Pedro Ladeira/FolhapressAto em frente ao QG do Exército com Bolsonaro: apuração adiantada

O mapa dos crimes

O que a Polícia Federal já descobriu na investigação sobre os atos antidemocráticos, que contaram com a participação de Jair Bolsonaro
25.09.20

No fim da manhã do último dia 11, a delegada Denisse Ribeiro, da Polícia Federal, tomou o depoimento do tenente-coronel do Exército Mauro César Barbosa Cid. O militar é o atual ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. A delegada foi logo ao ponto: quis saber como se dava a relação dele com o presidente: “(Você) também repassa mensagens a outras pessoas a mando do presidente da República?”, perguntou ela após o tenente-coronel dizer que costumava desempenhar também o papel de interlocutor de Bolsonaro com parlamentares, ministros e apoiadores. Aparentemente inofensiva, uma vez que uma das funções de um ajudante de ordens é justamente servir de mensageiro do presidente, a pergunta é reveladora de como o inquérito aberto para investigar a estrutura por trás dos atos antidemocráticos realizados no primeiro semestre deste ano se aproxima cada vez mais do gabinete presidencial, da família Bolsonaro e do núcleo de assessores palacianos conhecido como “gabinete do ódio”.

A investigação começou de forma ostensiva em 16 de junho, com a Operação Luma. Na ocasião, a PF cumpriu uma série de ordens expedidas pelo Supremo Tribunal Federal a pedido da Procuradoria-Geral da República, entre elas buscas em endereços de empresários, blogueiros e parlamentares bolsonaristas. Todos eram, de alguma forma, ligados aos atos, seja como participantes, impulsionadores nas redes sociais ou organizadores. Contrária às medidas naquele momento, a delegada Denisse apresentou ao relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, uma sugestão de caminho a ser seguido.

A proposta foi aceita e Denisse Ribeiro começou a apurar a possível existência de uma associação criminosa a praticar crimes contra a Segurança Nacional – como os de manter grupo com o objetivo de mudar o regime vigente e fazer propaganda em meios de comunicação e também nas redes sociais, para alteração da ordem política e social. Como mostrou Crusoé, menos de um mês depois de aberto, o inquérito chegou a ser retirado das mãos da delegada por ordem do diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza, após uma reunião em que ele foi informado sobre o andamento do trabalho. Contrariada, Denisse chegou a pedir para sair. O movimento elevou a temperatura na cúpula na PF. O temor de que a saída da delegada do caso levantasse suspeitas de possível interferência da direção no inquérito fez a direção recuar e ela continuou à frente da apuração.

DivulgaçãoDivulgaçãoA delegada Denisse Ribeiro agora mapeia as responsabilidades dos investigados
Desde então, a delegada e sua equipe, formada por policiais da área de inteligência da Superintendência da PF no Distrito Federal, analisam o material apreendido nas buscas e as quebras de sigilo autorizadas pelo STF focados, principalmente, na tentativa de descobrir a cadeia de comando por trás dos atos e a extensão do aparato de comunicação e propaganda envolvido. Conversas encontradas nos celulares de blogueiros bolsonaristas, como Allan dos Santos, levaram os investigadores a assessores palacianos apontados como integrantes do “gabinete do ódio” e sabidamente próximos de Carlos Bolsonaro, o filho 03 do presidente. Além de mostrar a relação da turma dos sites bolsonaristas com integrantes do grupo que seria comandado por Carluxo, essas mensagens trouxeram para o centro do inquérito o nome do ajudante de ordens de Bolsonaro.

O material também reforça uma linha de investigação que pode não só atrelar o Palácio do Planalto à produção, via gabinete do ódio, de propagandas usadas para impulsionar as manifestações, mas também ao financiamento das plataformas que difundiram esse conteúdo. Trocando informações com a CPMI das Fake News, aberta no Congresso, a PF obteve dados sobre repasses de verbas de publicidade do governo para algumas páginas de sites militantes que são alvos da investigação. Os investigadores agora procuram entender quem são os responsáveis dentro da estrutura do governo por permitir que o dinheiro público fosse parar nessas plataformas.

Os crimes investigados no inquérito são o de associação criminosa, com pena de até três anos de prisão, e os previstos nos artigos 16, 22 e 23 da Lei de Segurança Nacional. Se forem enquadrados no artigo 16, que fala sobre “integrar ou manter” um grupo ou associação com objetivo de mudar o regime por meio de atos violentos ou ameaça, os investigados podem ter uma pena de um a cinco anos de prisão. O artigo 22 prevê de um a quatro anos de cadeia para quem fizer, em público, propaganda de processos que visam à alteração da ordem política e social. Por fim, o artigo 23 pode punir com até quatro anos de prisão quem incitar a “animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou instituições”.

Jorge Hely/FramePhoto/FolhapressJorge Hely/FramePhoto/FolhapressCarlos Bolsonaro: ligações com o gabinete do ódio à prova
Os depoimentos do ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, e de dois filhos do presidente, o vereador Carlos e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, juntamente com vários outros tomados nas últimas semanas, são parte de uma nova fase da investigação que busca identificar a atuação de cada um dos personagens dentro desses grupos. No caso do ajudante de ordens e dos assessores Tércio Tomaz e José Mateus Sales Gomes, apontados como integrantes do gabinete do ódio, a ideia é entender o fluxo entre a produção de conteúdos pró-atos e a relação com os blogueiros que davam vazão a esse material nas redes. A PF ainda segue outros caminhos com base na análise das provas coletadas até agora — um deles envolve o interesse de Eduardo Bolsonaro no aluguel de uma rádio, em nome de um amigo, para promover assuntos de interesse do governo.

Foi em busca de explicações para a relação entre o gabinete do ódio e o entorno do presidente que a delegada Denisse Ribeiro perguntou ao tenente-coronel Barbosa Cid se ele se comunicava com blogueiros em nome de Bolsonaro. Como Crusoé mostrou na semana passada, em uma dessas mensagens para o celular do militar, o blogueiro Allan dos Santos defendeu a necessidade de uma intervenção militar no país. Outra mensagem serviu para avisar o presidente de que a casa do blogueiro estava sendo alvo de uma busca e apreensão executada por policiais federais.

Nas centenas de páginas e nos arquivos anexados ao inquérito, a PF já delineou todos os núcleos da suposta associação criminosa por trás dos atos antidemocráticos: agentes públicos, produtores, operadores e difusores. Os produtores, obviamente, são os blogueiros e donos de plataformas. Entre os difusores estão deputados bolsonaristas e seus apoiadores que propagam as publicações. A última tarefa dos investigadores é mapear, com boa margem de segurança, quem eram os agentes públicos envolvidos e se eles exerciam poder de mando sobre os demais núcleos. Em todas as frentes, o Palácio do Planalto aparece no caminho da investigação.

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