Pedro Ladeira/Folhapress

Os agiotas do líder

Crusoé teve acesso com exclusividade à delação premiada dos donos do avião que caiu e matou Eduardo Campos. Os depoimentos mostram como o atual líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, amealhava dinheiro irregular para financiar suas campanhas e a de seu filho
31.05.19

O relatório número 14.463 do Conselho de Controle de Atividade Financeira, o Coaf, dá o caminho para entender o motivo que uniu boa parte dos congressistas brasileiros para retirar a unidade de inteligência financeira da aba do ministro da Justiça, Sergio Moro. Muito embora os informes produzidos pelo órgão já tenham resultado em dores de cabeça para políticos de toda estirpe e coloração partidária, esse, em especial, deu início a uma investigação que resultou no acordo de colaboração premiada de dois operadores financeiros pernambucanos. Um dos citados é o atual líder do governo Jair Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho, do MDB. Justamente o relator da medida provisória cuja tramitação legislativa acabou por tirar o Coaf de Moro.

Crusoé teve acesso exclusivo a alguns trechos dos depoimentos em posse do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Neles, os delatores Carlos Lyra e Eduardo Leite, o Ventola, descrevem operações financeiras feitas para Bezerra, expoente de uma das principais oligarquias políticas de Pernambuco que tem no adesismo amplo, geral e irrestrito uma de suas principais marcas. Foi aliado de Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e, agora, desponta como grande apoiador de Bolsonaro. De Dilma, ele foi ministro da Integração Nacional de 2011 a 2013.

Tudo começou quando o documento foi enviado pelo Coaf para a Polícia Federal, depois do trágico 13 de agosto de 2014, quando a aeronave Cessna Citation, prefixo PR-AFA, caiu em um bairro de Santos (SP). Uma das vítimas foi o então candidato à Presidência Eduardo Campos, do PSB. A apuração das causas do acidente não foi conclusiva. Entretanto, a revelação dos nomes dos proprietários do avião levou à produção do relatório com informações sobre operações atípicas de duas empresas deles utilizadas na compra do jato — e cujas irregularidades propiciaram, dois anos depois, a realização pela PF da operação Turbulência.

PRPRBezerra, com Lula: senador virou ministro da Integração Nacional no governo Dilma Rousseff com a benção do ex-presidente
Carlos Lyra, um dos presos naquela manhã de terça-feira da operação Turbulência, aparecia como dono do avião e, ao lado de seu futuro companheiro de delação, surgia como líder de uma rede de empresas de factoring e outras empresas de fachada que recebiam altos valores de empreiteiras e de outros operadores detidos na Lava Jato. Ele e Ventola eram conhecidos agiotas do Recife, capital do estado governado por Eduardo Campos entre 2007 e 2014. Acabariam denunciados pelo Ministério Público Federal como operadores da Camargo Corrêa e OAS. Descobriu-se que ambos eram o elo financeiro entre as empreiteiras e Campos e Bezerra, na obra da refinaria de Abreu e Lima, da Petrobras.

Na época da denúncia, Lyra e Ventola negaram atuar em operações para as empreiteiras. No entanto, diante de provas irrefutáveis, optaram por um acordo de delação premiada no ano passado, em que confirmam ter atuado tanto para as empresas como para os dois políticos. Nos depoimentos, mostram detalhes de como eram levantados recursos financeiros para campanhas eleitorais. Os fatos narrados compreendem os anos de 2010 a 2014. Basicamente, são três situações descritas por Lyra e Ventola: empréstimos pagos por empreiteiras, remessas para o operador pessoal de Bezerra e retiradas de dinheiro em espécie em empresas de São Paulo.

O primeiro caso citado é relacionado à eleição municipal de 2012, quando Fernando Bezerra Coelho Filho, atual deputado federal, ex-ministro das Minas e Energia de Michel Temer e filho do atual líder do governo no Senado, disputou a prefeitura de Petrolina. Segundo os depoimentos, naquele ano, Bezerra pai foi até o Recife e pediu à dupla de agiotas um empréstimo de 1,5 milhão de reais. Após as tratativas sobre quais seriam as taxas de juros praticadas, o repasse foi acertado. Lyra conta que, do valor total, cerca de 1 milhão de reais foi repassado por meio de transferências bancárias para empresas ligadas ao próprio Bezerra e a Iran Padilha, apontado pelo MPF como operador pessoal do político. Entre as empresas citadas como receptadoras do montante estão a Bari Veículos, que é ligada à família do senador, e outra empresa também atuante na venda de carros — que, de acordo com Lyra, é de propriedade de pessoas próximas a Iran Padilha. Os 500 mil reais restantes, diz o delator, foram entregues pessoalmente para Iran Padilha e para uma gráfica, a pedido do operador.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisO ex-ministro de Minas e Energia de Michel Temer, Fernando Bezerra Coelho  Filho: disputa da prefeitura de Petrolina em 2012 com a ajuda dos agiotas
Os agiotas relatam que, após o vencimento do prazo para o pagamento, começaram a cobrar Bezerra. É nesse momento que surge a OAS. Indicada pelo próprio político, a empresa aparece como disposta a honrar o pagamento da dívida assumida pelo, à época, ministro da Integração Nacional de Dilma Rousseff. Com juros e correção monetária, a empreiteira pagou a dívida de Bezerra com os agiotas por meio de contratos fictícios e outros superfaturados firmados com empresas ligadas a Lyra e Ventola. Os contratos eram relacionados com obras tocadas pela pasta de Bezerra, como a transposição do Rio São Francisco, o Canal do Sertão, em Alagoas, e uma obra no porto de Suape.

Além desse empréstimo, quitado com os juros cobrados pelos agiotas, Lyra e Ventola contam na delação premiada sobre outro modelo de operação realizado em favor de Bezerra. Ambos, entre 2010 e 2014, retiraram em São Paulo recursos em espécie de empresas indicadas por Bezerra e que também mantinham contratos de obras do governo federal no Nordeste tocadas pelo ministério da Integração Nacional comandado por ele. Como não podiam levar o montante em mãos para Pernambuco, contrataram os serviços de outra dupla de criminosos que foram alvos das primeiras fases da Lava Jato, Rodrigo Morales e Roberto Trombeta. Os dois mantinham uma rede de empresas de fachada apenas para simular contratos e esquentar valores ilícitos.

Pelo esquema, os agiotas deixavam o dinheiro em espécie para Trombeta. Ele, por sua vez, firmava contratos entre suas empresas de fachada e as da dupla Lyra e Ventola para enviar, por transação bancária, os recursos financeiros que eles levantavam em São Paulo para serem retirados no Recife. O trecho dos depoimentos a que Crusoé teve acesso não deixa claro qual o total movimentado nessas operações feitas em São Paulo. Mas o relatório da operação Turbulência dá uma ideia. “Destaque-se que há provas cabais (documentos de transferência ou depósitos bancários) de que, somente com esse esquema criminoso engendrado por Rodrigo Morales e Roberto Trombeta, João Carlos (Lyra) teria sido beneficiado em sua conta pessoal com R$ 2.850.000,00 (dois milhões, oitocentos e cinquenta mil reais)”, diz o documento elaborado pela PF.

Em 2014, quando foi candidato ao Senado, Bezerra voltou a bater na porta de Lyra e Ventola meses antes do início da campanha. O pedido era por um empréstimo de 1,7 milhão de reais que seria honrado pela mesma OAS por meio de contratos fictícios. A dupla arranjou o dinheiro. Aí se dá uma situação curiosa. Passadas algumas semanas, a empreiteira não só deixou de pagar essa dívida, como solicitou os serviços da dupla para que eles arrumassem recursos para bancar outra despesa de campanha de Bezerra, no valor de 600 mil reais. Os agiotas reclamaram, pois Bezerra estava contraindo mais uma dívida com eles sem pagar a anterior. Entretanto, para não perder a clientela, resolveram fazer o serviço. Os recursos foram entregues pela dupla ao publicitário André Gustavo Vieira, dono da Arcos Propaganda, que também já foi preso na Lava Jato (ele operava para o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine). Ocorre que até hoje nem o 1,7 milhão nem os 600 mil foram pagos aos agiotas. O motivo: a queda do avião colocou-os sob a mira da Lava Jato. E um relatório do Coaf levantou todas as operações suspeitas em suas contas.

Fernando Bezerra Coelho continua a levar adiante a a sua exitosa carreira pública, imune a denúncias e inquéritos. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, por exemplo, contou à Polícia Federal, em delação premiada, que o político atuou como intermediário de uma doação ilegal de 20 milhões de reais a Eduardo Campos, na campanha para o governo de Pernambuco, em 2010. Dinheiro que foi entregue a Bezerra pelo doleiro Alberto Youssef. O acusado negou veementemente. Na semana passada, o senador viajou ao lado de Bolsonaro na primeira visita presidencial à região Nordeste. A viagem gerou um constrangimento grande para o presidente. Enquanto ambos divulgavam, sorridentes, um vídeo em que posavam lado a lado no avião, o Tribunal Regional Federal da Quarta Região determinava o bloqueio de até 258 milhões de reais nas contas do senador em razão de uma ação de improbidade administrativa promovida pela Lava Jato. O Planalto, porém, considera bom o seu trabalho no Senado. Ele obteve a liderança após uma articulação do presidente da casa, Davi Alcolumbre, que desejava fazer um aceno à ala do MDB de Renan Calheiros depois de derrotá-lo na eleição para a presidência em fevereiro. Bezerra era eleitor de Renan. Na polêmica eleição, aliás, era secretário da mesa quando houve a fraude: havia dois votos a mais na urna. A corregedoria do Senado até apurou sua participação no episódio, mas Alcolumbre tratou de abafar o caso.

No governo Michel Temer, também lá estava Bezerra a defender o presidente de plantão. Conseguiu com isso nomear o filho para o Ministério de Minas e Energia. Depois, pagou a fatura. Foi um dos que mais operaram para salvar o mandato de Temer quando o então presidente foi atingido pelas denúncias das suas ligações com a JBS. Na era petista, como já dito, foi ministro da Integração Nacional de Dilma Rousseff, com a benção de Lula. Agora, está empenhado em garantir que sejam liberados pelo Congresso os bilhões que o governo Bolsonaro precisa com urgência para tocar a máquina estatal. Todos os presidentes para quem trabalhou o consideraram um grande operador. De fato, parece ser a sua especialidade.

A defesa do senador Fernando Bezerra Coelho disse que não teve acesso à colaboração dos agiotas, mas, conforme reiteradas decisões do STF, “as palavras ou registros isolados dos colaboradores sem qualquer elemento de corroboração não são aptos a sustentar uma denúncia criminal.”  Afirmou o advogado André Callegari: “A defesa do senador confia que o caminho natural dessa investigação será o arquivamento”. Será mesmo?

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