Fórum Econômico de DavosAlmoço de despedida em 2022: super-ricos também são humanos

O capitalismo bem-comportado de Davos

Falar de "cooperação em um mundo fragmentado" é chover no molhado. Historicamente, nenhum dos grandes problemas da humanidade foi resolvido pela via multilateral e pacífica
13.01.23

Por mais de meio século, o suíço Klaus Schwab tem liderado convescotes anuais na atraente estação de esqui de Davos. No seu Fórum Econômico Mundial, ele tem reunido centenas das maiores empresas mundiais e líderes políticos para debater temas de grande atualidade e até alguns problemas de urgente necessidade de resolução cooperativa, como conflitos militares, crises econômicas ou ameaças ambientais e sanitárias de dimensões mundiais. Em 2023, o tema escolhido, de forma talvez deliberadamente ambígua, foi “cooperação em um mundo fragmentado”, o que parece ser uma minimização da situação atual da política mundial.

A pandemia da Covid-19 em 2020 e 2021 — que obrigou o Fórum de Davos a se reunir online —, assim como a guerra de agressão da Rússia contra a vizinha Ucrânia — ex-república federada do finado império soviético — não causaram uma grave alteração da ordem global, a despeito de sobressaltos inevitáveis e de alguns impactos mais graves, como crises de abastecimento energético e alimentar em certas regiões do planeta, na Europa ocidental e na África em particular. Apesar desses percalços, a ordem econômica global resiste, assim como a ONU segue atuando da sua maneira habitual — com muita retórica e poucos resultados práticos.

Mas falar de “cooperação num mundo fragmentado” é chover no molhado. Não há qualquer dúvida de que há fragmentação e falta de contribuição na conjuntura atual, assim como é certo que o encontro de Davos será ineficaz para qualquer tipo de encaminhamento prático desses dois problemas.

Nem sempre foi assim. Convites a líderes de países em conflito — como no caso de Israel e palestinos, por exemplo — já tiveram algum sucesso. Além disso, a participação de celebridades de Hollywood ao lado dos líderes mundiais permitiu avançar alguns centímetros nos temas de meio ambiente, de refugiados de guerras civis ou interestatais e até de crises sanitárias graves.

Não parece ser assim nesta edição de 2023, pois inexiste qualquer possibilidade de cooperação no caso do mais grave conflito militar no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial, a invasão e a destruição sistemática da Ucrânia. Essa tragédia é totalmente devida à paranoia e à prepotência arrogante de um dirigente russo que não possui qualquer disposição para o diálogo em termos aceitáveis do ponto de vista do Direito Internacional ou simplesmente no contexto da Carta da ONU, cujas obrigações ele violou deliberadamente diversas vezes e em relação aos quais já se tornou suscetível de “indiciamento” por crimes de guerra, contra a humanidade e contra a paz, as mesmas acusações que levaram líderes civis e militares nazistas ao Tribunal de Nuremberg em 1946.

Tal situação está muito acima da capacidade do Fórum de Davos de tratar de qualquer possibilidade de minimização de danos, assim como é o caso da própria ONU — que está congelada em face do inaceitável exercício do direito de veto por qualquer um dos cinco membros permanentes de seu Conselho de Segurança.

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O Fórum de 2023 consistirá, portanto, em mais um exemplo de keep talking, em que os envolvidos continuam falando a respeito, mesmo sem qualquer esperança de avanço com qualquer solução cooperativa, com fragmentação ou sem. Historicamente, nenhum dos grandes problemas da humanidade — desde o Congresso de Viena de 1815, passando pelas negociações de paz de Paris, de 1919, que levaram à criação da Liga das Nações, nem as conferências diplomáticas entre as grandes potências na Segunda Grande Guerra, que resultaram na fundação da ONU — foi resolvido pela via multilateral e pacifica, e sim por um próprio arranjo consensual entre as partes ou no completo esgotamento de outras possibilidades de resolução, depois de imensos danos acumulados.

Foi assim nos casos da primeira guerra da Crimeia (1853-55), do tratado impositivo de Versalhes (1919) e da própria conformação iníqua e discriminatória do órgão decisório em última instância, do Conselho de Segurança, na conferência de San Francisco que criou a ONU, em 1945.

Naquela ocasião, em nome do fundamento doutrinal central do multilateralismo contemporâneo, que é o princípio da igualdade soberana dos Estados — defendido arduamente por Rui Barbosa, na segunda conferência mundial da paz da Haia, em 1907 —, a delegação brasileira em San Francisco (ainda em pleno Estado Novo varguista) opôs-se formalmente ao direito de veto, justamente por ser iníquo e discriminatório. No pós-guerra, a diplomacia brasileira continuou opondo-se durante cerca de três décadas ao Tratado de Não Proliferação Nuclear pelas mesmas razões.

Voltando a Davos, os capitalistas multinacionais, assim como os líderes políticos e as celebridades do mundo do espetáculo continuarão a frequentar o convescote criado por Klaus Schwab, mas não conseguirão apor sequer um band-aid à fragmentação atual e persistente do mundo.

Desde os anos 1970, quando foi criado, o Fórum de Davos não teve nenhuma influência sobre a dinâmica da Guerra Fria, entre os anos 1947 e 1990. Seu fim só ocorreu pela implosão autoinduzida do socialismo, e não por qualquer vitória do capitalismo triunfante sobre seus inimigos autocráticos e estatistas. Também parece improvável que o Fórum consiga influenciar a dinâmica da atual Guerra Fria econômica entre os Estados Unidos e a China, e a da presente confrontação militar entre a Otan (indiretamente, pela via da Ucrânia) e a Rússia semi-imperial do neoczar Vladimir Putin.

Davos continuará a ser uma festa anual de capitalistas bem-sucedidos, condescendendo em ouvir alguns belos discursos entre uma e outra descida de esqui nos Alpes suíços. Todos eles merecem um pouco de divertimento em meio ao extenuante trabalho de garantir lucros e dividendos para proprietários e acionistas dessas grandes empresas politicamente corretas. Super-ricos também são humanos.

E o Brasil nisso tudo? Em 2003, Lula (recém-empossado) compareceu, numa imediata sequência, ao Fórum Social Mundial de Porto Alegre, aqueles dos antiglobalistas (hoje praticamente desaparecido, por sua própria contradição nos termos), e ao Fórum Econômico Mundial de Davos, globalista por excelência, falando em cada um aquilo que correspondia exatamente às expectativas das respectivas plateias, o que sempre foi o seu estilo populista. Em 2023, ele disse que não deve ir, enviando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em seu lugar.

Os tempos são outros.

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  1. Dizer que nenhum dos grandes problemas da humanidade jamais foi resolvido acho que é consenso. Mas atribuir a responsabilidade aos encontros globais é um erro, na medida em que este é o único caminho. Qual seria o outro? Decisões unilaterais? Encontros bilaterais de consenso? Acho que narrativas contra a necessidade de arranjos multilaterais e globais são um desserviço lamentável. É preciso, ao contrário, fortalecer esses mecanismos.

    1. Estados existem para proteger seus cidadãos de interferências internas ( poderes equilibrados) e externas ( força militar) , fora isso cada cidadão se vira como pode.

  2. Infelizmente, devido à falta de protagonismo dos brasileiros mais aptos, mais capacitados e competentes, segue apresentando ridículos protagonistas ligados à corrupção e os mesquinhos interesses de grupos que só visam suas próprias vantagens e não as do Brasil...

  3. Cara do céu.. como vcs conseguiram acsbar com a crusoé? Virou um saco de chatice. Que pena.. vou me pirulitar.. essa porcaria aqui ta a cara do reader’s digesr..que derrocada..hem?

    1. Concordo plenamente com você,Maria. É i.a minoria que tenta desqualificar o Antagonista e a Crusoé. A porta da rua é a serventia da casa

    2. Eu jà fiz comentário, igualzinho ao teu maria, qdo esse pasquim prestava..hj virou uma mixórdia do uol..

    3. Sa.co de chatices são as pessoas que se acham muito importante e anunciam a saída. É só cancelar a assinatura. Simples assim. MS

  4. Adorei o trecho: retórica sem resultados práticos. Isso eu já tinha chegado a conclusão quando adolescente nos anos 90. A equação é igual ao equilíbrio do CENTRÃO no congresso, só se mexe se incomodar um grupo de interesses grande e forte. Se não for assim a saída é alguma app que vire popular da noite para o dia que resolva esses problemas como Uber,Airbnb ou Waze,kkk

  5. ao término da leitura das opiniões do embaixador, fica a sensação de que gostaria de ver explorado pelo próprio, os diversos assuntos por ele abordados - muita inteligência e conhecimento, vazados numa linguagem erudita e acessível.

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