Carlos Fernandodos santos lima

Lula e a aposta na hipocrisia

04.02.22

O Brasil não é para principiantes”, disse certa feita Tom Jobim. Outros já também disseram que este não é um país sério. Essa última frase, erroneamente atribuída a Charles de Gaulle, mas na verdade de lavra do diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, poderia indicar o sentimento de “vira-lata” que impera em nossa população em relação ao próprio país, salvo quando o assunto é futebol.

Nunca compartilhei dessa visão essencialmente negativa do Brasil, bem como nunca aceitei o ufanismo tolo a respeito das inesgotáveis riquezas nacionais e do futuro glorioso que nos espera. Somos uma sociedade complexa, democrática e plural, mas que infelizmente espera do estado soluções que este não possui condições de oferecer. Assim, ficamos aguardando um futuro que nunca chega, justamente por não assumirmos o protagonismo de nossas próprias vidas e o preço de nossas decisões, e deixamos que uma classe política sem compromisso com o povo, diante dessa nossa inércia, aproprie-se do poder.

Entretanto, mesmo diante dessa realidade, os políticos ainda tentavam dissimular seus engodos com algum verniz de institucionalidade. Contudo, Lula e outros políticos, nos últimos anos, com apoio de uma imprensa incapaz de ir além de relatar um conflito de versões, perderam completamente a vergonha. Isso ficou mais evidente ao ver Lula descaradamente criticar a submissão do governo Bolsonaro ao Congresso Nacional. Ao fazer isso, Lula está chamando a nós, brasileiros, além de passivos e trouxas, de desmemoriados e ingênuos. A hipocrisia de quem esteve à frente de um governo que foi desmascarado por duas vezes, justamente por esquemas sistêmicos de compra de apoio parlamentar, em troca de permissão para que partidos e políticos roubassem livremente em órgãos do governo e estatais federais, ofende qualquer cidadão bem informado.

É verdade que o governo Bolsonaro capitulou ao Centrão, entregando-lhe a chave do cofre, num esquema de “legalização” dos pagamentos (mensalões) a políticos que vigoravam na época de Lula e do Partido dos Trabalhadores. Ambos, cada um à sua maneira, cederam à pressão dos partidos do Centrão.

Lula, que agora prefere se fazer de desentendido, pretendia àquela época transformar o Partido dos Trabalhadores na versão brasileira do Partido Revolucionário Instituciona mexicano, fazendo-o hegemônico por dezenas de anos. Não bastasse isso, Lula também sonhava, pois assim vê a si mesmo no espelho deturpado de sua consciência, passar para a história como o novo “pai dos pobres”, substituindo Getúlio Vargas no imaginário popular.

Lula, entretanto, ficou muito longe disso, pois hoje ele sabe que sua imagem perante o povo brasileiro está para sempre atrelada a escândalos de corrupção, inclusive pessoal, difíceis de explicar. Aliás, nem Lula, nem o Partido dos Trabalhadores explicaram ou pretendem explicar o mensalão ou a Lava Jato – quanto mais pedirem desculpas à população pela corrupção ocorrida, preferindo apostar na lógica da pós-verdade, em que a versão de perseguição política repetida inúmeras vezes, especialmente nas redes sociais, é o suficiente para se defender, mesmo que seja apenas para seu público cativo – e aqui cativo significa mentalmente escravo.

Hoje, contudo, Lula está distante daquele político hábil de sua campanha vitoriosa para presidente. Agora, Luiz Inácio é um homem alquebrado e vingativo, desesperado por ver que sua “santificação” não ocorreu – nem ocorrerá, mesmo que eleito. Ele e seu partido estão manchados pela mesma pecha de corruptos que por tantos anos tentaram colar nos políticos da direita, especialmente em Paulo Maluf.

Assim, o desespero de ver seu jingle de esperança – o “Lula-lá” – transformar-se em memes de “Lula-drão”, ou de seus simpatizantes nas redes divulgarem seus apoios em termos bem realistas – “roubou, roubou, mas deu emprego e universidade”, só mostra que toda a carregada maquiagem de estadista agora escorre por seu rosto, mostrando o grotesco e real Lula, um finório sindicalista, hábil nas velhacarias da política, pois completamente sem moral ou limites.

E é esse o Lula que costura agora com o Centrão os palanques nos estados, tornando Bolsonaro – merecidamente, diga-se – uma versão governamental do marido traído na sua própria cama, pois seu ministro da Casa Civil, a quem entregou mundos e, especialmente, os fundos, liberou o próprio partido – o Progressista – para apoiar Bolsonaro ou Lula, conforme a conveniência local. Aliás, Lula tem uma ótima relação com esse ajuntamento de políticos venais chamado de Centrão, pois foi justamente com eles que celebrou o pacto de corrupção que marcou seu governo.

A verdade é que Lula gosta dessa espécie de político – a que alguns da imprensa chamam de pragmáticos, mas na verdade são apenas pessoas vis, desonestas, infames e torpes. A alegria de sua foto com Renan Calheiros nesta semana, prenunciando a traição deste à candidata de seu partido – a senadora Simone Tebet – já anuncia que tipo de ministério Lula pretende formar em seu futuro governo. Até mesmo por isso já afastou Dilma Rousseff de qualquer participação em sua campanha ou governo, pois Dilma é considerada honesta, e isso, neste momento, é algo a ser evitado.

Todo esse espetáculo dantesco do atual momento brasileiro mostra que o problema de construção de lideranças éticas por nossa política é profundo. A versão conformista de muitos, especialmente de comentaristas políticos, de que a política é isso aí mesmo, esse sepulcro caiado em que escândalos são esquecidos após seus 15 minutos de fama, para serem novamente repetidos anos depois, um lugar em que desonestos e velhacos são tratados por excelência, quando na verdade deveriam estar presos, só confirma esse problema intrínseco de nossa democracia.

E ai daqueles que levantam esse tipo de discussão dos problemas de nossa democracia, como se livremente pensar no aperfeiçoamento dos mecanismos democráticos e eleitorais fosse a mesma coisa que hordas de bolsonaristas gritando slogans imbecis a favor de um golpe de estado. Pretender reformar a democracia, impondo mais transparência dos partidos, menor dependência de dinheiro público e responsabilização pelos malfeitos transforma todos, inclusive este articulista, em tenentistas ou jacobinos, em uma demonstração não de um espírito agudo ou de inteligência de boa parte desses críticos, mas sim de uma pobreza intelectual que não vai além das conveniências e interesses particulares.

Também é muito triste para nossa política o apoio automático dos diversos partidos de esquerda a Lula, pois isso contamina esses partidos com o mal da corrupção, da qual não participaram. Lula e o Partido dos Trabalhadores lambuzaram-se e emporcalharam-se em uma orgia de dinheiro público com o Centrão e setores do Movimento Democrático Brasileiro, mas não com os demais partidos que apoiavam o governo. Para que jogarem fora todo o patrimônio ético conquistado na resistência aos governos militares, em troca de apoiarem um político que nunca, enquanto for vivo, permitirá que qualquer um desses outros partidos se torne maior que o seu?

Enfim, o que temos hoje entre os dois principais candidatos na corrida eleitoral é um jogo de mentiras, em que cada um deles acusa o outro exatamente daquilo que sabe ser também culpado.  Nós, brasileiros, devemos perceber isso de forma clara, exercendo o voto com consciência e não elegendo nenhum dos dois para a Presidência da República, pois se acontecer de Lula ou Bolsonaro ser eleito, teremos que aceitar, além da pecha de falta de seriedade, a de que definitivamente somos um país de hipócritas.

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