idade mínima baixa para a aposentadoria, com transição gradual e longa para o novo sistema, além da manutenção de um regime especial para os militares. Guedes, por sua vez, gostaria de implantar um formato de capitalização (uma espécie de poupança única e própria para cada contribuinte), que valeria apenas para quem ingressar no sistema.

Há, porém, consensos entre os dois – e que tendem a ser pedra de toque para o governo a partir de janeiro. A reforma do estado é um deles. A ideia é reduzir os atuais 29 ministérios a 15 e reorganizar internamente algumas estatais como a Valec, empresa de ferrovias, e a Empresa de Planejamento e Logística, responsável pelo programa de concessões. A pasta da Educação deve abrigar também as de Cultura e Esporte. Outro consenso envolve a reforma tributária e a necessidade de simplificação do sistema de impostos (mas sem algo parecido com CPMF).  Alterações microeconômicas também estão previstas, como a modernização da lei das agências reguladoras. A redução do Imposto de Importação é outro objetivo. A ideia é baixá-lo para viabilizar a entrada no país de bens de capital e bens de informática e, assim, reduzir os custos de produção. Na área energética, a conclusão das hidrelétricas do rio Madeira e da usina nuclear Angra 3 está entre as primeiras tarefas. A ideia geral para a infraestrutura é acelerar obras, a partir da criação de um órgão que centralize a relação entre investidores e responsáveis da parte do estado pela liberação de obras, como Ibama e Funai.

O ritmo das mudanças, contudo, dependerá da forma como Bolsonaro se relacionará com o Legislativo. A despeito de despachar na Câmara desde 1991, ele sempre integrou o chamado baixo clero e nunca teve um player relevante nas negociações internas. A situação agora é distinta, obviamente. Além de ter sido catapultado pelas urnas para o principal cargo da República, a onda à direita que marcou esta eleição fez com que o eleitor elegesse um novo Congresso, com uma parcela significativa de seus integrantes afeita às ideias do novo ocupante do Planalto. À primeira vista, o cenário parece favorável. O Senado teve a maior taxa de renovação da história. Na Câmara, desde 1986 as urnas não traziam tantos parlamentares novos. E a tendência é que haja migrações de parlamentares nas próximas semanas para o PSL e partidos da base de Bolsonaro. No entanto, nunca se deve subestimar o aguerrimento da oposição petista e adjacente. Elas voltarão ao velho papel de dificultar ao máximo a vida do governo, como fizeram durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso,  ainda que as medidas a aprovar sejam corretas para o país.

Até pela novidade que representa em tempos de democracia, a profusão de militares no topo do poder nacional deve ser um dos focos de atenção — e também de polêmicas. O vice de Bolsonaro, o general da reserva Hamilton Mourão, é conhecido por suas declarações barulhentas e controversas. Na campanha, por exemplo, Mourão criticou a existência do décimo terceiro salário e defendeu uma nova Constituição feita por uma comissão de notáveis — no que foi desautorizado por Bolsonaro. No governo, o receio é que o general da reserva, agora alçado à condição de vice-presidente, seja uma fonte potencial de crises. Controlar o ímpeto de Mourão será mais uma tarefa de Bolsonaro já a partir da posse, em 1º de janeiro.

Marcelo Camargo/Agência BrasilMarcelo Camargo/Agência BrasilNo impeachment de Dilma: o antipetismo catapultou a ambição de Bolsonaro
Embora esteja na reserva desde dezembro de 1988, quando se elegeu vereador no município do Rio de Janeiro, o novo presidente da República deve sua ascensão na política às Forças Armadas. Sua história está intimamente ligada à caserna. Até o nome da cidade natal de Bolsonaro guarda relação com os quarteis. A paulista Glicério foi assim batizada em homenagem a um general, Francisco Glicério de Cerqueira Leite, deputado e senador na República Velha. Nascido em 21 de março de 1955, Bolsonaro foi registrado em Campinas, a maior cidade da região. Seu pai, Percy, era dentista prático (sem formação profissional). Sua mãe, Olinda, dona de casa. Jair Bolsonaro é o segundo de seis filhos da família. O nome composto combina a vontade do pai e da mãe. Jair foi escolha de Percy, quer queria homenagear um meia da seleção brasileira, Jair Rosa Pinto. Messias foi ideia da religiosa dona Olinda.

De Glicério, a família Bolsonaro acabou se estabelecendo em Eldorado, no Vale do Ribeira, onde o pai passou a administrar uma fazenda. Jair Messias, ainda menino, ajudava no orçamento da família extraindo palmito no entorno da propriedade. O primeiro apelido dele, “Parmito”, vem da tarefa que exercia, e talvez esteja na base do “Mito” que os seus correligionários usaram durante a campanha. Foi justamente a intimidade com a mata que fez com que Jair Bolsonaro tivesse o primeiro contato com os militares, que foram até a cidade em busca de Carlos Lamarca. Era 1969. Aos 14 anos, Bolsonaro ofereceu ajuda e, em troca, recebeu um folheto com informações para ingressar no Exército. Em 1977, ele se formaria na Academia Militar das Agulhas Negras, onde ganhou outro apelido, Cavalão, agora por seu porte físico. Àquela altura o jovem Bolsonaro já dava mostras de seu temperamento polêmico.

Anotações guardadas nos arquivos do Exército mostram que o ex-capitão, ainda no quartel, costumava enfrentar os superiores. O auge do comportamento rebelde foi em 1986, quando ele publicou um artigo sem autorização dos superiores, para reivindicar aumento do soldo. Acabou preso por 15 dias. No ano seguinte, apareceu publicamente como protagonista de um plano para detonar bombas em unidades militares como forma de protesto contra os baixos rendimentos. Foi considerado culpado pelo Exército, mas acabou absolvido em seguida pelo Superior Tribunal Militar (STM).

Graças ao protagonismo que ganhou quando ainda estava no quartel, da caserna para a carreira política foi um pulo. Com a bandeira da defesa dos militares de baixa patente, elegeu-se vereador no Rio pelo Partido Democrata Cristão. Dois anos depois, foi eleito deputado federal. E reeleito mais seis vezes. Sempre envolto em polêmica. Já no segundo ano de mandato, em 1992, Bolsonaro defendeu a atuação da Polícia Militar de São Paulo no episódio que ficou conhecido como massacre do Carandiru: “Morreram poucos. A PM tinha que ter matado mil”. Em 1993, defendeu o fechamento do Congresso. Em 1998, declarou em uma entrevista que a ditadura chilena de Augusto Pinochet “devia ter matado mais gente”. Em 1999, disse que o presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ser fuzilado Em 2002, afirmou, em referência a gays e lésbicas, ser “radicalmente contra esse negócio de coluna do meio”, afirmou. Até construir o capital político que o elegeu presidente da República, carregava essa imagem exaustivamente explorada durante a campanha por seus adversários.

Igo Estrela/Estadão Conteúdo/AEIgo Estrela/Estadão Conteúdo/AENo Planalto: o maior desafio da carreira de Bolsonaro começa em 1º de janeiro
Bolsonaro viu na derrocada do PT a grande chance de chegar à ribalta. Nos anos iniciais do governo Lula, quando a alta popularidade do petista dizimou a oposição, o capitão da reserva parecia vislumbrar o futuro promissor: era um dos raros críticos do governo, embora falasse para poucos. À agenda antipetista, ele somou outras bandeiras. Além de defender maior rigor na segurança pública, passou a falar de assuntos de comportamento para fazer frente ao petismo. No momento em que Dilma Rousseff decidiu implementar o que ficou conhecido como kit-gay nas escolas públicas, elevou o tom das críticas. Foi aí que começou a ganhar, com mais força, o suporte de quem se opunha ao governo petista. A primeira prova de que a ideia estava dando certo traduziu-se no número de votos que Bolsonaro obteve na eleição de 2014, como representante na Câmara do estado do Rio de Janeiro: 464 mil, ante os 120 mil do pleito anterior. Nem mesmo arroubos como elogios públicos a Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de tortura durante o regime militar, pareciam capazes de frear a ascensão. Pelo contrário. Um Brasil conservador começou a mostrar o rosto por meio de Bolsonaro, O desastre do governo Dilma e a inclusão de Lula na Lava Jato acabaram por facilitar enormemente o estratagema. Restava evidente que havia espaço para alçar voos mais altos.

O acirramento do discurso de Jair Bolsonaro veio acompanhado de uma forte estratégia digital, idealizada por um dos cinco filhos de três casamentos — Carlos, vereador no Rio. A cada polêmica, o ex-capitão aparecia com mais destaque nas redes sociais. A sucessão de escândalos revelada pela Lava Jato, que acabou por atingir fortemente o PT e outros partidos dominantes, como o PSDB e PMDB, ajudou a abrir a rota para o Planalto. Havia uma avenida escancarada para alguém que se colocasse como a antítese do político tradicional. Apesar de estar no Congresso havia mais de duas décadas, Bolsonaro captou esse espírito e conseguiu catalisar a atenção dos eleitores. Viagens pelo país foram outra mola propulsora. Enquanto os grandes partidos ainda não se moviam, com o auxílio dos seguidores fiéis que já havia conseguido amealhar (e o apoio logístico de entidades ligadas a militares), ele era recebido por pequenas multidões em saguões de aeroportos pelo Brasil afora. As imagens dessas recepções viralizaram na internet.

A certa altura, Bolsonaro só precisava de um partido para chamar de seu. Com passagem por oito diferentes legendas ao longo da carreira, fechou com o pequeno PSL. A agremiação lhe deu todos os cargos de direção, numa aposta no candidato anti-PT e antissistema. Aposta que resultou, em 2019, na segunda bancada eleita da Câmara. O PSL só terá inicialmente menos deputados do que o PT. Em 2015, Bolsonaro tinha 4% das intenções de voto nas pesquisas. No ano seguinte, chegou a 7%. Em 2017, quando bateu nos 15%, o establishment político acreditava que ele iria derreter com o início efetivo da corrida presidencial. Mas só fez crescer. Até vencer.

ReproduçãoReproduçãoO discurso da vitória, feito primeiro na internet: promessa de que irá respeitar a Constituição
O que os brasileiros que votaram em Jair Messias Bolsonaro mais esperam dele pode ser resumido numa palavra: “mudança”. Depois de uma sucessão de administrações corruptas, centralizadoras e incompetentes, o desejo é por uma governo íntegro e que não represe a capacidade empreendedora e criativa de um país extraordinário como o Brasil. Bolsonaro já representa uma mudança por ter torpedeado os partidos tradicionais. Resta saber se os novos protagonistas no Parlamento estarão à altura da confiança que lhes foi depositada, Se conseguir fazer boa parte do que propõe no campo da economia, ainda que contrariando convicções sedimentadas também nele próprio, o novo presidente terá realizado um grande feito. Se respeitar integralmente a Constituição e demonstrar que, numa democracia, a maioria não pode oprimir a minoria, dará um cala-boca na estridência dos adversários. Se baixar drasticamente a espantosa criminalidade que amedronta todos os cidadãos, elevará o país a um patamar mais alto de civilização.

Espera-se que Bolsonaro consiga sobreviver bem até o fim do seu mandato — e que acabe com o instituto da reeleição, como prometeu, a começar da própria. Um primeiro passo é não perder de vista que o desgaste natural de um presidente é inevitável, quando se faz tudo certo e não se envereda pelo populismo. O libertário Gene Healy disse o seguinte sobre os seus compatriotas: “Os americanos esperam que o presidente corrija os erros que nos atormentam – e nós o culpamos quando ele falha. Porque investimos expectativas impossíveis na presidência, a presidência se tornou um trabalho impossível. E uma vez que o período da lua-de-mel inevitavelmente desaparece, o presidente moderno se torna um pára-raios para o descontentamento, muitas vezes incorporando a culpa por fenômenos além do controle de qualquer pessoa, por mais poderosa que seja”. Não é diferente com os brasileiros. Que o novo presidente entenda que o julgamento que importa não é o imediato e fugaz, mas o da História.

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