Billy Boss/Câmara dos Deputados

Quase quatro anos depois, casos de candidatas laranjas não têm punição; Câmara quer anistiar partidos

17.03.22 10:14

Nesta quinta-feira, 17, uma comissão especial da Câmara dos Deputados vai votar uma proposta de emenda à Constituição que garante anistia aos partidos que não cumpriram a cota mínima de gênero de 30% ou que não destinaram os valores correspondentes a essas candidaturas nas últimas eleições. A PEC de autoria do senador Carlos Fávaro, do PSD, é relatada pela deputada Margarete Coelho, do Progressistas, braço-direito do presidente da casa, Arthur Lira. Com o aval do Centrão e da base aliada do presidente Jair Bolsonaro, o texto deve ser aprovado e seguir a jato para votação no plenário. Se conseguirem se livrar das multas impostas pela Justiça Eleitoral, os políticos conquistarão, na verdade, uma segunda vitória no caso das candidaturas femininas – que, em 2018, virou um escândalo graças ao esquema das candidaturas laranjas operado pelas cúpulas dos partidos. No rumoroso esquema, candidatas fictícias eram lançadas apenas para que as legendas cumprissem a cota e recebessem os recursos do fundão eleitoral. O objetivo oculto era o de beneficiar candidatos do sexo masculino.

Foi o caso da policial militar Sonia de Fátima Silva Alves, candidata à Assembleia Legislativa do Acre em 2018, que recebeu 240 mil reais do fundão eleitoral do DEM, mas teve apenas seis votos. Outra situação investigada pela Polícia Federal foi a da datilógrafa Lourdes Paixão, de 70 anos, que se lançou na corrida por uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PSL de Pernambuco — apesar de uma campanha irrigada por 400 mil reais em recursos públicos, ela só conquistou 274 votos. Em Brasília, empresária Kadija de Almeida Guimarães, que se candidatou a uma vaga de deputada distrital pelo MDB, recebeu 573 mil reais. Cada um dos seus 403 votos custou quase 1,5 mil reais aos contribuintes.

O problema é que as apurações sobre esses casos, que miraram políticos supostamente beneficiados pelos recursos, acabaram arquivadas ou se arrastam sem desfecho. No curso das investigações sobre as candidaturas de Sônia, Lourdes e Kadija, por exemplo, a Polícia Federal tentou investigar o envolvimento do deputado federal Alan Rick, do DEM, do presidente da União Brasil, Luciano Bivar, e do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, nas articulações destinadas a lançá-las apenas para cumprir a exigência legal.

Outras situações rumorosas e igualmente repletas de provas que também foram encerradas sem punição. Quatro anos depois dos escândalos em série de candidaturas laranjas, reproduzidos também nas eleições municipais de 2020, a impunidade é praticamente a regra. Para especialistas e procuradores eleitorais, a falta de punição eleva o risco de que a prática se repita este ano.

“Não temos ferramentas eficazes para punir”, afirma a procuradora Silvana Batini, que comanda a Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. “Pelo estado da arte atual, quando se descobre uma candidatura laranja, a única maneira de punir é soltar uma bomba atômica, que é derrubar a chapa inteira de candidatos do partido, inclusive aqueles sem nenhuma relação com a fraude. Mas normalmente só vemos punição em casos relacionados a cidades pequenas, como a cassação da chapa de vereadores de Valença de Piauí (município a 200 km de Teresina),  diz Batini. No processo mencionado pela procuradora, seis vereadores piauienses perderam o mandato depois que a Justiça Eleitoral constatou que um deles havia sido beneficiado por recursos públicos repassados a uma candidata laranja. O mesmo aconteceu na cidade de Imbé, no Rio Grande do Sul, em 2020. No município gaúcho, duas postulantes da coligação que reuniu o PTB, o PDT e o Pros tiveram apenas um voto para a Câmara de Vereadores e foram consideradas candidatas fictícias. O Tribunal Superior Eleitoral, então, decidiu cassar toda a chapa. Para Silvana Batini, o combate a essa prática seria mais eficaz se houvesse a possibilidade de ajuizar uma ação contra as siglas, com possível proibição de acesso aos fundos públicos. “Talvez isso pudesse estimular os partidos a cumprir a lei, com a adoção de estruturas de compliance”, diz a procuradora.

A legislação eleitoral prevê estímulos à participação feminina na política. Pela regra em vigor, os partidos devem reservar, no mínimo, 30% das candidaturas a cargos legislativos para mulheres. O mesmo percentual mínimo deve ser observado na divisão de recursos dos fundos eleitoral e partidário. Ou seja, as candidaturas femininas devem receber 30% dos fundos mantidos com recursos públicos. A mesma fatia do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão tem que ser destinada a candidatas mulheres. Para driblar a lei eleitoral, muitos partidos passaram a recorrer à prática de lançar candidaturas femininas fictícias para que os recursos repassados a essas candidatas fossem, na verdade, destinados a candidatos do sexo masculino considerados mais competitivos.

Não bastasse a falta de punição, as práticas foram sofisticadas de 2018 para cá. “Hoje, o mais comum é vermos mulheres serem chamadas às vésperas dos prazos de filiação. Elas não participam do ambiente partidário, da tomada de decisões. Os partidos prometem a elas todo tipo de apoio político, dinheiro, visibilidade, e depois elas são completamente abandonadas na corrida eleitoral. Aí, a prova fica mais difícil”, observa a especialista em direito eleitoral e advogada Maíra Recchia, que comanda o Observatório de Candidaturas Femininas da OAB de São Paulo.

O PSL, que com o DEM formou a União Brasil, foi um dos partidos mais enredados no escândalo das candidaturas laranjas em 2018. Na tentativa de limpar a imagem da legenda, Luciano Bivar contratou a Alvarez & Marsal, a mesma consultoria americana que empregou o ex-ministro Sergio Moro nos Estados Unidos. A empresa vai fazer um projeto de compliance para o partido. Ao menos no discurso de Bivar, o objetivo é o de combater a prática de candidaturas fictícias, além de analisar os gastos e contratações. Bivar, no entanto, além de ter uma visão crítica das cotas para mulheres, diz que há “inconsistências” nas denúncias de laranjas na campanha de 2018. “Das moças que foram denunciadas, uma teve 3,5 mil votos. Você não dorme e acorda com essa quantidade de votos, você tem que sair às ruas. Outra, coitada, arguiu que, naquele período da campanha, a mãe dela morreu”, justificou.

Um dos reflexos da impunidade é que muitos dos candidatos envolvidos nos casos de campanhas femininas fictícias disputarão novamente as eleições deste ano, como o ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio, que trocou o PSL pelo PL, de Jair Bolsonaro, na atual janela partidária. O deputado federal mineiro foi denunciado pelo Ministério Público pelos crimes de falsidade ideológica, apropriação indébita eleitoral e associação criminosa. Segundo o MP, “o objetivo era direcionar recursos recebidos pelas candidatas mulheres para outros candidatos homens”. Em 2020, em razão da decisão da Presidência do Tribunal Regional Eleitoral, o caso foi remetido ao procurador-geral da República. A presidência do TRE entendeu que a acusação estaria relacionada a outras que já haviam sido anteriormente enviadas ao MPF. Em uma decisão atípica na Justiça Eleitoral, o episódio envolvendo o aliado do presidente Jair Bolsonaro passou a tramitar em segredo e não há informações sequer sobre o recebimento ou arquivamento da denúncia apresentada há quase três anos. Crusoé procurou Marcelo Álvaro Antônio e seu advogado, Willer Tomaz, mas nenhum deles informou a situação atual do processo. O deputado e ex-ministro denunciado por supostas irregularidades em sua campanha de 2018 sonha agora com uma vaga no Senado Federal.

Atualização — a votação da PEC que anistia os partidos que descumpriram a cota feminina, prevista para esta quinta, foi adiada.  

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Pobre Constituição brasileira, sempre vítima das picaretadas semanais, desferidas, ora pelos politicos, ora pelos iluminados do 5TF.

  2. Com um Congresso deste nível fica fácil remendar a Constituição com absurdos como esta proposição ou como a PEC aprovada do calote dos precatórios. Só falta sacramentar a gestão do orçamento da União pelo Congresso, restando ao Executivo apenas implementar o que deputados e senadores decidirem. Em termos de pilantragem o Legislativo só perde para o Judiciário.

  3. Como sao harmonicos os poderes desta republica de bananas. O judiciario solta os corruptos ladroes, e a camara e senado anistiam o laranjal todo dos que roubaram os recursos de campanha. Que harmonia entre os poderes desta respublica a brasileira! Bonito pra ladrao ver. Parabens senhores e senhoras ladras. Outubro 2022 vem ai. Espero que o povo saiba dar o reconhecimento que merecem. Ruuuuuuuua, pra nunca mais voltarem. NEM LULADRAO, NEM MINTO, MORO PR ja. JAIR caindo fora ja.

Mais notícias
Assine agora
TOPO