Ricardo Stuckert

Luis Lacalle Pou, o uruguaio que peitou a esquerda autoritária e o Brasil

25.01.23 15:49

Em dois dias agitados, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou (foto), estragou a festa da esquerda autoritária e desferiu a primeira derrota diplomática do governo Lula.

Na terça, 24, em Buenos Aires, ele discursou na cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). O encontro estava caminhando para ser um palanque político em defesa das autocracias da América Latina, com o presidente Lula puxando o coro de que é preciso tratar as ditaduras de Cuba e Venezuela “com carinho.

Fala-se de respeito à democracia, às instituições e aos direitos humanos no documento conjunto assinado pelos membros deste bloco. Mas há países aqui que não respeitam a democracia, as instituições e os direitos humanos”, disse o uruguaio.

Lacalle Pou ainda atacou o caráter de “clube de amigos ideológicos” dos diversos fóruns regionais — como a Unasul, que será retomada pelo governo petista, o Mercosul e a Celac — que servem apenas a discursos partidários, são “protecionistas” e não avançam em negociações comerciais, as quais beneficiaram os diversos povos.

Devemos dar pequenos passos, mas em uma mesma direção. E não fazer grandes discursos, que nos congelam sob os conceitos de solidariedade e outros muito bonitos, mas que às vezes não podem ser colocados em prática”, disse Lacalle Pou.

O uruguaio, assim, apresentou-se como a antítese de Lula. O petista queria que a cúpula da Celac evidenciasse a disputa entre a esquerda democrática e a extrema-direita “genocida, representada pelo seu antecessor Jair Bolsonaro. Ele pediu o fim das restrições comerciais contra Cuba e Venezuela e pediu desculpas pelas “grosserias” de Bolsonaro aos argentinos. Lacalle Pou botou as coisas em outro eixo: dividindo a região entre a direita moderada e a esquerda totalitária.

Lacalle Pou tem autoridade para falar em nome da democracia e enfrentar regimes ditatoriais. Seu partido, o Nacional, é de centro-direita e existe há 186 anos. Seu pai, Luis Alberto Lacalle, foi presidente por esse mesmo grupo, nos anos 1990. A coalizão que levou o atual presidente ao poder, em 2020, conta com três partidos. Um é o Colorado, rival histórico do Nacional, que agora virou parceiro. O outro é o Cabildo Aberto, que é de ultradireita e tem um viés militar. Porém, com apenas dois ministérios, de saúde pública e habitação, a atuação desses radicais tem sido contida.

Quando Bolsonaro ainda era presidente, o uruguaio preferiu manter uma distância segura e nunca embarcou na retórica belicosa e conservadora do brasileiro. Na posse de Lula, Lacalle Pou fez um gesto em defesa das instituições democráticas para marcar diferença com Bolsonaro. Ele trouxe ao Brasil, no mesmo jatinho, o ex-presidente socialista José Pepe Mujica e Julio María Sanguinetti, do Partido Colorado.

Nesta quarta, 25, ao receber Lula em Montevidéu, Lacalle Pou começou seu discurso já dizendo que a reunião bilateral dos dois não foi marcada por questões ideológicas. Nem poderia. Na sala com Lacalle Pou, Lula não teria qualquer abertura para tecer elogios a seus companheiros ditadores.

Mas, ao colocar-se do lado errado da história, o brasileiro acabou se fragilizando e foi colocado contra a parede. Lacalle Pou aproveitou a ocasião para deixar claro que seu país seguirá insistindo em um acordo comercial com a China, apesar de estar atado às regras do Mercosul que exigem que esses tratados só podem ser feitos em bloco.

O uruguaio afirmou que seu país irá trilhar dois caminhos em paralelo. Um, negociando melhores condições com o Brasil dentro do Mercosul. O outro, abrindo-se para a China. Mais tarde, o Uruguai se dará o direito de escolher qual seria o melhor. Ele pediu um Mercosul “moderno, flexível e aberto ao mundo”. Trata-se de uma demanda antiga, que tem ganhado mais músculo com a falência econômica argentina e o baixo crescimento do Brasil.

Lula não teve outra opção a não ser tentar atenuar o golpe: “Minha relação com outros chefes de Estado não passa pelo ideológico. Os presidentes não precisam pensar como eu”. O brasileiro reconheceu o esforço do presidente uruguaio de buscar o melhor para o seu povo: “São reclamações mais do que justas”, disse o petista.

Em seguida, Lula defendeu um acordo comercial com a União Europeia, que foi cozinhado em banho-maria durante os governos petistas e só avançou com Bolsonaro e o ex-chanceler Ernesto Araújo. E também falou de um acordo entre a China e o Mercosul, que seria feito com todo o bloco, incluindo o Uruguai.

Lacalle Pou agora sabe que pode chantagear o Brasil para conseguir investimentos e parcerias, como a construção de pontes ou de canais. Caso ele não se convença que os agrados foram suficientes, seu país poderá tomar sozinho a direção da China, deixando os “clubes dos amigos ideológicos” à deriva. Não importa se Lula conseguirá ou não convencer o Uruguai, que tem menos de 4 milhões de habitantes. Essa é uma negociação que o governo brasileiro já perdeu.

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  1. Lacalle Pou deu uma lição de como ser um estadista para com seu povo. Algo que um Lula da vida, nunca vai conseguir chegar perto de ser. Lula sempre foi, e hoje mais ainda, retrocesso em termos políticos-econômico-social.

  2. Ainda bem que na América do Sul apareceu um grande estadista. Que venham outros! Esse tipo de político está cada vez mais raro por aqui. Parabéns ao povo uruguaio pela excelente conquista!

  3. O autor só “ esqueceu” de avisar q o acordo assinado por Bozo é UÉ nunca entrou em vigor ,diante da recusa dos europeus em chancelar o governo bolsonarista e sua política ambiental! Jesus! No q se tornou os antagonistas???

  4. Do artigo e comentários, só discordo do uso do termo "autocracia" para classificar Cuba, Venezuela e Nicarágua, ao invés de "ditaduras", que realmente elas são

  5. Sua última frase de desfecho é, totalmente, INADEQUADA! A política mundial está caminhando para além das lateralidades comumente estabelecidas entre direita e esquerda. Há uma forte tendência em estabelecer posições pautadas mais pela coerência do que pelas ideologias retrógradas e caducas. As regras do Mercosul devem ser revistas sim, pois nas atuais condições afetam, inclusive, a autonomia nacional. Os tempos mudaram e novas negociações serão elaboradas. Espere para ver!

  6. Uruguai é um exemplo de democracia e o Presidente Lacalle Pou teve uma excelente postura diplomática na CELAC e na ocasião da visita de Lula, fazendo valer os interesses do país. Parabéns pela matéria Duda!

  7. Parabéns a Lacalle Pou pela demonstração de personalidade e coragem ao se impor com a sinalização do velho e improdutivo “clube dos amigos ideológicos”, que protege autocracias de esquerda na América Latina do atraso. O Brasil também está necessitando projetar líderes com a mesma visão e que defendam ideais de centro direita ou direita moderada para afastar de vez o populismo e a polarização ideológica estéril e possibilitar que o país volte a crescer em paz.

    1. A reportagem é muito boa, assim como tua análise. Concordo.

  8. Ainda bem que a América do Sul não é completamente imbecilidade pelo esquerdismo populista. O Uruguai nos salvou.

  9. Esse acordo em bloco do Mercosul é acordo demorado para nenhum. Vai um país do bloco importar veículos (VW, Porche, BMW, Mercedes Benz, Ford, Toyota, Nissan) e peças e o outro país põe obste. Tem que comprar peças de tal país (que importa da China). Uruguai está certo em fazer acordos unilaterais inclusive de empréstimos e manda para o bloco apreciar.

  10. Lacalle Pou, o mais sensato que vi discursando entre todos que estavam presentes. Mostrou inteligência acima de qualquer discurso de palanque dos ditadores camaradas

  11. O presidente do minusculo Uruguai mostra toda dignidade de seu povo e o pequeno lambari ferroa o tubarâo arrogante neutralizando seus dentes apodrecidos.

  12. Até que enfim alguém lúcido na direção de um país, mesmo que seja o diminuto Uruguay. Bom para redirecionar as baboseiras e discursos datados do nosso atual mandatário, que está mais atrasado que o Getúlio Vargas.

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