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Na porta dos bancos

As investigações sobre o "doleiro dos doleiros" fazem a Lava Jato avançar sobre bancos nacionais e estrangeiros. Há suspeitas até sobre uma instituição financeira de um ex-presidente do Paraguai
07.06.19

O surgimento das primeiras citações do envolvimento de Dario Messer, o “doleiro dos doleiros”, e seus agregados com o departamento de propina da Odebrecht era motivo de tensão nas rodas de conversas dentro de grandes bancos brasileiros ainda em 2017. Enquanto o suspense sobre até onde iria a Lava Jato dominava a cena, os banqueiros se movimentaram e aprovaram no Congresso, com a ajuda do presidente Michel Temer, uma lei para regulamentar acordos de leniência, espécie de delação de empresas, entre as instituições financeiras e o Banco Central. Era uma salvaguarda para caso as coisas piorassem. Não adiantou. Em maio do ano passado, a operação “Câmbio, desligo”, um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, revelou os 47 doleiros ligados a Messer cuja clientela ia da empreiteira baiana a políticos, artistas, esportistas e todo tipo de empresário. Neste ano, sem muito alarde, a operação permanece em andamento. A Polícia Federal já prendeu três executivos do alto escalão de um banco de médio porte, o Paulista. Na última semana, no Rio de Janeiro, levou para a cadeia dois gerentes-gerais do segundo maior banco privado do país, o Bradesco. Seria o início de uma devassa no sistema financeiro nacional?

Os números do próprio Banco Central sugerem que o avanço da Lava Jato sobre o sistema financeiro não para por aí. Atualmente, o BC conduz 16 processos administrativos sancionadores (PAS), como são chamados os procedimentos internos do órgão federal, cujos alvos são os maiores bancos brasileiros. Desse total, apenas um foi encerrado desde o início da operação. Cinco estão, segundo o BC, em fase final. Os outros não se sabe em qual ponto se encontram, uma vez que são sigilosos. Sabe-se, porém, que estão na mira os gigantes Bradesco, Itaú Unibanco e Santander.

Cada um desses procedimentos tem por objeto analisar uma possível falha nos sistemas de controle dos bancos que permitiu que empresas e operadores financeiros lavassem milhões de reais provenientes de transações obscuras — muitas vezes, relacionadas ao desvio de dinheiro público e corrupção. Embora só recentemente tenham se tornado alvos diretos da investigação, os bancos já haviam sido citados em fases anteriores da Lava Jato. A Receita Federal chegou a divulgar um balanço em 2018 no qual apontou a omissão por parte dessas instituições financeiras em operações de câmbio feitas pelo grupo de Alberto Youssef, um dos primeiros delatores da operação. Outro caso era a movimentação bilionária das empresas de fachada de Adir Assad, o operador das principais empreiteiras do país.

Apesar de as duas mais recentes investidas sobre os bancos terem origens distintas, ambas possuem alguma relação com Messer. O Banco Paulista, por exemplo, é investigado pelos procuradores de Curitiba por ter lavado 48 milhões de reais para executivos da Odebrecht. Além disso, está na mira da Procuradoria de Curitiba e do Rio de Janeiro a relação do Paulista com o Banco Basa, do ex-presidente paraguaio Horácio Cartes. O banco brasileiro importou, entre 2014 e 2016, 6,7 bilhões de reais em espécie do Basa. Autointitulado “irmão de alma” de Messer, Cartes e sua família são os atuais donos da banca que tem origem no Banco Amambay, criado pela família Messer.

Roberto Casimiro /Fotoarena/FolhapressRoberto Casimiro /Fotoarena/FolhapressNa última semana, no Rio de Janeiro, a Lava Jato levou para cadeia dois gerentes-gerais do segundo maior banco privado do país
O caso envolvendo os gerentes do Bradesco, por sua vez, é fruto das delações de dois funcionários de Messer, os também doleiros Vinícius Claret, o Juca, e Cláudio Barboza, o Tony. O Ministério Público é taxativo no pedido de prisão dos dois gerentes do Bradesco: “Foi possível revelar que também o sistema bancário e instituições financeiras oficiais estão sendo usadas atualmente no Brasil para lavagem de dinheiro, por meio da geração de reais em espécie, por conta de falhas em seus sistemas de compliance”.

O ponto central dessas falhas de compliance citadas pelos procuradores é o chamado “conheça seu cliente”, em que o banco é obrigado a ter informações sobre quem são os beneficiários das contas abertas nas agências. O objetivo, entre outros, é evitar, como no caso dos dois gerentes do Bradesco presos, que contas sejam abertas por empresas fantasmas em nome de laranjas para lavagem de dinheiro. O Banco Central tem duas cartas circulares onde reúne as normas a serem seguidas pelos bancos brasileiros no combate a esse crime. O descumprimento resulta nos procedimentos citados anteriormente. Segundo o BC, os bancos “devem implementar políticas, procedimentos e controles internos, de forma compatível com seu porte e volume de operações”. Para isso, diz a instituição, são obrigados a “coletar e manter atualizadas as informações cadastrais de seus clientes permanentes”.

É aproveitando-se dessas falhas no compliance dos bancos que os doleiros conseguem fazer seu trabalho ilegal, que consiste na disponibilização de dinheiro em espécie para empreiteiras, empresários e afins. No caso do Bradesco, replicado com outros bancos, as contas eram apenas parte de um complexo esquema para fornecimento de dinheiro vivo. A primeira ponta era formada por comerciantes do mercado de importação — por exemplo, vendedores da região da famosa rua 25 de março, no centro de São Paulo, que precisavam pagar seus fornecedores no exterior.

No esquema, as várias partes envolvidas não sabiam do todo. Só os doleiros Juca e Tony tinham controle sobre todas as pontas das transações que ao fim tinham como objetivo gerar dinheiro vivo. Funcionava assim: comerciantes, em especial aqueles importadores de eletrônicos, entregavam cheques recebidos em suas lojas aos doleiros Vinicius Claret e Cláudio Barboza, os administradores do “Banco dos Doleiros” de Messer. Os comerciantes não ganhavam nada com a transação, apenas repassavam os cheques, uma vez que necessitavam da ajuda dos doleiros para pagar em dólar empresas no exterior de quem importavam produtos. Esses cheques, por sua vez, eram depositados em contas abertas em nome de empresas de fachada, com a ajuda dos gerentes dos bancos. Como eram de valores pequenos (por isso chamados “chequinhos”), os depósitos não chamavam a atenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o órgão federal de inteligência financeira.

Só o dinheiro na conta da empresa de fachada, contudo, não resolvia a questão, era preciso tê-lo em espécie. O passo seguinte era sacar os valores da conta sem chamar a atenção das autoridades, para, enfim, ter o dinheiro em mãos. Para isso, era preciso mais uma camada de transações, agora com empresas de transporte de valores, em especial a Transexpert. A empresa transportava, além de dinheiro, milhares de boletos de empresas varejistas e cobrava uma porcentagem para ceder os boletos aos doleiros. As empresas de fachada pagavam esses boletos, sem chamar a atenção das autoridades, visto que pareciam ser pagamentos normais de qualquer firma legal. Em troca, a Transexpert fornecia o valor dos boletos, descontada a sua porcentagem, em dinheiro vivo para os doleiros. A última parte desse esquema era entregar o dinheiro em espécie a grandes empresas interessadas em notas de 50 e 100 reais para pagar propina a políticos. A principal cliente de Juca e Tony era a Odebrecht e o destino desses valores já é bem conhecido.

Sérgio Lima/FolhapressSérgio Lima/FolhapressAssad: ele movimentou 1,8 bilhão de reais por 14 agências de seis bancos
Crusoé apurou com investigadores que os casos de lavagem de dinheiro envolvendo bancos brasileiros é uma das principais frentes de apuração de 2019, principalmente no Rio de Janeiro, onde os doleiros fizeram a delação. Além dos desdobramentos da investigação sobre todos os operadores registrados no “Banco dos Doleiros” de Messer, a força-tarefa fluminense também mira o banco Paulista e seu relacionamento com o Banco Basa, do ex-presidente paraguaio. Há uma intensa troca de informações entre as autoridades do país vizinho e brasileiras. O objetivo é tentar entender qual a verdadeira relação entre Messer e seu irmão de alma. O MPF já sabe que parte do dinheiro amealhado nos negócios conduzidos por Juca e Tony era investido por Messer no Paraguai. A expectativa agora é descobrir se Messer e Cartes eram mais que amigos e se há digitais dos “doleiros dos doleiros” na relação do Basa com o banco Paulista.

No caso do Bradesco e de outros bancos que hospedaram contas de operadores e empresas utilizadas em grandes esquema de lavagem de dinheiro, o objetivo, relatam os investigadores, é saber até qual nível hierárquico houve responsabilidade pelas falhas no compliance. Até o momento, ela tem recaído somente sobre os gerentes das agências que abrem as contas. O histórico dos casos da Lava Jato envolvendo bancos é eclético em relação às instituições financeiras.  No caso dos contratos de câmbio da trupe de Youssef, o Bradesco hospedou 39 contas de empresas de fachada mantidas pelo grupo. O Itaú Unibanco, 18, e o Santander, 13. Além deles, o Banco do Brasil hospedou 11 contas, a Caixa Econômica Federal, 13, e o Citibank, outras 15. Considerado o maior fornecedor de dinheiro em espécie de empreiteiras em São Paulo, Adir Assad movimentou por suas empresas de fachada 1,8 bilhão de reais por 14 agências de seis bancos. Duas agências do Bradesco, em São Paulo, sozinhas concentram 1,2 bilhão de reais do total movimentado pelas empresas de Assad. Também hospedaram contas dele o Itaú Unibanco, Santander, Citibank e Banco do Brasil. Procurado, o Bradesco não quis se manifestar. Por meio de nota, o Santander disse que adota “políticas rigorosas de compliance e cumpre estritamente a legislação e as normas de prevenção à lavagem de dinheiro”. O Itaú Unibanco disse ter rompido o relacionamento com as empresas alvos da Lava Jato do Rio dois anos antes da operação da última semana.

Até o momento, afora os dois gerentes presos do Bradesco, ninguém foi preso, denunciado ou condenado. Os procedimentos em andamento no Banco Central são mantidos em sigilo. Não é possível saber, portanto, se as recentes operações são o início de uma devassa no sistema financeiro nacional. Mas o fato é que sobram casos para serem investigados.

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